Francisco Machado da Cruz, que supervisionou as contas da ESI e das ‘hodings’ não financeiras do GES a partir de 2003, começou hoje a depor enquanto testemunha no processo em que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, julga os pedidos de impugnação às contraordenações aplicadas pelo Banco de Portugal ao ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (4 milhões de euros), e ao ex-administrador Amílcar Morais Pires (600.000 euros,) por, apesar de conhecerem a situação líquida negativa da ESI, terem permitido que fossem comercializados títulos de dívida desta instituição junto de clientes do banco.
“Não era Francisco Machado da Cruz que ia destruir o Grupo Espírito Santo", afirmou, assegurando que assumiu o “erro” para “proteger” Ricardo Salgado, por quem tinha “muita estima”.
“Tive que fazê-lo. Se dissesse que havia omissão da dívida desde 2008 por decisão de Ricardo Salgado, o grupo caia”, declarou.
Essa assunção do “erro” ocorreu quando, em dezembro de 2013, a empresa de auditoria KPMG o confrontou com a omissão do passivo de 1,3 mil milhões de euros da ESI e depois de Ricardo Salgado ter enviado uma carta ao BdP dizendo que havia um “erro” nas contas da Espírito Santo Finantial Group (ESFG).
Machado da Cruz contou como a auditora não quis acreditar que pudesse haver um erro daquele montante, pelo que agarrou no papel, escreveu “erro” e assinou, remetendo para Ricardo Salgado uma explicação sobre os ativos imobiliários em Angola, que, disse, foram colocados para mostrar ao BdP que estavam na origem do passivo.
“Assumi a responsabilidade, mas não concordava. Achava que era altura de dizer a verdade”, afirmou, sublinhando que desconhecia a origem dos ativos, que “nasceram nas vésperas da auditoria da KPMG”.
Questionado pela Procuradora do Ministério Público, o antigo ‘commissaire aux comptes’ afirmou que logo que entrou para o grupo, em 1993, se apercebeu de que não era gerado ‘cash flow’ (fluxo de caixa) suficiente para cobrir o serviço da dívida das ‘holdings’ (sociedades gestoras de participações sociais).
Segundo Machado da Cruz, no ano 2000 o grupo passou por “um período bom”, com a venda de “bons investimentos” (Carrefour, Galp, Telecel), que permitiu ao GES encaixar “muitos milhões” e “aguentar-se bem”.
Com a crise financeira que se iniciou em 2006 nos Estados Unidos e se expandiu à Europa, a ocultação do passivo começou a fazer-se a partir de 2008. Até aí, a ESI contabilizava as ações da ESFG (que estava cotada na bolsa) a partir de uma avaliação interna, atribuindo o “valor real” que era “muito superior ao cotado em bolsa”, dando como exemplo a indicação para atribuir um valor da ordem dos 21 euros numa altura em que as ações estavam a 5,25 euros.
A partir de 2008, “começaram a mexer no passivo”, disse, afirmando que a ESI estava já com um prejuízo “muito grande”.
Machado da Cruz afirmou que a decisão de omitir dívida na plataforma informática onde eram registados todos os movimentos contabilísticos da ESI foi de Ricardo Salgado: “não fico contente por o dizer, mas tenho que dizer a verdade”, declarou.
Quando partilhava as suas “preocupações” com Ricardo Salgado, este agarrava-lhe no braço e dizia-lhe para não se preocupar porque a situação se iria resolver, relatou, afirmando ter acreditado que havia uma estratégia.
“Acredito que [Ricardo Salgado] quis. O que ele dizia fazia sentido”, disse, referindo a ideia de usar a ESFG para “colmatar o buraco na área não financeira das ‘holdings’ que estavam tecnicamente falidas”.
Machado da Cruz disse ter ficado “perplexo” quando soube, já a posteriori, da venda do papel comercial da ESI junto de clientes do BES, e que advertiu para o “risco enorme” que representava.
O julgamento dos pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Amílcar Pires iniciou-se em 06 de março e tem audiências agendadas de segunda a quinta-feira até 28 de junho.
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