Incluída no pacote de medidas anticorrupção aprovado na Assembleia da República no final da legislatura e com entrada em vigor marcada para hoje, a nova redação do art. 40.º do Código de Processo Penal (CPP) prevê que um juiz não possa intervir no julgamento, recurso ou pedido de revisão de um processo no qual tenha tido algum tipo de participação na fase de inquérito ou dirigido a fase de instrução.
Do ponto de vista do Conselho Superior da Magistratura (CSM), os impactos que considera negativos da alteração à lei devem ser mitigados, pelo que aprovou uma série de recomendações para os atenuar.
“Face à iminência da entrada em vigor de uma Lei com consequências nefastas para o funcionamento dos tribunais, as recomendações do CSM resultam da necessidade imperiosa de tomar medidas urgentes que minimizem os seus efeitos”, justificou à Lusa o órgão máximo de gestão e disciplina da magistratura judicial.
Entre as orientações aprovadas na última sessão plenária do organismo estão, por exemplo, recorrer à distribuição de processos para juízes de outras localidades ou de uma bolsa de substitutos nos tribunais com apenas um juiz, além de concentrar a distribuição dos atos jurisdicionais de um processo sempre no mesmo juiz nas comarcas que tenham juízo de instrução com dois ou mais lugares de juiz.
O CSM argumenta que esta última recomendação “não põe em causa o princípio do juiz natural, na medida em que os processos irão obedecer sempre a uma distribuição prévia aleatória, ao contrário do que sucederá no regime instituído pela nova redação do artigo 40.º do Código de Processo Penal, em que as instruções passarão a ser atribuídas exclusivamente na decorrência dos impedimentos, em clara violação do mencionado princípio”.
Porém, admite ser “muito provável” uma maior lentidão e pendência processual na justiça portuguesa devido ao novo enquadramento legal. “Aumentará exponencialmente os casos de substituições legais, o que, naturalmente, se repercutirá na celeridade da justiça e se traduzirá em graves prejuízos para o cidadão, que o CSM, através das recomendações adotadas, visa minimizar”, refere o CSM.
Sobre o cenário de um hipotético aumento exponencial do número de pedidos de anulação de julgamentos com sentenças que ainda não tenham transitado em julgado, face à possibilidade de esses processos contarem com juízes que além de terem feito o julgamento tenham também tido algum tipo de intervenção na fase de inquérito, o órgão máximo dos juízes evita pronunciar-se neste momento devido “à sua natureza jurisdicional”.
Com o parlamento e o Governo ainda sem tomarem posse, é impossível evitar a entrada em vigor da nova lei de impedimento da participação dos juízes em processos. Apesar dessa circunstância, o CSM mostra-se confiante numa reversão do diploma em breve e lembra que o organismo já tinha manifestado anteriormente a sua divergência sobre esta matéria.
Lei hoje em vigor sobre impedimento dos juízes é "desajeitada" e foi feita "à pressa"
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) criticou hoje o Governo por atuar "à pressa" e de maneira "desajeitada" ao ter aprovado a lei que estabelece o impedimento dos juízes em intervir em fases processuais diferentes.
Em declarações por escrito à agência Lusa, e falando a título individual, Manuel Soares assinalou com ironia que "nem de propósito", hoje, dia mundial da água, entra em vigor a alteração do CPP em que o parlamento "meteu água" da "maneira mais desajeitada de que há memória, por ter atuado à pressa e não ter sequer dado atenção aos alertas do Conselho Superior da Magistratura".
"O aumento das situações de impedimento dos juízes para participarem na instrução e julgamento dos processos criminais, sem a mínima justificação no plano das garantias, vai desorganizar por completo o sistema de justiça, com multiplicação exponencial de substituição de juízes e adiamentos de diligências, vai gerar imensas incertezas sobre quem deve ser o juiz nos processos que se encontram pendentes, com mais recursos, suspeições e nulidades", criticou.
Segundo antevê Manuel Soares, esta lei vai dar ainda "aos sujeitos que queiram abusar das garantias processuais - os do costume que já se sabe quem são! - mais um instrumento pernicioso, que permite suscitar artificialmente uma qualquer intervenção inócua do juiz titular do processo para o afastar de vez do caso e contornar o princípio do juiz natural (escolha aleatória do juiz)".
Também o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, deixou críticas às alterações à lei, aproveitando o discurso na tomada de posse do juiz desembargador Jorge Loureiro como novo presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, na passada quarta-feira, para alertar para os “gravíssimos constrangimentos” que a nova legislação vai trazer, sublinhando o agravar da celeridade na justiça e lembrando as críticas feitas ao “excesso de garantias de natureza processual” no sistema português.
[Notícia atualizada às 9:58]
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