No final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China, surgia a doença que está agora nas bocas do mundo. Até ao momento, a pandemia de covid-19 já matou mais de 240 mil pessoas e infetou mais de três milhões.

O novo coronavírus, SARS-CoV-2, responsável pela pandemia da covid-19, terá surgido num mercado de animais vivos na China. Contudo, não existem ainda certezas sobre a sua origem exata e têm sido levantados rumores de que possa ter sido criado em laboratório.

A par, Pequim é acusada de esconder informação sobre a gravidade do vírus.

Até ao momento, países como os Estados Unidos, a Austrália ou a Suécia já exigiram a Pequim mais informação sobre a origem do surto — o que começa a causar desconforto e a deteriorar relações diplomáticas que já não viviam os melhores dias.

Estados Unidos: a mentira dos números 

Os Estados Unidos acusam a China de ter falseado os dados sobre a gravidade do novo coronavírus: os serviços de inteligência norte-americanos estimam que o número de mortes e casos de infeção divulgados por Pequim sejam falsos, intencionalmente abaixo face à realidade da pandemia naquele país.

A administração de Donald Trump, nomeadamente pelo secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, criticou duramente a China nas últimas semanas, dizendo que houve falta transparência de Pequim sobre os contornos da pandemia, que agora se propaga pelo mundo.

A coordenadora da unidade de crise criada pela Casa Branca para combater a pandemia corroborou também a tese de que os números fornecidos pela China sobre a pandemia pecavam por defeito. "A comunidade médica interpretou os números chineses como sendo graves, mas não tão graves como deveriam ter sido porque não tinha uma quantidade significativa de dados [de Pequim]", comentou Deborah Birx.

Até à divulgação deste relatório, a administração Trump não tinha acusado Pequim de forma tão clara de ter falseado o balanço e os efeitos da pandemia — e entretanto a retórica subiu de tom.

Em entrevista recente à rede televisiva norte-americana Fox, Mike Pompeo afirmou que o Governo chinês "sabia do vírus antes de decidir informar o público".

Apesar de a Organização Mundial da Saúde ter designado o novo coronavírus de SARS-CoV-2, tanto o secretário de Estado norte-americano como Trump passaram a referir-se ao "vírus de Wuhan" ou "vírus chinês".

Numa reunião com empresários de hotéis, o Presidente fez questão de sublinhar a origem do vírus, perguntando ao responsável da cadeia Marriott, Arne Sorenson, onde é que sentiu o impacto pela primeira vez.

"Tudo isto começou na China, certo? Foi lá que viu o problema e sofreu as consequências inicialmente", questionou Trump, ao que Sorenson respondeu: "Absolutamente". "Espero que todos vocês tenham ouvido isso", disse Trump aos jornalistas presentes.

Mas há ainda outra questão a considerar: é que as relações entre a China e os EUA já eram tensas antes desta situação, uma vez que os dois países travam já uma guerra comercial e tecnológica.

O facto é que Washington definiu a China como a sua "principal ameaça", apostando nos últimos anos numa estratégia de contenção das ambições chinesas que ameaça bipolarizar o cenário internacional.

A guerra comercial entre as duas maiores economias mundiais levou Washington a aumentar as taxas alfandegárias sobre 250 mil milhões de dólares de bens chineses, para conter as ambições tecnológicas e geopolíticas de Pequim.

A marinha norte-americana reforçou ainda as patrulhas no Mar do Sul da China, reclamado quase na totalidade por Pequim, apesar dos protestos dos países vizinhos, ao mesmo tempo que tem intensificado os laços com Taiwan contra a vontade da China, que considera a ilha parte do seu território.

Depois da guerra comercial lançada por Trump ou da campanha de Pompeo contra o grupo chinês de telecomunicações Huawei e a condenação da repressão contra minorias étnicas religiosas de origem muçulmana no oeste do país, a China recorre agora a teorias de conspiração para responder às acusações dos EUA relativamente à sua responsabilidade na propagação do novo coronavírus.

"As forças armadas dos Estados Unidos podem ter levado a epidemia para Wuhan", chegou a defender o porta-voz da diplomacia chinesa Zhao Lijian, através da rede social Twitter, bloqueada na China. "Os Estados Unidos devem-nos uma explicação", frisou.

Para apoiar as suas suspeitas, Zhao citou dois artigos da Global Research, um portal conhecido pelas teorias da conspiração.

"A China difundiu informações falsas de que os nossos militares levaram para lá o vírus", reagiu Trump. "Isso é falso e, em vez de entrar em discussões, eu vou passar a chamar o vírus pelo local de origem. Veio da China. Acho que é um termo muito preciso. E não, eu não gostei de ver a China a culpar os nossos militares", acrescentou.

Logo após os comentários de Trump, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês anunciou a expulsão dos jornalistas norte-americanos do New York Times, do Wall Street Journal e do Washington Post. A China disse que a medida constitui uma retaliação à designação pelo Governo de Trump de cinco órgãos de comunicação chineses como missões estrangeiras, o que acarretou restrições no número de funcionários chineses dessas organizações nos EUA.

