“Com o aparecimento da covid-19, as situações de violência envolvendo professores diminuíram”, contou à Lusa a presidente do Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), que apresentou uma petição no parlamento para que as agressões em ambiente escolar sejam crime público.
A petição será discutida na sexta-feira e para Júlia Azevedo o tema está mais esquecido, “mas não deixa de ser bastante grave”.
Há um ano, a violência física era um dos assuntos mais mediáticos envolvendo as escolas, recordou Júlia Azevedo, recusando a ideia de que os estabelecimentos de ensino fossem “campos de batalha”.
Em média, o SIPE recebia uma queixa de três em três dias. As histórias chegavam de todo o país e de todos os níveis de ensino.
A maioria das agressões era cometida por alunos (56%) e por pais (33%) contra professores, segundo a plataforma "Violência nas Escolas - Tolerância ZERO" e a linha de apoio do sindicato.
Na altura, por cada três agressões físicas havia uma agressão verbal e quase todos os crimes aconteciam dentro das paredes da escola.
Em março, a pandemia obrigou a substituir as aulas presenciais pelo ensino à distância e, no passado ano letivo, acabaram os relatos de agressões físicas.
Mas a indisciplina e as agressões verbais na sala de aula não se esfumaram. Os alunos que antes não deixavam o professor falar continuaram a perturbar as aulas. De um dia para o outro, os docentes viram-se confrontados com os novos desafios do mundo virtual, onde os mais novos se sentem mais à vontade.
Em poucos dias, começaram a surgir no Youtube e outras redes sociais “gravações das aulas por parte dos alunos e vídeos que ridicularizavam os professores”, recordou Júlia Azevedo.
Havia histórias de alunos que invadiam aulas ‘online’. Havia quem entrasse para ridicularizar os participantes, para desligar e ligar microfones ou para pôr música a tocar. Havia quem conseguisse partilhar desenhos obscenos e até quem expulsasse os docentes da sua própria aula.
Em declarações à Lusa, a psicóloga Renata Benavente alertou que a distância provocada pela pandemia agravou estas situações, porque dificultou “a relação pedagógica que se constrói em presença” e que permite, muitas vezes aos docentes, controlar a indisciplina.
“Os professores começaram a reparar que os alunos não ligavam as câmaras. Isto é dramático, porque estão a lecionar sem ter qualquer ‘feedback’ não verbal”, recordou a especialista, que pertence à direção da Ordem dos Psicólogos.
Um professor que tenha dificuldades nas relações emocionais com os alunos e em gerar empatia pode tornar-se “vítima de indisciplina ou, em situações mais graves de agressão”, defendeu Alexandre Henriques, autor do blogue ComRegras, criado para analisar a indisciplina nas escolas.
Já o professor universitário Jorge Rio Cardoso preferiu atenuar a situação, defendendo que muitos dos casos de indisciplina eram apenas “malandrices”, dando como exemplo “o tal ‘houve falha de internet’ em que o aluno desliga a câmara e vai dar uma volta”.
Em setembro, com o regresso ao ensino presencial para todos os alunos, as denúncias de agressões físicas mantiveram-se inexistentes, pelo menos no conhecimento do SIPE.
No entanto, os professores foram confrontados com a necessidade de ter de dar, muitas vezes, aulas presenciais e à distância em simultâneo, recordou Júlia Azevedo, explicando que, quando um aluno fica em casa por estar contaminado ou em isolamento profilático, muitas escolas pedem que a aula seja transmitida para casa desse estudante.
A Lusa pediu à PSP dados sobre problemas registados nas escolas, mas não obteve qualquer resposta até ao momento. Os últimos números foram divulgados este verão no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) e dizem respeito ao ano letivo de 2018/2019, ou seja, antes da pandemia.
Naquele ano, a Escola Segura registou 5.250 ocorrências, o que representa uma diminuição em relação ao ano letivo anterior.
Das ocorrências, destacam-se as agressões físicas (1.359 casos), as injurias e ameaças (818) e os furtos (600).
Para Júlia Azevedo, estes números estão muito longe da realidade. Muitos professores temem retaliações e a maioria sente “que não vale a pena, porque em regra a queixa não tem qualquer consequência para o agressor”, explicou.
Foi no ano a que se refere o RASI que chegaram ao SIPE vários relatos de docentes vítimas de agressão. A grande maioria acabou por não fazer queixa às autoridades, contou à Lusa Júlia Azevedo.
Em 2019, numa escola em Valença, dois professores e dois auxiliares foram agredidos por um encarregado de educação que invadiu a escola depois de a filha ter sido chamada a atenção por tentar passar à frente na fila da cantina.
Uma outra professora do Porto, que estava grávida, também foi agredida pela encarregada de educação de um aluno do 1.º ano. “A professora deu entrada no hospital. Felizmente não perdeu o bebé mas deixou de querer ser professora”, recordou.
Em Santarém, os pais de um aluno invadiram a sala de aula, bateram e ameaçaram o docente. “Ameaçaram dizendo que se fizesse queixa lhe matavam a família”, recordou.
No Liceu Rodrigues de Freitas, no Porto, um aluno cuspiu na cara do professor de Físico-Química, na altura com 63 anos de idade.
A psicóloga Renata Benavente alertou que a dificuldade em gerir a sala de aula pode provocar “muitos sentimentos de frustração, de sofrimento para quem tem paixão pela profissão e quer de facto ensinar”.
Comentários