Nas respostas enviadas à comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), a que a Lusa teve acesso, quinta-feira, Sócrates diz que é “chegada a hora de responder às provocações e às mentiras que o antigo ministro, ao longo dos anos, foi espalhando em público sobre a sua passagem pelo governo”.
O ex-governante diz que a “verdadeira razão” da demissão do economista não teve que ver com a CGD ou com o plano de investimento público do Governo socialista mas com um “assunto mais prosaico”, a sua oposição à lei que impedia aos funcionários públicos reformados continuarem a trabalhar no Estado acumulando a totalidade do salário e da pensão (tinham de escolher receber um na totalidade e o outro só em parte) e que segundo Sócrates afetava o economista “por razões pessoais” porque “estava justamente nessa situação”.
“Esta foi a verdadeira razão para a sua saída, razão essa que é conhecida por todos aqueles que estavam no governo da altura”, diz Sócrates, que refere que, contudo, Campos e Cunha aprovou a lei em Conselho de Ministros.
“Foi a partir desse momento que o ministro me começou a escrever cartas pedindo para sair do governo, a que sempre respondi pacientemente apelando à responsabilidade que tinha assumido quando livremente aceitou integrar o Governo”, diz Sócrates, que diz ter visto “problemas de caráter” no posterior episódio do artigo do jornal que Campus e Cunha escreveu mostrando divergências com o plano de investimentos do Governo.
Sócrates diz que já se tinha apercebido antes dos “problemas de caráter” quando ainda era ministro indigitado mas fez declarações públicas defendendo o aumento do imposto IVA.
O ex-primeiro-ministro diz que depois de publicado esse artigo, em julho de 2005, convocou Campos e Cunha e lhe comunicou que tinha decidido exonerá-lo das suas funções e que lhe deu então a escolher o despacho de exoneração dizer que foi por sua decisão ou que se dava a pedido do ministro, tendo Campos e Cunha escolhido esta última.
“Respondeu-me que preferia a última. Perguntei-lhe então que razão deveria ser explicitada, ao que ele respondeu: cansaço. Assim foi. No final da audiência deixou uma carta que tinha previamente escrito. Nunca li essa carta. Melhor, só a li agora, desde que consta dos autos do processo Marquês”, afirma Sócrates.
Ainda nestas respostas, Sócrates diz ainda que não fez qualquer pressão sobre Campos e Cunha para demitir a administração da CGD e que foi o economista quem lhe manifestou a vontade de substituir a administração desde o início.
“Dei-lhe, como sempre dei a todos os ministros das Finanças, carta branca para fazer a mudança que pretendia e para me apresentar as escolhas que viesse a fazer. Nunca lhe sugeri nome nenhum - repito, nunca lhe sugeri nenhum nome”, refere Sócrates.
Segundo o ex-dirigente socialista, apesar disso Campos e Cunha “não fez absolutamente nada, deixando, durante um longo período, a administração da Caixa sem solução”.
“O episódio mais caricato aconteceu durante a Assembleia Geral em que o representante do Estado (indicado pessoalmente pelo ministro da Finanças e atuando diretamente em seu nome) se recusou a confirmar a confiança na administração ou, em alternativa, a demiti-la como a lei expressamente consagra”, diz Sócrates nas respostas aos deputados, e apresenta citação da ata da reunião.
Uns dias mais tarde, refere, as Finanças em nome do acionista Estado fizeram chegar à CGD uma apreciação a manter a confiança na administração da Caixa de modo a ainda ser incluída na ata, o que considera Sócrates “apenas contribuiu para expor, ainda mais, o erro inicialmente cometido”.
Segundo Sócrates, enquanto Campos e Cunha nada fazia na CGD, “a situação da direção da instituição bancária apodrecia e vários membros do governo, em várias ocasiões, chamaram a atenção - como fazia toda a imprensa - para a necessidade de dar solução ao assunto da Administração da Caixa e para que se tomasse uma decisão, qualquer que ela fosse”.
José Sócrates aproveita estes episódios relacionados com Campos e Cunha para considerar que “existe um escol na política portuguesa formado por aqueles que, tendo encontrado nas vitórias do PS o espaço de afirmação social que há muito ambicionavam, viriam a demonstrar mais tarde uma completa impreparação para o exercício de lugares executivos”.
Contudo, refere, “incapazes de conviver com o fracasso decidem então passar o resto da vida aproveitando todas as oportunidades para demonizar a ação dos governos e dos dirigentes do PS”, no que - diz - contam com a “direita política”.
Luís Campos e Cunha foi ministro das Finanças, em 2005, por quatro meses, no primeiro governo de José Sócrates. Meses marcados por controvérsia, desde logo quando em 05 de Março, um dia após a sua indicação como ministro das Finanças e uma semana antes da posse, admitiu a possibilidade de uma subida dos impostos, que levou a uma ordem de silêncio do governo até à aprovação do programa.
A 3 de Junho, o semanário O Independente noticia que Campos e Cunha acumulava o salário como ministro e a reforma como vice-governador do Banco Portugal. Dias antes, o primeiro-ministro tinha defendido, na apresentação das medidas de combate ao défice, a moralização da vida pública, começando pelos titulares de cargos políticos.
A 17 de Julho, Campos e Cunha escreve um artigo de opinião no Público, onde avisa que poderão ser necessárias medidas de contenção e apela a um investimento público criterioso. Face a estas declarações, o Governo mantém silêncio.
Três dias depois o primeiro-ministro propõe a exoneração de Campos e Cunha do cargo de Ministro de Estado e das Finanças.
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