“Já era para ter sido mais cedo”, mas, devido à falta de mão-de-obra, só foi permitido começar agora, afirmou António Boal, da empresa Costa Boal, que, na região do Douro, começou a vindima na zona de Cabeda, no concelho de Alijó, pelo corte das castas de uvas brancas.
A falta de trabalhadores é apontada como uma dificuldade para este produtor que tem vinhas nas regiões do Douro, Trás-os-Montes e Alentejo.
Inclusive, salientou, em Estremoz (Évora), o corte das uvas já deveria ter começado há mais de uma semana e só arrancou na quinta-feira.
Os controlos de maturação que se fazem regularmente nas vinhas determinam a altura ideal para o corte a nível de acidez e de grau da uva, e, segundo explicou, a logística torna-se complicada devido a um problema que se agrava de ano para ano.
O produtor referiu que seriam necessárias entre 20 a 25 pessoas diárias para a vindima “correr normalmente” e, no primeiro dia, o empreiteiro agrícola apareceu com sete, aos quais se juntaram aos cinco trabalhadores que já trabalham na propriedade.
“Hoje nós queremos pessoas para trabalhar e não temos. Há mais procura do que oferta”, referiu.
De forma generalizada, as causas apontadas para este problema estão relacionadas com o envelhecimento da população, o despovoamento, mas também com os subsídios que alegadamente afastam os beneficiários do trabalho.
No terreno, tem-se optado por vindimar por castas e, para este ano, António Boal perspetiva uma colheita “12 a 15%” acima de 2022, o que, só na região no Douro, se poderá traduzir numa produção de cerca de “90 a 95 toneladas” de uvas.
Ao contrário do ano passado, de seca intensa, as chuvas de maio e junho vieram “favorecer muito a qualidade do produto final”, esperando o produtor um “ano fantástico tanto de qualidade como de quantidade”.
“A qualidade da uva neste momento está acima da média”, frisou António Boal, que aposta na produção de vinhos de gama média-alta e que acredita que este poderá vir a ser “um ano vintage”.
Mais ao lado, no planalto de Favaios, Mário Monteiro também arrancou esta semana com a vindima das uvas brancas, mais cedo que no ano anterior, recorrendo apenas aos oito trabalhadores diários que chegam das localidades mais próximas. Na próxima semana, o também presidente da Adega de Favaios espera um reforço da equipa, através de um empreiteiro agrícola.
“Por um lado há cada vez mais vinha, por outro há cada vez menos pessoas a trabalhar. Muitas delas já estão reformadas e não querem trabalhar mais, a juventude vai embora, alguns jovens estudantes estarão agora a trabalhar, mas chegando ao princípio de setembro vão embora para as aulas e, então, vai-se notar ainda mais”, retratou o viticultor, que realçou que as “coisas são todos os anos cada vez mais difíceis”.
Lembrou ainda que agosto é o mês das festas populares e das férias.
A par com a escassez de mão-de-obra, Mário Monteiro apontou para outra “grande dificuldade” no Douro, designadamente o “elevado preço dos produtos utilizados na vinha”.
“Está tudo muito mais caro e, em termos de gastos, este foi um ano pior do que o ano passado. Tivemos que deitar mais voltas de sulfate”, frisou.
Com 18 hectares de vinha, este produtor prevê uma “produção maior” nesta vindima e de “boa qualidade”.
Filipe Carvalho, também viticultor em Favaios, disse que a “mão-de-obra cada vez escasseia mais” nesta região e que começou a fazer a sua vindima com trabalhadores que “fazem uma hora e meia a duas horas de viagem por dia”.
O produtor recorre a um empreiteiro agrícola. “As casas com que ele trabalha durante o ano ainda não iniciaram a vindima, portanto sobra pessoal neste momento, mas se calhar daqui a uma semana já é mais complicado”, referiu.