"A China é obrigada a responder à opressão irracional sobre os órgãos de imprensa chineses nos EUA", justificou o Ministério.

Pompeo lamentou a decisão da China de "reduzir ainda mais a capacidade do mundo de obter informação livre que, francamente, seria muito boa para o povo chinês nestes tempos incrivelmente desafiadores". "Mais informação e mais transparência servem agora para salvar vidas. Espero que eles reconsiderem", apontou.

Austrália: as dúvidas sobre a origem do coronavírus

A Austrália, por sua vez, prometeu que vai continuar a exigir uma investigação sobre a origem do novo coronavírus.

No final do mês de abril, o governo australiano pediu uma investigação "transparente" sobre a origem do novo coronavírus, que foi inicialmente detetado na cidade chinesa de Wuhan. A proposta, que inclui o aprofundamento na gestão e troca de informações sobre a doença, foi condenada por Pequim, que considerou existirem motivações políticas.

"A Austrália continuará a adotar esse curso de ação extremamente razoável e sensato. Este vírus já matou mais de 200.000 pessoas em todo o mundo e paralisou a economia global. As implicações e os impactos são extraordinários", apontou o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison.

A Austrália, forte aliada de Washington, propôs a investigação logo após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçar a China com "consequências", caso seja provado que o país é "deliberadamente responsável" por causar a pandemia de Covid-19.

O embaixador chinês em Camberra, Cheng Jingye, sugeriu então um possível boicote chinês sobre produtos australianos como carne e vinho, e outros serviços do país oceânico.

Em entrevista publicada no jornal Australian Financial Review, Cheng alertou que, se a tensão aumentar, "os turistas podem ter dúvidas. Talvez os pais dos alunos também tenham dúvidas sobre se este lugar não é tão acolhedor e agradável, mas antes hostil".

O chefe do Tesouro australiano, Josh Frydenberg, respondeu igualmente, garantindo à rede local Sky News que o seu país “não se curvará perante a extorsão, e vai continuar a defender o interesse nacional australiano e a não negociar a saúde para obter resultados económicos".

A China é o principal parceiro comercial da Austrália. No entanto, as relações entre os dois países deterioraram-se devido a questões como a militarização do Mar do Sul da China por Pequim ou a aprovação na Austrália de leis contra interferência estrangeira, depois de terem sido descobertos casos de doações chinesas a políticos e ciberataques a agências estatais e universidades australianas, atribuídas à China.

Suécia: Depois do caso Gui Minhai, o vírus

A Suécia admitiu também pedir à União Europeia que investigue a origem da pandemia do novo coronavírus, numa decisão que pode deteriorar ainda mais as relações entre Estocolmo e Pequim.

"Quando a crise global da Covid-19 estiver controlada, é razoável e importante que seja realizada uma investigação internacional independente para que se apure a origem e a disseminação do coronavírus", disse a ministra da Saúde da Suécia, Lena Hallengren, em resposta ao parlamento sueco.

A ministra da saúde sueca considerou ainda ser "importante que a forma como toda a comunidade internacional lidou com a pandemia de Covid-19, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS), seja investigada". "A Suécia tem o prazer de levantar esta questão no âmbito da cooperação dentro da UE", apontou.

E não é a primeira vez que a OMS está na berlinda. A ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia, Ann Linde, sugeriu que qualquer investigação à OMS deveria ocorrer após o término da pandemia, isto depois de Donald Trump ter anunciado que vai suspender a contribuição do país à instituição, justificando a decisão com a "má gestão" da pandemia de covid-19.

"Achamos que a OMS está a fazer um trabalho importante neste momento e, portanto, julgamos não ser altura de prestar contas, mas antes de os deixar fazer o seu trabalho", defendeu Linde. A ministra ressalvou, porém, que esta posição não significa que Estocolmo está "feliz" com o trabalho da organização.

A Suécia foi o primeiro país ocidental a estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China, em 1950, mas as relações entre os dois países foram abaladas, nos últimos anos, pelo caso de Gui Minhai, um editor e livreiro sueco de origem chinesa, de 54 anos, que vendia obras críticas do regime chinês em Hong Kong.

Gui desapareceu durante umas férias na Tailândia e apareceu detido na China mais tarde. Em fevereiro passado foi condenado a 10 anos de prisão por um tribunal chinês por "prestar serviços ilegais de inteligência a países estrangeiros".

Em novembro passado, os dois países voltaram a envolver-se numa disputa diplomática, depois de a ministra da Cultura da Suécia, Amanda Lind, ter participado numa homenagem ao livreiro, apesar de o embaixador chinês em Estocolmo ter avisado que a participação de qualquer representante do Governo no ato implicaria uma proibição da sua entrada na China.

Já na semana passada, a Suécia ordenou o encerramento do último Instituto Confúcio no país. O organismo patrocinado por Pequim para assegurar o ensino da língua e cultura chinesa, e presente em universidades em todo o mundo, é visto como parte da propaganda e atividade de influência do regime chinês.

