19 migrantes foram, em julho, resgatados pelo navio humanitário ‘Aquarius’ e depois acolhidos, em Portugal, pela Câmara do Fundão.
Chegaram a esta cidade do distrito de Castelo Branco no dia 25 de setembro e quatro deles já estão a ser inseridos no mercado de trabalho. Dois estão numa empresa agrícola, um numa fábrica de confeções e outro numa empresa de eletricidade.
Não olham para o trabalho como uma obrigação, mas como uma oportunidade para começarem a construir o futuro.
“Sem trabalho não se vive”, resume Abiel Madgu, 22 anos, natural da Eritreia (nordeste de África) e que está há quase um mês a trabalhar na empresa de confeções Twintex.
Abiel não fala inglês nem português. A conversa com a agência Lusa é traduzida por Daniel Melake, um outro eritreu que chegou a Portugal há cerca de dois anos e que foi o tradutor do grupo, durante o primeiro mês.
Na fábrica Abiel não conta com a presença do tradutor. A dificuldade clara é ultrapassada com empenho e recurso aos gestos.
Yolanda Magaz é quem tem ensinado Abiel a executar as tarefas. Ela exemplifica, ele repete. Se não se entendem à primeira, a expressão facilmente indica que é preciso repetir o processo.
“Tem corrido bem, ele é muito empenhado e muito preocupado em aprender”, refere esta responsável, enquanto Abiel se mantém ocupado a passar a ferro peças de tecido que irão integrar um casaco.
Às perguntas que lhe vão sendo feitas numa mistura de inglês e português, Abiel responde balançando a cabeça em sentido positivo. Diz que sim, que gosta do trabalho e que está feliz.
Igualmente satisfeitos estão os proprietários da Twintex. Se a avaliação positiva se mantiver, Abiel poderá passar desta fase de experiência (devidamente remunerada) para um contrato de mais tempo.
A empresa, cujo grupo integra cerca de 420 trabalhadores e que exporta a totalidade da produção, já emprega pessoas de outras nacionalidades.
Abiel foi integrado não por ser “refugiado”, mas no âmbito dessa estratégia que procura soluções para fazer face às carências de mão-de-obra, como explicou Mico Mineiro, diretor de operações da fábrica.
“Por uma feliz coincidência, soubemos que também temos um dos refugiados do ‘Aquarius’, que por sinal está a ter uma integração muito positiva na empresa. Os responsáveis estão contentes, a única barreira com que até agora nos temos debatido é de facto a da comunicação, mas como há boa vontade das duas partes vai tudo correr bem”, referiu Mico Mineiro, admitindo vir a integrar outros migrantes.
O otimismo é partilhado por Paulo Ribeiro, da Unitom Farming, empresa agrícola e frutícola que tem cerca de 120 hectares de cerejeiras, pessegueiros, olival e mirtilos e que também tem recorrido a imigrantes para encontrar braços que trabalhem o campo.
Gebru Mehari e Hadush Tsegay, 28 e 26 anos, naturais da Eritreia. São os mais recentes elementos da equipa. Por estes dias, estão empenhados na poda das cerejeiras e vão comunicando numa mistura de idiomas e movimentos.
Uma das palavras que Gebru já sabe dizer em português é “cuidado”, isto porque no primeiro dia de trabalho quase se cortou. Cerca de um mês depois repete os gestos que Aires Proença, o encarregado da equipa, lhe ensina. Sem hesitar, corta os ramos com uma expressão de felicidade, que é acompanhada pelo sorriso de Hadush.
Esta é uma oportunidade que nenhum quer perder.
E se correr bem, ficam. Quando a poda estiver concluída, podem passar para o olival, para as estufas e para a colheita, sempre tratados da mesma forma que os restantes trabalhadores.
“Quando fomos contactados pela Câmara Municipal do Fundão em relação a este assunto demos toda a nossa abertura para acolher alguns desses ‘refugiados’, sempre na condição de se adaptarem com alguma rapidez na equipa. Isso aconteceu, felizmente para nós e para eles”, apontou Paulo Ribeiro.
Testemunhos que aumentam a esperança de que todos os elementos do grupo possam ser inseridos a curto prazo no mercado de trabalho.
Além dos quatro que já estão integrados, a Câmara do Fundão tem em fase adiantada outros processos de inserção laboral, um passo que começou a ser dado mais cedo do que o inicialmente previsto, dado a boa integração e acolhimento que se tem registado.
“A questão do trabalho é essencial. As pessoas não podem estar 18 meses [duração do programa] paradas e no fim encontrarem-se sem nada e completamente desamparadas. É preciso encontrar caminhos e isso é muito importante para a autoestima deles e também para o processo de autonomização, porque lhes permite construir um projeto de vida”, explicou à agência Lusa Paula Pio, coordenadora do Plano de Integração do Fundão.
O grupo que está no Fundão é constituído por 17 homens e duas mulheres provenientes da Eritreia (14), Nigéria (três), Iémen (um) e Sudão (um). Fugiram à guerra, à insegurança e à fome. Não se conheciam, mas todos têm em comum uma vida marcada pelo terror, pelo medo, pela violência, pela fome e pela sede.
Entre eles há um antigo autarca que sobreviveu a vários atentados e que mantém alojadas no corpo balas que o atingiram. Há um professor que tinha de dar aulas de dia e ser sentinela à noite, sem descansar. Há quem tenha sido feito prisioneiro durante a fuga, há quem tenha sido agredido e visto outras pessoas serem torturadas, assinadas, violadas.
Vivem agora no antigo Seminário do Fundão, paredes meias com as memórias e com a esperança, porque, como dizem alguns deles, “nada pode ser pior do que já foi”.
(Notícia atualizada às 09:34 - Galeria de Fotos)
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