Porque este é um problema que se intensifica de ano para ano, os viticultores do planalto dizem que, no futuro, se terá que avançar para a vindima mecânica. “E aqui em cima temos condições para fazer essa evolução”, defendeu Filipe Carvalho.
Vindimas ainda se fazem ao som dos cânticos tradicionais no planalto de Alijó
No planalto de Favaios, em Alijó, ainda se ouvem os cânticos que animam as festas das vindimas, uma tradição antiga que “ajuda” a aguentar o trabalho árduo, mas que vai caindo em desuso.
“Fui ao Douro às vindimas, não achei que vindimar. Fui ao Douro às vindimas, não achei que vindimar. Vindimaram-me as costelas, foi o que lá fui ganhar”, canta alto Maria Helena, 65 anos, escondida entre a folhagem das videiras, sempre com a tesoura da mão e a cortar os cachos de uvas.
Ao lado, Miguel Braga, 37 anos, bate palmas e incentiva o cântico, enquanto os restantes vindimadores vão acompanhamento com a voz um pouco mais tímida.
O corte das uvas está a começar mais cedo este ano em algumas localidades da Região Demarcada do Douro. Devido à dificuldade de arranjar mão-de-obra, Mário Monteiro começou a vindima com os trabalhadores diários que vêm de Favaios, Sanfins do Douro e Alijó.
São apenas oito e o produtor prevê que, a partir de segunda-feira, o trabalho seja reforçado com “uma roga” proveniente de Resende, ou seja, um grupo de trabalhadores afetos a um empreiteiro agrícola.
Até lá, a “festa” vai-se fazendo com a “prata da casa”. Nesta vinha vão-se ouvindo cânticos tradicionais, mas este é também um costume que parece estar a cair em desuso.
“Para nós é uma brincadeira o trabalho no campo. É quente? Sim, faz muito calor, mas é a nossa vida. Agora vindimamos e durante o resto do ano granjeamos”, afirmou Maria Helena.
E este ano, acrescentou, ainda se vindima “com mais gosto” porque “há boas uvas”.
“Granjeamo-las todo o ano e também gostamos de ver muitas”, frisou.
As previsões apontam para um ano de boa colheita no Douro, quer em quantidade, quer em qualidade.
Até ao fim da vindima, a rotina repetir-se-á todos os dias. O trabalho faz-se entre as 07:00 e as 16:00 sem “domingos ou feriados”.
Maria Helena adiantou que, após o trabalho para o patrão, ainda vai trabalhar para os seus terrenos. “Tenho a minha vindima e vou para ela”, referiu.
Em Favaios, o corte começou mais cedo e logo após as festas de Alijó e de Sanfins do Douro. “Estava a ver que não passávamos a festa este ano”, referiu Miguel Braga, residente nesta localidade.
O trabalho é duro e faz-se debaixo de um sol escaldante. “Mas é o trabalho que é o mais desejado”, salientou o trabalhador, que garantiu gostar muito de vindimar.
São, explicou, “momentos de alegria” e de “reencontros”. “Vêm pessoas que não estão connosco todo o ano. É um convívio e é diferente de todo o resto do ano. A vindima é diferente”, frisou.
E acrescentou que, com a dona Maria Helena e com os outros colegas, a vindima “é muito mais alegre”. “Estamos à espera de mais pessoal, porque estamos a iniciar só com o pessoal da casa e, na segunda-feira, já deve vir a equipa que costuma vir todos os anos para ao pé de nós”, referiu Miguel Braga.
Ana Meireles, 60 anos, é de Sanfins do Douro e considerou que o trabalho nas vindimas “é mais maçador” porque obriga a “andar sempre na mesma posição”.
“É um trabalho duro, mas é o nosso trabalho”, frisou, salientando que ver as uvas bonitas e saudáveis é também uma recompensa pelo ano inteiro de trabalho na vinha.
