Uma concentração recorde de CO2, calor extremo e recuo dos glaciares são alguns dos sinais de alerta. Os últimos indicadores sobre alterações no clima evidenciam que a ação é urgente.
No passado dia 29 de novembro, a ONU alertou que os países estão cada vez mais longe do objetivo de travar o aquecimento global, acrescentando que para conter a subida da temperatura global abaixo dos 2ºC, as nações terão de triplicar, até 2030, as promessas firmadas no Acordo de Paris, celebrado em 2015.
A organização da COP24 — cimeira do clima das Nações Unidas que arranca este domingo, 2 de dezembro em Katowice— diz que o principal objetivo da presidência polaca é adotar uma decisão que garanta a plena implementação do Acordo de Paris sobre o clima, as chamadas Regras de Katowice.
No arranque de mais um encontro do clima estes são os avanços, as preocupações e os sintomas.
OS AVANÇOS
O auge das energias renováveis
Em 2017, foi instalada uma capacidade recorde de 178 gigawatts (GW), sobretudo de energia solar e eólica. Mas este ritmo é insuficiente para dar conta do aumento do consumo mundial, segundo especialistas da rede REN21.
As energias ecológicas - com exceção da biomassa tradicional - ainda ocupam um lugar modesto nos transportes e na produção de calor, setores que consomem grandes quantidades de energias fósseis.
Pôr um preço no carbono
Quarenta e seis países e 26 províncias aplicam atualmente uma tarifa sobre o carbono, seja mediante uma taxa ou um intercâmbio de quotas. Esta prática gerou em 2017 receitas no valor 32 mil milhões de dólares contra 22 mil milhões em 2016, segundo o 'think tank' I4CE. Estas iniciativas cobrem cerca de 15% das emissões mundiais.
Mas ainda estamos muito longe dos 30 euros por tonelada de CO2, considerado o nível mínimo para se ter um impacto dissuasivo e gerar benefícios para o clima, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Pressão sobre as empresas
Cada vez mais investidores (bancos, seguros, fundos...) exigem das empresas uma estratégia de adaptação ao aquecimento global e recusam-se a financiar projetos nocivos para o clima. Um grupo de investidores elaborou, inclusive, uma lista de empresas para acompanhá-las de perto, especialmente no setor energético, de transportes, siderurgia e minas (iniciativa da Climate Action 100+).
Cerco ao carro tradicional
O governo espanhol anunciou a intenção de proibir a venda de carros a diesel e gasolina em 2040, uma meta similar à de França e da Holanda. Tóquio, Seul e Roterdão somaram-se a Paris, Londres, Barcelona e México no seu compromisso para que 100% da sua frota de autocarros representem zero emissões em 2025.
A UE decidiu impor um corte de 35% nas emissões de CO2 para os carros novos em 2030 com relação a 2021, uma medida considerada insuficiente pelos defensores do clima.
Já o governo do presidente americano, Donald Trump, flexibilizou as normas antipoluição dos carros. E a tendência do mercado é mais inclinada para automóveis SUV (4x4 urbanos), grandes consumidores de combustível.
OS MOTIVOS DE PREOCUPAÇÃO
Emissões em alta
Depois de três anos de relativa estabilidade, as emissões de CO2 do setor energético voltaram a aumentar em 2017 e o mesmo vai ocorrer em 2018. As emissões de gases com efeito de estufa atingiram um nível histórico no ano passado, de 53,5 gigatoneladas (Gt) equivalentes de CO2 e "nada indica que se tenha alcançado" o teto, segundo a ONU. Para limitar o aquecimento global a 2ºC, o máximo deveria ser de 40 Gt em 2030, e a 1,5ºC, de 24 Gt.
Carvão, o grande poluidor que continua a ser amplamente utilizado
O carvão é o maior emissor de CO2, mas continua a ser a principal fonte de energia no mundo. A procura mundial de carvão voltou a aumentar desde 2017, depois de dois anos em queda, a 5.357 Mtec (milhões de toneladas equivalentes de carvão), segundo números da Agência Internacional da Energia (AIE). A Ásia, e em particular China, é o maior consumidor.
O carvão é utilizado principalmente para gerar eletricidade, e as centrais de carvão continuam a ser a maior fonte de produção de eletricidade do mundo (40%, à frente do gás).
As centrais de carvão chinesas têm aumentado a sua produção desde 2017, mas esta pode cair com a pressão das políticas que visam melhorar a qualidade do ar nas cidades chinesas, afirma a AIE. A Índia poderá substituir a China no posto de maior consumidor de carvão do mundo. Outros países registaram também um forte crescimento no consumo, entre eles Indonésia, Malásia, Paquistão, Filipinas e Vietname.
No longo prazo, a AIE prevê que a procura estabilize em torno aos 5,4 mil milhões de toneladas para 2040. A queda da procura da China, da União Europeia e dos Estados Unidos seria compensada pelo aumento na Índia e no sudeste asiático.
