Na quinta-feira, falando a propósito do incêndio no rés-do-chão de um prédio no bairro da Mouraria, que causou a morte a dois migrantes, Carlos Moedas (PSD) considerou que não existe uma política de imigração digna em Portugal.

Assumindo que “há responsabilidades de todos” no que aconteceu no sábado, na Rua do Terreirinho, disse: “Precisamos desses imigrantes, mas têm de vir para os países com dignidade e têm de vir para os países com contratos de trabalho".

As declarações de Carlos Moedas levaram hoje o Bloco de Esquerda (BE) a pintar um mural, com a frase “Lisboa diz: Imigrantes bem-vindos!”, num prédio devoluto da Rua dos Lagares, acima da Rua do Terreirinho.

“Isto não é um problema de imigração, é um problema de habitação. Carlos Moedas tenta esconder o seu falhanço [na habitação], falando de outra coisa”, apontou o vereador do BE em exercício, Ricardo Moreira, número dois da lista encabeçada por Beatriz Gomes Dias.

“Abrir a discussão dos contratos de trabalho é algo que nem o líder do PSD considera necessário”, por isso “Carlos Moedas põe-se muito mais à direita do que o seu próprio partido” e isso “é uma situação bizarra”, comentou.

Junto ao mural, Ricardo Moreira acusou Carlos Moedas de defender “uma via verde para os vistos 'gold', os unicórnios” e, simultaneamente, “uma política de portas fechadas à imigração para as pessoas que estão a trabalhar cá em Portugal e que, no ano passado, contribuíram com 1.200 milhões para a segurança social”.

Lamentando as vítimas do incêndio de sábado, o vereador bloquista disse que recebeu “indicações” de que as pessoas que tiveram de deixar o prédio que ardeu estão “a ser forçadas a sair do sítio de emergência” para onde foram levadas, frisando que “seria inaceitável” que “fossem postas na rua uma semana depois” e instando a Câmara Municipal de Lisboa a “mobilizar recursos” para assegurar uma resposta.

Considerando que “as pessoas imigrantes em Portugal estão bem integradas”, o BE vira a agulha para a crise na habitação, um “problema grave” que afeta as pessoas migrantes e não migrantes”.

A solução, acredita, passa pelo reforço de “programas de renda acessível e investimento nos bairros municipais”, duas coisas em que Carlos Moedas “cortou”.

“No prédio onde aconteceu esta tragédia estão identificados alojamentos locais que não foram verificados pela Câmara Municipal de Lisboa”, assinalou o vereador, notando que o gabinete de fiscalização que faz parte do regulamento sobre o alojamento local “ainda não entrou em funcionamento” e “as poucas fiscalizações que houve não têm chegado”.

Acusando Carlos Moedas de não querer resolver “o problema de alojamento local ilegal por toda a cidade”, Ricardo Moreira apontou também o dedo ao Governo (PS), sublinhando que as “máfias e redes de tráfico” que exploram os migrantes “têm de ser combatidas” e recordando que o BE entregou uma queixa na Procuradoria-Geral da República há uma semana.

À porta do número 55 da Rua do Terreirinho está agora um ramo de flores e já não se vê o edital que apontava para a “insolvência” do prédio.

Hoje, uma funcionária de uma companhia de seguros acompanhava os proprietários de um dos apartamentos do 2.º andar para avaliar os danos. À Lusa, disse que as áreas comuns do prédio são as mais afetadas.

Num café da rua, Ahmed mostra as cicatrizes nas mãos, em resultado de ter tirado pessoas do prédio quando o fogo começou. Diz que os bombeiros "demoraram 25 minutos" a aparecer e que "toda a comunidade tentou ajudar, mas a porta é muito pesada, de aço".