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Faltam poucos dias para o Natal. Porém, no Mercado Temporário do Bolhão, alguns metros acima na mesma rua do histórico Mercado do Bolhão, no Porto, isso não se nota.
Aberto nas caves de um centro comercial, o Mercado Temporário do Bolhão acolheu os vendedores e vendedoras do antigo edifício na Baixa do Porto, fechado para obras pelo menos até 2020.
Para os comerciantes, o espaço temporário não é o Bolhão. E isso nota-se em tudo: dos pregões que não se ouvem, aos clientes que não aparecem.
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É o primeiro Natal na casa temporária e os comerciantes queixam-se da falta de compradores, mas também do excesso de regras. “Não nos deixam brincar”, diz a florista Rosa Maria. “Isto não é o Bolhão, parece um centro comercial autêntico”, desabafa, por trás de um monte de flores e plantas, muitas delas alusivas à quadra.
No lado do peixe, porém, Sara Araújo, que está no Bolhão há 35 anos, ainda tem esperança de que no fim de semana imediatamente antes do Natal, a coisa anime.
Também para Fátima Teixeira, que enquanto fala connosco consegue vender alguns sumos de fruta natural a três turistas asiáticos, apesar de a época estar “calma demais”, poderá ser que as pessoas ou estejam a poupar, ou ainda não tenham decidido ir comprar fruta.
Logo à entrada, o artesanato de Emília Araújo é guardado por um boneco de Pai Natal com décadas de vida. Apesar disso, os eventuais presentes continuam na banca.
Todas reconhecem que as obras no antigo mercado eram necessárias. Mas entre a esperança e a incerteza, vão apontando críticas à solução escolhida pela autarquia portuense: as caves do centro comercial La Vie, também na rua de Fernandes Tomás — a mesma do Bolhão.
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Pensar no Bolhão e não ouvir ao fundo os pregões das vendedoras é uma tarefa complicada. É por esses gritos, esses chamamentos, que o histórico mercado na Baixa do Porto era conhecido. Debaixo da terra, enfiado no seu -1, o Mercado Temporário do Bolhão, não tem tantos pregões, e os que tem, ressoam nos tetos baixos.
“A gente não pode pôr um rádio, não pode gritar. Eu se der um espirro eles vêm logo a correr, parece que está a cair a casa a baixo”, diz Rosa Maria, para quem a experiência na cave do La Vie está a ser difícil: “são sete meses mas já parecem sete anos”.
Estas seis mulheres queixam-se sobretudo da clausura, do estarem enterradas todo o dia num subterrâneo. No Bolhão, havia pássaros e havia sol. Aqui, há bandeirinhas penduradas e ar condicionado a soprar na cara.
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Se às vendedoras e vendedores o sol não chega, também aos turistas que enchem a rua, à superfície, não chegam os cheiros e os sons daquele mercado. As indicações são várias, mas, para Fátima Teixeira, podiam ser mais esclarecedoras.
Sara Araújo diz que apesar disso os clientes habituais mantiveram a fidelidade — faltam os outros. Porém, reconhece que a solução encontrada pelo executivo do independente Rui Moreira foi a melhor possível e agradece por isso.
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Agora, resta esperar pelo regresso ao velhinho prédio. As previsões atiram a reabertura para 2020, mas há quem não tenha tanta confiança. “Obras são obras”, diz Emília Augusto, que não se permite a grandes esperanças quanto aos prazos.
Rosa Maria teme que o Bolhão de cara lavada já não consiga ser o Bolhão que era. Sara Araújo, porém, discorda e acredita que vai ser tudo ainda melhor que o que já era.
Até lá, o Mercado Temporário do Bolhão continua a funcionar — não em modo castiço, mas numa versão “civilizada”. Sem gritos nem gaivotas; sem chuva nem sol. Metáfora ou não, a verdade é que no centro do Porto, o comércio tradicional está literalmente enterrado sob um centro comercial.
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