“Esta é uma matéria sobre a qual aparentemente há enorme consenso, mas é uma matéria que se arrisca a passar despercebida, porque é uma matéria de médio prazo. Vimos pedir-vos que ponderem esta mudança necessária de estatutos da FCT, que tem muitos modelos possíveis”, disse Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, subscritor do manifesto e um dos seus cinco representantes hoje ouvidos na comissão parlamentar de Educação e Ciência, a pedido do Bloco de Esquerda.

O manifesto, que tem entre os seus subscritores o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, que o assinou na qualidade de investigador do Instituto Superior Técnico (IST), centra-se em algumas questões que os cientistas consideram fulcrais para melhorar as condições em que se desenvolve ciência em Portugal, entre as quais a previsibilidade do financiamento, a calendarização plurianual de concursos ou a simplificação administrativa e desburocratização de processos, a que chamam “simplex da ciência”.

Recusando confundir autonomia com independência, dizendo que não se defende “uma pequena república de cientistas a decidir como é que se gastam os dinheiros públicos”, Pedro Magalhães sublinhou, no entanto, que é necessário outro modelo e orientação estratégica para a FCT.

“Aquilo que nós temos – algo que se chama fundação, mas que na verdade é um instituto público e funciona como uma direção-geral - não é uma solução ideal. É uma solução que nos desalinha dos melhores exemplos congéneres das sociedades e sistemas científicos que queremos imitar”, disse.

Lembrando que a questão do modelo de funcionamento da FCT não surgiu com este manifesto – uma auditoria externa e o recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) apontam já para o caminho da autonomia –, o investigador defendeu que esta é uma questão de base até para resolver os outros problemas mais imediatos, como sejam as limitações impostas pelo Código de Contratação Pública (CCP), que dificulta, por exemplo, a compra imediata de materiais necessários à investigação, ou definir um orçamento plurianual.

“Não é possível passarmos para orçamentos plurianuais que garantem previsibilidade a todos os agentes sem autonomia financeira e hoje em dia a FCT encontra-se espartilhada por regras de contabilidade pública que se tornam ainda mais complexas quando juntamos as regras europeias e que geram o tipo de burocratização que foi descrito”, disse.

Sobre a previsibilidade do financiamento, a investigadora Maria Mota, diretora do Instituto de Medicina Molecular, recusou que uma previsibilidade plurianual de orçamentos não seja possível na ciência, como defende o ministro, desde logo pela previsibilidade e constância do Orçamento do Estado para a Ciência, e pelo peso dos fundos comunitários no financiamento, que são orçamentados em quadros plurianuais, como também referiu o deputado do Bloco de Esquerda Luís Monteiro.

Mas o peso que os fundos estruturais europeus ainda têm no financiamento da ciência é algo que Maria Mota considera “extremamente perigoso”, porque “isso um dia vai acabar” e já devia ter merecido reflexão.

“Nós ouvimos do ministro que não é possível resolver o problema da previsibilidade e, portanto, nós gostávamos que isso fosse possível e gostamos de ajudar a resolver esse problema. A questão agora é por a bola do vosso lado e perguntar como é que em conjunto podemos fazer isso”, disse por seu lado Mónica Bettencourt-Dias, do Instituto Gulbenkian de Ciência.

Sobre a burocracia, Carlos Salema, investigador do IST, deu como exemplo a necessidade de preencher uma folha para cada despesa realizada e documentos de dezenas de páginas que “não servem para nada”.

“Se criássemos uma FCT realmente independente grande parte destes problemas se resolviam”, disse Maria Mota, a concluir a audição, depois de, à semelhança de Mónica Bettencourt-Dias, ter apelado aos deputados para que estejam presentes numa conferência que vai decorrer a 30 de outubro, dedicada a discutir o futuro da ciência em Portugal.

Mais de dois mil cientistas, incluindo o ministro Manuel Heitor, pedem, no Manifesto Ciência Portugal 2018, "financiamento consistente e transparente", menos burocracia e contratação "regular e coordenada" de investigadores baseada no mérito.

O manifesto partiu de mais de 30 proponentes, como os investigadores Elvira Fortunato, Maria Mota, Mónica Bettencourt-Dias, Marta Moita, Arlindo Oliveira e Helder Maiato, que solicitam ao Governo e ao parlamento que "reconheçam urgentemente a necessidade de traçar um rumo de médio e longo prazo para a ciência em Portugal".