“Este ano será um ano de memórias, será um ano para recordar. E, acima de tudo, perceber que, embora nós não tenhamos o ‘bichinho’ a trabalhar aqui dentro para que realmente haja Carnaval, há a esperança de que no ano de 2022 voltemos aos palcos com a mesma alegria”, afirma, em declarações à Lusa, César Toste, participante habitual nas tradicionais danças de Carnaval da ilha.

Por esta altura, já o nervoso pré-estreia teria tomado conta das centenas de músicos e atores amadores que todos os anos correm mais da 30 salas de espetáculo pela ilha, atuando até de madrugada, de forma gratuita, para milhares de pessoas, entre o sábado e a terça-feira de Entrudo.

As danças e os bailinhos de Carnaval da Terceira, que integraram em 2020 o Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial de Portugal, são manifestações de teatro popular, intercaladas com música e coreografias, com textos, em rima, de comédia ou drama, na maioria dos casos com uma componente de crítica social.

Este ano, devido à pandemia de covid-19, o Governo Regional dos Açores determinou a proibição de festividades e a limitação da circulação na via pública nos dias de Carnaval, mas a suspensão das danças e bailinhos aconteceu de forma natural.

Os ensaios não arrancaram em dezembro, como habitualmente, as ideias para os enredos não chegaram ao papel, os ateliês de costura não se encheram de brilhos e lantejoulas, e as direções das sociedades nem pensaram em abrir portas.

“Os terceirenses assumiram por si que não ia haver Carnaval”, salienta César Toste, acrescentando que “a saúde está em primeiro lugar”.

Em cima dos palcos estão todos os anos mais de 1.500 pessoas, mas são muitas mais nas plateias dos 36 salões da ilha, quase sempre cheias até à porta, sem qualquer hipótese de distanciamento social.

Enfermeiro e autarca da vila das Lajes, onde está localizado o único museu sobre o Carnaval da ilha, César Toste diz que a população entendeu que não havia condições para realizar danças e bailinhos, este ano, mas admite que a pausa “terá um impacto muito grande na economia da ilha”, já privada de outras festividades.

“É difícil nós assumirmos valores, mas se pensarmos que todos os anos devemos ter em média 60 manifestações, desde danças de espada, danças de pandeiro, bailinhos e comédias, que temos 36 salões à volta da ilha, que geram aqui também uma fonte de receita ao nível do bar e de tudo o que é inerente à gastronomia do Carnaval, nesta altura, estamos a falar de um valor bastante razoável”, alerta.

Ainda que atuem de forma gratuita, os grupos têm gastos, mais ou menos significativos, consoante as escolhas, com textos, guarda-roupa, adereços, penteados, maquilhagem e transportes. São eles que dão a volta à ilha, enquanto o público aguarda nas salas.

Na loja Modelina Tecidos a quebra de receitas foi notória. Entre forros, entretelas e tecidos chegam a vender “seis mil metros” por ano, só no Carnaval.

“A nossa área é muito à base de Carnaval e festas e, não havendo, está tudo parado. É um impacto grande”, confessa Miriam Toste.

O negócio vai “sobrevivendo” com pequenas vendas de linhas e tecidos, mas a empresária admite que “não é fácil” superar a quebra de receitas provocada pelo cancelamento de festividades na ilha.

“Nunca nos tínhamos visto assim sem nada”, conta.

Em média, um bailinho de Carnaval mais simples pode gastar entre 800 a 900 euros em tecidos e adereços, mas num grupo mais elaborado esse valor pode rondar os 1.000 a 1.200 euros e numa dança de espada pode mesmo atingir os 2.000 a 3.000 euros.

O Carnaval é também a principal fonte de receitas das sociedades filarmónicas e casas do povo onde atuam as danças e bailinhos, apesar de não serem cobrados ingressos.

Geridas por voluntários, estas instituições têm cada vez mais dificuldades em eleger corpos dirigentes, e a suspensão das danças e bailinhos acentuou o fenómeno.

“Chegava-se ali a janeiro, não havia direção e o Carnaval era o grande impulso para aparecer uma direção, para abrir as portas para as danças. Não havendo Carnaval, não há impulso”, explica o presidente da direção da Sociedade Filarmónica Rainha Santa Isabel, na freguesia das Doze Ribeiras, Francisco Nunes.

Ainda que não tenha sentido esse problema na instituição que dirige, Francisco Nunes reconhece que os tempos “não são fáceis”, porque, além de não haver danças e bailinhos, as receitas do bar são cada vez mais diminutas, devido à pandemia.

Admite que este Carnaval será passado com “muita tristeza”, mas garante que não havia condições para abrir portas e duvida que alguém aderisse se o tivessem feito.

“Para ir de máscara na cara, com distanciamento social? O Carnaval não é isso, nem nada que se pareça. O Carnaval é festa, é folia e a gente de máscara na cara, sem ver o sorriso das pessoas, a alegria que ali vai, o divertimento que as pessoas têm no Carnaval? Não. Toda a gente tem de aceitar que não pode haver Carnaval”, frisa.

Resta, segundo Francisco Nunes, aguardar que a situação melhore e esperar que as vacinas contra a covid-19 cheguem a tempo do Carnaval de 2022.

“Passaram as Sanjoaninas, passaram as festas de verão, passou o Natal, a passagem de ano, mas o Carnaval é especial para grande parte da ilha. Se há alguma festa de que as pessoas gostam é o Carnaval. Também gostam de todas as outras, mas não é a mesma coisa. O Carnaval faz parte do nosso interior”, sublinha.

[*Carina Barcelos, da agência Lusa]