Viticultores queixam-se de ano de dificuldades em Carlão em Alijó
Viticultores da freguesia de Carlão, no concelho de Alijó, falam num ano dificuldades depois da queda de granizo, doenças na vinha e cortes no benefício, e queixam-se do apoio insuficiente anunciado pelo Governo.
“Este ano a produção já é má, mas pode ficar afetada também para o ano”, afirmou António Elavai, agricultor de 69 anos da aldeia de Carlão, que foi afetado pela queda de granizo no final de maio.
Nesta aldeia ainda não se vindima, mas, por esta altura, dão-se início aos preparativos e combina-se a entreajuda entre familiares e vizinhos para o corte das uvas.
Num ano que se prevê de boa colheita de forma generalizada na Região Demarcada do Douro, em quantidade e qualidade, há localidades, no entanto, onde o mau tempo afetou as vinhas e a produção de uva.
O presidente da União de Freguesias de Carlão e Amieiro, António Oliveira, salientou que o granizo afetou a vinha e olival desta freguesia onde a principal fonte de rendimento das famílias é a agricultura.
“Tenho uma vinha onde não voltei mais. Aí a perda foi total e nem vou lá vindimar”, referiu António Elavai que contou que, antes do granizo, previa “um bom ano”.
Apesar da seca que se sentiu em 2022, o agricultor colheu 62 pipas de vinho (550 litros cada) nos seus 7,5 hectares e, este ano, antecipa que “não cheguem às 15”. “Tive tanto azar que só não me apanhou uma vinha”, referiu.
Mas “o azar” deste ano não se ficou pelo granizo. Após o mau tempo, foi necessário proceder a um tratamento à base de cálcio para cicatrizar a videira e, por causa disso, foi possível “recuperar algumas uvas” e, depois, foi também preciso fazer vários outros tratamentos contra doenças, como o míldio.
Este é também um ano de diminuição do benefício, ou seja, da quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto, e que, no seu caso, se traduz num corte de “duas pipas”.
A Região Demarcada do Douro vai transformar um total de 104 mil pipas de mosto em vinho do Porto nesta vindima, menos 12 mil do que no ano anterior,
“Deitei seis mãos de sulfate”, contabilizou António Elavai, referindo que gastou cerca “de dois mil euros em produtos” pelo que disse que o apoio anunciado pelo Governo para os agricultores afetados pelas intempéries é insuficiente.
Em meados de julho, o Governo anunciou a criação de um apoio financeiro extraordinário até ao máximo de 55 euros por hectare para minimizar os estragos nas explorações agrícolas provocados pelas intempéries ocorridas em maio e junho, no Norte e Centro”.
O ministério explicou que o apoio destina-se a compensar as despesas com a aquisição de produtos para os necessários tratamentos fitossanitários e de fertilização foliar, mas até ao momento a ajuda ainda não chegou aos agricultores de Carlão.
“Isso não dá para gasóleo que a gente gasta para ir a Alijó para receber. Dizem que dão por hectare 55 euros, isso é alguma coisa?”, afirmou Manuel Oliveira, de 60 anos, que garantiu ter feito sete tratamentos na sua vinha de “1,5 hectares”.
Só nos produtos gastou 167 euros. “A câmara disse que ajudava e até hoje ainda nada”, sublinhou.
Este produtor perspetiva que, em consequência do granizo, tenha uma quebra na produção de "cerca de 35%”.
Manuel Oliveira mostrou-se triste por todo um ano de trabalho que chega ao fim “sem resultado” e referiu ainda que se não fosse o benefício “não valia a pena”.
“Mais valia estar uma pessoa a dormir, porque só o vinho de consumo não dá para as despesas. Este ano ia tudo para os tratamentos”, frisou o agricultor.
O “preço elevado” é um entrave para estes agricultores fazerem um seguro. “Eles (seguradoras) levam o couro e o cabelo”, referiu Manuel Oliveira.
*Reportagem por Paula Lima da agência Lusa
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