"Não houve da minha parte qualquer interferência pessoal ou política que visasse criar no processo assistencial em causa qualquer situação de favor ou vantagem no acesso à prestação de cuidados de saúde para marcação de consulta, e muito menos para a prescrição e administração de uma dada terapêutica específica", afirmou, alegando que as suspeitas sobre isso são "absolutamente infundadas".
António Lacerda Sales está a ser ouvido pela segunda vez na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mundo, em 2020.
O antigo governante confirmou que se reuniu com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, e que tomou conhecimento do caso nessa audiência.
O ex-secretário de Estado indicou também que recebeu "a maioria dos [cidadãos] que [lhe] solicitaram" uma reunião.
"Na altura deixei claro que este caso seria tratado como todos os casos que nos chegam formalmente ao gabinete, são sinalizados e encaminhados para as diferentes instituições", indicou.
António Lacerda Sales citou uma portaria de 2013, entretanto revogada, para defender que "ninguém pode tomar a decisão de marcar uma consulta de especialidade, além do médico ou da equipa médica designados pelo hospital".
"Ou seja, nem eu, nem outro secretário de Estado ou qualquer responsável político, nem a minha secretária, o meu chefe de gabinete ou qualquer pessoa que desempenhasse funções na secretaria de Estado, o podia fazer. E eu não o fiz", salientou, indicando que a prescrição do tratamento das crianças foi decidido "após a avaliação de um grupo de peritos, que atestam que as mesmas cumprem os requisitos para se submeterem ao tratamento, como se veio a verificar, e que é exatamente o mesmo procedimento para outras doenças e outros medicamentos".
Na sua intervenção inicial, o antigo secretário de Estado criticou a "mediatização excessiva e o oportunismo político que se têm desenvolvido em torno deste caso", considerando que "não contribuem para a busca de soluções ou para o prometido esclarecimento da verdade".
"Pelo contrário, apenas servem para desvirtuar os verdadeiros propósitos de uma comissão parlamentar de inquérito, que são apurar os factos de forma imparcial e promover um debate saudável e objetivo. Recuso-me a alimentar uma discussão que já ultrapassou largamente o âmbito do apuramento factual e que se transformou num espetáculo mediático", afirmou.
Lacerda Sales, um dos arguidos, disse que essa condição e o facto de o processo se encontrar sob segredo de justiça limitam o que poderá dizer à comissão.
Ao longo das várias audições anteriores, vários depoentes referirem a possível interferência do antigo secretário de Estado no pedido de marcação de consulta das crianças. Também a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e a auditoria do Hospital de Santa Maria concluíram que a lei não foi cumprida no que toca à referenciação das crianças para a consulta de neuropediatria.
“Desde o início deste processo assumi todas as responsabilidades que me cabiam e nunca fugi às minhas obrigações enquanto responsável político”, defendeu António Lacerda Sales, salientando que toda a sua atuação “foi pautada pela transparência e pelo respeito absoluto pelos procedimentos legais e éticos estabelecidos, respeitando sempre os limites das competências enquanto membro do Governo”.
Antes da audição, houve uma discussão devido a um requerimento apresentado pelo Chega para que a comissão tenha acesso a processos clínicos de outras crianças com a mesma doença, também tratadas no Hospital de Santa Maria.
PSD, PS, IL, BE e Livre advertiram que esse pedido pode ser ilegal, uma vez que estavam em causa dados pessoais e de saúde e consideraram que não se insere no objeto da comissão de inquérito e que também já foi travado outro pedido semelhante.
Os sociais-democratas apresentaram um requerimento para que o pedido do Chega fosse suspenso, com André Ventura a assinalar que a iniciativa tem caráter potestativo, ou seja, obrigatório, e a defender que o objetivo é “fazer o comparativo” com o caso das gémeas.
No final da discussão, ficou decidido que o assunto seria levado ao presidente da Assembleia da República, para dar o seu parecer, como sugeriram alguns partidos.
Lacerda Sales insiste no silêncio e mas alerta que “não é confissão”
O antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales voltou hoje a remeter-se ao silêncio na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras, alegando o estatuto de arguido, mas alertando que não significa uma confissão.
“O meu silêncio não é nenhuma confissão. O deputado, como jurista, sabe que, em Direito, o princípio de que 'quem cala consente' não existe. Não existe. Portanto, vai-me respeitar, com certeza, e vai respeitar a minha posição inicial”, disse o ex-governante, após ser interpelado pelo presidente do Chega, André Ventura.
O ex-secretário de Estado foi ouvido hoje, pela segunda vez, na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em 2020 no Hospital Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mundo.
Na audição, de cerca de uma hora, o antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde foi interpelado por vários deputados, tendo-se remetido ao silêncio na maioria das vezes. Exceção feita nas respostas ao Chega e ao PSD.
Na primeira audição, em 17 junho de 2024, Lacerda Sales também havia dito que não iria prestar quaisquer esclarecimentos sobre o caso, mas acabou por responder a algumas questões.
Hoje, o deputado do PSD António Rodrigues acusou o médico de não colaborar com a comissão de inquérito, e disse existirem “contradições sobre contradições” que queria ver esclarecidas.
“Nada mais direi além daquilo que aqui afirmei, só se fizer um desenho. Porque, de facto, não consigo perceber o que é que não percebeu nas minhas palavras”, respondeu Lacerda Sales.
O ex-secretário de Estado lembrou os deputados que no dia 06 de janeiro de 2025 enviou um email aos serviços da comissão parlamentar de inquérito, alegando que não existiria “qualquer vantagem” nesta nova audição”.
“(…) O mesmo [Lacerda Sales] irá remeter-se ao silêncio, perpetuando a posição já adotada anteriormente, respeitando assim o segredo de justiça que lhe é imposto, ou direito de não prestar declarações que lhe é conferido pelo estatuto do arguido, no âmbito do processo de inquérito que está a correr nos seus termos”, observou, citando o email.
O presidente da comissão de inquérito, Rui Paulo Sousa, confirmou a receção do respetivo email, mas disse que não invalidava a sua presença no parlamento, devido ao pedido potestativo do Chega.
“A comissão é soberana e decidiu requerer a sua presença aqui hoje. (…) Não adiantava nada entrarmos numa discussão se sim ou se não, porque tinha sido decidido que a sua presença seria requerida aqui hoje”, disse o deputado do Chega.
Ainda na audição, o deputado do CDS-PP João Almeida acusou o ex-secretário de Estado de se recusar “a responder a questões incómodas”.
“Não há aqui um direito genérico ao silêncio, há uma utilização oportunística, à qual tem direito de responder àquilo que lhe interessa”, acusou.
No final da última intervenção, o presidente da comissão de inquérito disse que não teria "qualquer lógica" haver uma segunda ronda.
Em declarações aos jornalistas no final da audição, o líder do Chega considerou que "ficou clara uma assunção de responsabilidade, pelo menos política, que é gritante e que é grave", por parte de Lacerda Sales.
"O que sai desta comissão é a ideia muito forte de um conluio que envolveu várias entidades, mas que envolveu também Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa", sustentou André Ventura, dizendo que "resta saber se neste conluio estava alguma autoridade acima de Lacerda Sales".
Lacerda Sales é um dos arguidos no processo, juntamente com Nuno Rebelo de Sousa (filho Presidente da República) e o ex-diretor clínico do Hospital Santa Maria Luís Pinheiro.
Numa resposta enviada à Lusa esta semana, a Procuradoria-Geral da República indicou que “o inquérito encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça”.
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