O movimento que nasceu em plena crise económica e fez aparecer mais de 300 bancos de livros em todo o país está a tornar-se substituível. Para o fundador da iniciativa, Henrique Cunha, esta é uma boa notícia: “Estes bancos foram criados com o objetivo de falir”, explicou à Lusa.
A ideia era tornarem-se dispensáveis. O movimento sempre defendeu que a reutilização de manuais devia ser uma obrigação do Estado e não o resultado do trabalho de um grupo de cidadãos anónimos. Aconteceu.
No próximo ano letivo, todos os alunos das escolas públicas vão receber gratuitamente os livros. Serão cerca de 1,2 milhões de estudantes do 1.º ao 12.º ano.
“É a herança do movimento reutilizar. É muito animador ver o resultado direto de uma iniciativa levada a cabo pelos cidadãos. Nós fizemos evoluir a legislação. É uma grande vitória, embora ainda não esteja totalmente resolvido”, disse Henrique Cunha.
De fora do programa estão os alunos do privado. Para o professor de Matemática o direito ao ensino universal e gratuito previsto na Constituição só estará consagrado quando chegar a todos.
“Estamos a violar a legislação”, defendeu Henrique Cunha, que acredita que o processo ainda está em curso.
Por isso, o banco de livros que abriu no seu escritório, no Porto, será o último a fechar: “É um marco de resistência e estará aberto até ser garantida que a medida implementada pelo Governo é para todos, sem exceção”, sublinhou o mentor do projeto que começou há oito anos com uma mensagem no Facebook.
Henrique Cunha nunca imaginou que um ‘post’ chegasse tão longe. No verão de 2011 escreveu uma mensagem apelando para a reutilização. "Pensei que fosse lida na zona onde trabalho, mas foi partilhada milhares de vezes. Numa semana, tinha centenas de pessoas a visitar a meu escritório”, recordou.
Havia muita gente a querer participar no projeto e quando deu conta já tinha livros guardados na casa de banho.
Nascia assim o primeiro banco de manuais escolares organizado por cidadãos anónimos. Depois do Porto, foi a vez de um restaurante em Lisboa se transformar num espaço de troca de livros. No final de 2011, já havia 50 bancos a funcionar e milhares de famílias desconhecidas a beneficiar do projeto.
Segundo contas do professor de Matemática, os livros usados pelos alunos eram suficientes para encher três piscinas olímpicas por ano.
Entre 2011 e 2015 abriram mais de 300 bancos e foram reutilizados milhões de manuais que teriam ido parar ao lixo. O movimento revelou-se uma poupança para as famílias e para o ambiente.
Henrique Cunha estima que do seu banco saíssem todos os anos cerca de dez toneladas de manuais para casa dos alunos. Mas não existem números sobre a reutilização.
O projeto sempre foi feito à custa de horas livres de voluntários. Nunca houve dinheiro envolvido, só vontade de ajudar. Surgiram bancos em cafés, livrarias, centros de explicações e até clínicas veterinárias. A estes juntaram-se juntas de freguesia, bibliotecas, escolas e centros comunitários.
O movimento tornou-se nacional e conseguiu chegar às famílias que viviam nas zonas mais recônditas do país: em apenas um ano, só os correios entregaram gratuitamente mais de 15 mil manuais.
Tudo resultado da iniciativa de Henrique Cunha, o mais novo de sete irmãos que sempre foi educado a reutilizar numa época em que a palavra ainda não estava na moda.
Henrique herdava tudo o que era dos irmãos: sapatos, roupa, brinquedos e, claro, os livros.
Foi a dar explicações de Matemática e Geometria Descritiva que começou a aplicar esta filosofia de vida aos seus alunos, a quem pedia que deixassem o que não precisavam para quem viesse no ano seguinte.
“Era engraçado porque eles escreviam dedicatórias para outros miúdos que nem sequer conheciam”, recordou. Foi deste hábito que surgiu a mensagem no Facebook e depois o banco de livros no seu escritório e os restantes espaços espalhados pelo país.
Pai de três filhos, Henrique Cunha tem agora em mãos uma nova missão: ensinar a mais nova, de quatro anos, a “estimar, respeitar e devolver os livros que lhe forem emprestados”.
O fundador do movimento Reutilizar espera nunca ter de comprar manuais para a filha “independentemente de ela estar a estudar numa escola pública ou privada”.
(Por: Sílvia Maia da agência Lusa)
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