“A última vez que vi um juiz nem sequer foi num tribunal, mas num Julgado de Paz e há já uma semana. Acho que isso é generalizado”, sublinha o advogado Artur Marques.
Embora admita a possibilidade de ainda regressar esta semana a tribunais, para veredictos de processos urgentes, o advogado de Braga sublinha que a anormalidade persiste, com “quase tudo anulado”.
Já no escritório, o trabalho continua, entretanto, mas com uma pequena-grande nuance: “À porta fechada”, assume o advogado que esteve em processos como o da antiga autarca Fátima Felgueiras e o “Face Oculta”.
Pedro Miguel Carvalho, outro advogado nortenho, garante que o seu contacto presencial com clientes e com os serviços judiciais, prisionais e policiais é residual.
“Estou a trabalhar com muitas restrições. O contacto presencial foi reduzido em 90%. Tento fazer o máximo por correio eletrónico, chamada ou videochamada. As reuniões presenciais estão reduzidas ao mínimo indispensável. Só por razões de força maior”, afirma o advogado.
Ainda assim, admite existir ainda no meio em que se move “uma certeza relativização” dos cuidados associados ao novo coronavírus.
Assume mesmo que foi forçado a formalizar um protesto porque um seu cliente, recluso numa prisão com visitas proibidas devido à pandemia, foi levado à Polícia Judiciária para uma recolha de ADN [ou DNA - Nomenclatura de Ácido Desoxirribonucléico, informação genética].
“Não era nada de urgente, para mais que já tinha dedicação no perfil de ADN na base de dados”, assegura, questionando: “Que sentido faz o meu cliente ser transportado do estabelecimento prisional de Braga à Polícia Judiciária do Porto para uma simples recolha de saliva?”.
Nas raras deslocações aos tribunais, consequência do sucessivo adiamento de julgamentos, Pedro Miguel Carvalho diz que tenta evitar atitudes de risco.
No principal tribunal criminal do Porto, que funciona no antigo convento de São João Novo, uma funcionária, que pede para não ser identificada, diz que o trabalho se faz agora em “50/50”, “como nas férias”. Ou seja, com redução a metade do número de funcionários presentes nas instalações, só para tratar “coisas urgentes”, nomeadamente as que envolvem arguidos detidos.
É o recurso a uma espécie de serviços mínimos, porque, como diz à agência Lusa o presidente da Comarca do Porto, José Rodrigues da Cunha, “seria uma enorme irresponsabilidade manter toda a gente a trabalhar e ter todo o serviço a funcionar normalmente”.
“Ainda mais agora, com a suspensão dos prazos!”, exclama o juiz desembargador responsável pela comarca que abrange toda a zona litoral do distrito do Porto, numa alusão à decisão do Governo, anunciada na sexta-feira, que aprovou um regime excecional de suspensão de prazos, justo impedimento, justificação de faltas e adiamento de diligências para o setor da Justiça.
Antes, já o presidente da comarca ativara um plano de contingência, limitando o acesso aos tribunais locais a pessoas convocadas para diligências processuais ou por motivo “absolutamente inadiável” e sem alternativa por via informática por telefone.
E avisou desde logo: quem tivesse mesmo de deslocar-se a serviços judiciais não deveria considerar ofensivo que lhes fosse pedida a colocação de uma máscara, fornecida pelo tribunal, “ou ser recebido por alguém que seja portador de máscaras e luvas".
Decidiu também concentrar serviços urgentes da Comarca (em que estão em causa direitos fundamentais, como processos envolvendo presos) no Palácio da Justiça de Matosinhos, com equipas escaladas para o efeito.
“Com algumas 'nuances', acaba por ser como o serviço de turno habitual nos fins de semana”, sintetiza o responsável, explicando que optou por Matosinhos porque “tem a maior sala da comarca, com outra condições que não existiam no edifício da Rua de Camões [no Porto, onde funcionam juízos de instrução criminal]”.
Em sintonia com esta postura, está o presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Paulo Pimenta.
Ambos chegaram mesmo a emitir um inédito comunicado conjunto em defesa de uma concertação de posições entre advogados e juízes da comarca para adiarem o que nessa altura, em 11 de março, o governo ainda não determinara: o adiamento de todas as diligências não urgentes devido ao surto da Covid-19.
Paulo Pimenta levou as medidas de contenção para dentro da Ordem e suspendeu, por razões “meramente preventivas” e por tempo indeterminado, as sessões de formação presencial no âmbito dos estágios de advocacia no Porto e em Guimarães, que envolvem 488 licenciados em Direito.
O seu direito a envergar a toga vai ter, por isso, de esperar.
O coronavírus responsável pela pandemia da Covid-19 já infetou mais de 189 mil pessoas, das quais mais de 7.800 morreram.
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