Carbono em excesso
O consumo de carbono crescerá novamente até 2022 (+0,5% ao ano), segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), e mantém-se como a primeira fonte de produção de eletricidade no mundo.
Embora a sua diminuição se confirme na Europa, em muitos países asiáticos e em particular na Índia, espera-se um forte crescimento, devido à sua grande procura.
Em 2017, os investimentos em novos projetos de centrais recuaram, mas continuavam a representar uma capacidade de 2.000 GW.
Captura de carbono incipiente
Considerada uma das soluções mais eficazes para reduzir as emissões de CO2 das centrais de carvão e das plantas industriais (fábricas de cimento, siderúrgicas, etc), a captura e o armazenamento de carbono continua limitada. Esta tecnologia, que consiste em captar o CO2 que sai das chaminés para armazená-lo nos solos, é muito cara e, portanto, não rentável na ausência de um preço do carbono suficiente.
Disparo do metano
Após um crescimento mais lento entre 2000 e 2006, a concentração de metano na atmosfera aumentou dez vezes mais rápido na década seguinte. Resultado, sobretudo, da agropecuária e da queima de combustíveis fósseis, este gás responde em 20% pelas mudanças climáticas.
Treze dos maiores grupos de petróleo e gás, como Total, Chevron, BP e Saudi Aramco comprometeram-se a reduzir coletivamente as suas emissões totais de metano em até 350.000 toneladas anuais até 2025.
Desflorestação
Em 2017, a perda da superfície florestal no mundo alcançou 15,8 milhões de hectares, isto é, a superfície de Bangladesh ou o equivalente a 40 campos de futebol a desaparecer a cada minuto, segundo o Global Forest Watch. Isto se deve à agricultura, ao corte de árvores para exploração da madeira e à atividade de mineração, mas também devido a furacões e incêndios, reforçados pelas mudanças climáticas.
OS SINTOMAS
Recordes de calor
Muito provavelmente, 2018 será o quarto ano mais quente desde que começaram os registos das temperaturas, em 1880, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Assim, o século XXI já conta com 17 dos 18 anos mais quentes já registados.
Neste verão, o hemisfério norte, a Europa, o oeste dos Estados Unidos e a Ásia foram castigados por ondas de calor. Em Portugal, Escandinávia, Japão e Argélia, por exemplo, foram reportadas temperaturas recorde e também incêndios de grandes dimensões.
No Ártico, a extensão do banco de gelo manteve-se muito abaixo da média durante todo o ano e registou um recorde mínimo em janeiro e fevereiro.
Os glaciares do planeta também retrocederam pelo 38.º ano consecutivo. E na Suécia, o pico sul da montanha Kebnekaise deixou de ser o mais alto do pais, devido às temperaturas excecionais do verão.
405,5 partes por milhão
A concentração dos três principais gases causadores do efeito estufa - dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido de nitrogénio (NOX) - alcançou novos máximos em 2017 e o seu avanço prossegue este ano.
A concentração de CO2, um gás que persiste durante vários séculos, foi de 405,5 partes por milhão (ppm) em 2017. A última vez que a Terra registou uma concentração semelhante foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás, segundo a OMM. A temperatura na ocasião era de 2º a 3ºC mais alta e o nível do mar, superior entre 10 e 20 metros ao atual.
As emissões de metano, ligadas sobretudo à queima de energias fósseis e às atividades agropecuárias, aumentaram na última década. A sua concentração chegou em 2017 a um nível equivalente a 257% do registado antes da Revolução Industrial.
+3,3 mm ao ano
A elevação do nível dos oceanos, variável segundo as regiões, foi de 20 cm, em média, no século XX. Atualmente, eleva-se 3,3 mm ao ano e o fenómeno parece acelerar. O nível dos mares aumentou de 25% a 30% mais rapidamente entre 2004 e 2015 com relação a 1993-2004.
O degelo das calotas de gelo da Gronelândia explica em parte este aumento. Mas a Antártica pode tornar-se o principal motor: antes de 2012, o continente branco perdia 76 mil milhões de toneladas de gelo ao ano. Desde então, a cifra disparou para 219 mil milhões de toneladas.
Se o aquecimento fosse mantido a 1,5ºC em relação à era pré-industrial, o nível dos mares subiria entre 26 e 77 centímetros até 2100, segundo projeções da ONU. Com uma temperatura 2ºC mais quente, adicionar-se-iam 10 cm, afetando até 10 milhões de pessoas a mais.
Sobretudo, a longo prazo, as calotas da Antártica e/ou da Gronelândia poderiam desestabilizar-se com um clima entre +1,5/2ºC mais quente, elevando o nível dos mares em vários metros ao longo dos próximos séculos.
Catástrofes naturais
O aquecimento global já está a favorecer episódios meteorológicos extremos, particularmente secas e ondas de calor.