Apesar das acusações, China recusa investigação sobre origem do coronavírus

Apesar das acusações, o Governo chinês recusa aceitar uma investigação sobre a origem do novo coronavírus, apontando que esta seria "politizada" e "presumiria a culpa" do país, numa altura em que vários líderes mundiais pedem mais transparência a Pequim.

Em entrevista à cadeia televisiva norte-americana NBC, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da China Le Yucheng afirmou que Pequim apoia o intercâmbio entre cientistas, mas que se opõe a que o país se sente no banco dos réus, "sem qualquer evidência e com presunção de culpa".

O diplomata indicou que não há "base" para a realização de uma investigação internacional e que "isso apenas contribuiria para estigmatizar a China".

Le Yucheng acusou "alguns políticos" de "politizarem a pandemia" e afirmou que estes deviam "lutar juntos", em vez de fazerem acusações.

Este argumentou ainda que as medidas adotadas pela China para controlar o surto foram "abertas, transparentes e responsáveis" e que o país "não ocultou ou atrasou nenhuma informação".

"Os números publicados são verdadeiros", disse.

De referir, porém, que o país já foi obrigado a rever em alta os seus números, acrescentando mais 1290 casos aos óbitos contabilizados em Wuhan, uma vez que não estavam a ser consideradas mortes fora de ambiente hospitalar.

Le Yucheng defendeu que se deve "confiar nos especialistas que garantiram que o coronavírus é natural" e, citando o diretor do Instituto de Virologia de Wuhan, garantiu que é "impossível" que o vírus tenha origem no laboratório, como sugeriram alguns políticos norte-americanos.

A par, lembrou que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), "até à data a origem da SARS-CoV-2 é desconhecida", mas que "todos os dados disponíveis sugerem que é de origem animal" e, portanto, não se trata de um vírus criado em laboratório.

A conclusão foi aliás reiterada pela própria OMS este fim de semana. “Quanto à origem do vírus em Wuhan, ouvimos muitos cientistas que o estudaram e temos a certeza de que é de origem natural”, afirmou o diretor dos programas de emergência da OMS, Michael Ryan, numa videoconferência de imprensa, acrescentando: “O importante é que determinemos o hospedeiro natural deste vírus”.

"A China não causou a pandemia, é um desastre natural com que nós sofremos também. Somos uma vítima do vírus, não cúmplices. Além disso, a China contribuiu para combater a pandemia. Culpar a China ou pedir uma indemnização à China é uma farsa", defendeu Le Yucheng.

O diplomata lembrou que a China informou a OMS sobre o vírus em 03 de janeiro e que, no dia 12 do mesmo mês, anunciou a sequência do seu genoma, "fornecendo informações importantes para diagnóstico e tratamento e para o desenvolvimento de uma vacina".

Após uma lenta reação inicial e de ter até silenciado médicos que alertavam para os perigos de uma nova doença contagiosa, o Governo chinês tomou medidas drásticas, incluindo colocar a província de Hubei, da qual Wuhan é capital, sob quarentena, e a paralisia económica do país.

Novo coronavírus SARS-CoV-2

A Covid-19, causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, é uma infeção respiratória aguda que pode desencadear uma pneumonia.

A maioria das pessoas infetadas apresentam sintomas de infeção respiratória aguda ligeiros a moderados, sendo eles febre (com temperaturas superiores a 37,5ºC), tosse e dificuldade respiratória (falta de ar).

Em casos mais graves pode causar pneumonia grave com insuficiência respiratória aguda, falência renal e de outros órgãos, e eventual morte. Contudo, a maioria dos casos recupera sem sequelas. A doença pode durar até cinco semanas.

Considera-se atualmente uma pessoa curada quando apresentar dois testes diagnósticos consecutivos negativos. Os testes são realizados com intervalos de 2 a 4 dias, até haver resultados negativos. A duração depende de cada doente, do seu sistema imunitário e de haver ou não doenças crónicas associadas, que alteram o nível de risco.

A covid-19 transmite-se por contacto próximo com pessoas infetadas pelo vírus, ou superfícies e objetos contaminados.

Quando tossimos ou espirramos libertamos gotículas pelo nariz ou boca que podem atingir diretamente a boca, nariz e olhos de quem estiver próximo. Estas gotículas podem depositar-se nos objetos ou superfícies que rodeiam a pessoa infetada. Por sua vez, outras pessoas podem infetar-se ao tocar nestes objetos ou superfícies e depois tocar nos olhos, nariz ou boca com as mãos.

Estima-se que o período de incubação da doença (tempo decorrido desde a exposição ao vírus até ao aparecimento de sintomas) seja entre 2 e 14 dias. A transmissão por pessoas assintomáticas (sem sintomas) ainda está a ser investigada.

Vários laboratórios no mundo procuram atualmente uma vacina ou tratamento para a covid-19, sendo que atualmente o tratamento para a infeção é dirigido aos sinais e sintomas que os doentes apresentam.