Até 20 de novembro, a OMM tinha registado 70 ciclones tropicais em 2018 contra uma média histórica anual de 53.
De acordo com alguns estudos, o número de secas, incêndios, inundações e furacões ligados às alterações do clima duplicou desde 1990.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), com +2ºC ocorrerão ondas de calor na maioria das regiões e as precipitações associadas aos ciclones serão mais intensas.
As perdas associadas às catástrofes naturais atingiram 520 mil milhões de dólares anuais e atiram a cada ano 26 milhões de pessoas para a pobreza, segundo o Banco Mundial.
Espécies afetadas
Das 8.688 espécies ameaçadas ou quase ameaçadas, 20% já foram afetadas pelas mudanças climáticas.
Os recifes de coral sofreram um embranquecimento maciço nos últimos anos e uma mortalidade recorde. Os cientistas destacam, ainda, uma multiplicação dos episódios de canícula oceânica, que ameaça os ecossistemas marinhos.
POLÓNIA, UMA NOVA CHANCE?
Representantes de cerca de 200 países vão tentar, a partir deste domingo, 2 de dezembro, na Polónia, fazer avançar o Acordo de Paris, mas teme-se que o resultado seja insuficiente para responder à urgência climática.
O acordo, assinado em 2015, tem como objetivo conter o aquecimento global abaixo dos 2ºC, mas afirma a ambição de conter esse aumento, idealmente, a 1,5ºC face à era pré-industrial. Para se ajustar ao limite de 1,5ºC, as transformações devem ser rápidas e sem precedentes, advertiram, em outubro, cientistas da ONU.
Já esta semana, um relatório da mesma organização assegurou que para conter a subida da temperatura global abaixo dos dois graus centígrados, as nações terão de triplicar, até 2030, as promessas firmadas no Acordo de Paris, celebrado em 2015. Para limitar o aquecimento a 1,5 graus, um cenário que já implica consequências, os países teriam que quintuplicar os esforços.
Mas os observadores temem que as advertências científicas não bastem para dar novo impulso à luta contra as mudanças climáticas durante a 24ª Conferência da ONU sobre o Clima (COP24).
"Isto nos lembra de Nero, que toca música enquanto Roma arde. A falta de ritmo e de ambições é simplesmente inaceitável", comentou Andrew Steer, especialista do World Resources Institute.
Segundo o calendário estabelecido pela COP21, em Paris, os países estão convidados a apresentar em 2020 os seus compromissos revistos. Katowice deveria permitir esboçar estas novas ambições no âmbito de um diálogo político, denominado "Talanoa".
Apenas alguns chefes de Estado e de governo confirmaram até agora presença na cimeira que começa, entre eles os chefes dos Executivos espanhol (Pedro Sánchez), francês (Emmanuel Macron) e holandês (Mark Rutte). Mas nas quase duas semanas de conferência, na qual Portugal estará representado pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes (na parte final da iniciativa)
A posição do Brasil é incerta, depois de o presidente eleito, Jair Bolsonaro, questionar o Acordo de Paris, e do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, qualificar o contexto atual de "alarmismo climático". Além disso, o governo em fim de mandato de Michel Temer anunciou a desistência de o país receber a COP25 no ano que vem.
O presidente americano, Donald Trump, que retirou o seu país do Acordo de Paris, reagiu esta semana com um taxativo "Não acredito" ao relatório da sua própria administração sobre os efeitos desastrosos das alterações climáticas para a economia americana.
Para Polónia, país que recebe este ano a cimeira do clima, ainda muito ligado à sua indústria de carvão, a prioridade não é tanto a questão das ambições de cada país, mas a adoção de regras de aplicação do acordo. "Sem Katowice, não há (Acordo de) Paris", disse recentemente Michal Kurtyka, presidente da COP24.
No que diz respeito aos países mais pobres, estes sem dúvida vão lembrar às nações do hemisfério norte a promessa feita em 2015 de elevar a 100 mil milhões de euros ao ano até 2020 as contribuições financeiras para as políticas climáticas do Sul. "Katowice deverá avançar no tema do financiamento ou vamos encaminhar-nos para a catástrofe", disse à AFP Amjad Abdullah, negociador do grupo de Estados insulares.
O Acordo de Paris defende, ainda, que os fluxos financeiros sejam compatíveis com o combate às mudanças climáticas, ou seja, com uma economia de baixas emissões.
Outro assunto sobre a mesa proposto pela Polónia, a chamada "transição justa”, que contempla o apoio os trabalhadores dos setores mais afetados pela transição ecológica, como sua indústria de carvão.
A 24.ª Conferência da Partes (COP24), da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), arranca este domingo e prolonga-se até 14 de dezembro, em Katowice.
*Por Marie Heuclin, Catherine Hours e Amélie Bottollier-Depois/AFP
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