No mesmo dia em que os portugueses iam às urnas escolher quem queriam à frente dos órgãos autárquicos, na Catalunha, região autónoma no norte da Península Ibérica, um referendo organizado pelo governo da Generalitat, liderado pelo separatista Carles Puigdemont, era desmantelado pela polícia espanhola.

Puigdemont, ainda assim, reconheceu os resultados, que davam a vitória ao "sim" — à saída da Espanha monárquica, à criação de uma república independente.

O referendo, defendem Madrid e os tribunais espanhóis, foi inconstitucional. Mesmo assim, Puigdemont declarou unilateralmente a independência da Catalunha, tendo-a suspendido segundos depois, dando tempo para um diálogo com o presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy.

Os prazos esgotaram-se. O parlamento catalão votou e aprovou a independência da região, com capital em Barcelona. Tal ato espoletou a aplicação do artigo 155.º da Constituição espanhola, que limitou a autonomia da Catalunha e a marcação destas eleições antecipadas.

E daí, Puigdemont sai da região e esconde-se em Bruxelas, de onde passa a liderar a campanha. Uma campanha em exílio, com vários líderes políticos separatistas presos em Espanha, outros fugidos e a autonomia suspensa.

Campanha à distância

Nos últimos dias da campanha, o líder separatista catalão, Carles Puigdemont, pedia, numa intervenção em direto a partir de Bruxelas e retransmitida numa centena de ecrãs espalhados pela Catalunha, o voto útil para voltar a recuperar o seu lugar de presidente da região.

“Se for investido presidente entrarei no Palau da Generalitat [palácio do executivo catalão] acompanhado de todo o governo legítimo”, assegurou Puigdemont numa intervenção que marcou o final da campanha oficial da lista "Juntos pela Catalunha" para as eleições regionais, esta terça-feira.

créditos: EPA/STEPHANIE LECOCQ

A intervenção em direto, apresentada como um megacomício de encerramento da campanha da lista “Juntos pela Catalunha”, foi transmitida para cerca de 100 espaços públicos na comunidade autónoma.

O comício central na praça da Virreina, não muito longe do centro de Barcelona, teve várias centenas de pessoas, a aplaudir de forma entusiástica as partes mais importantes do discurso de Puigdemont que durou 20 minutos.

Na fila da frente do comício, como em todos os que têm sido organizados nesta campanha, há várias cadeiras vazias, com o nome de Puigdemont e outros candidatos que o acompanham no seu refúgio belga ou que estão presos preventivamente numa prisão dos arredores de Madrid por suspeitas de delitos de rebelião, sedição e peculato.

As sondagens indicam que a ERC e o Cidadãos (constitucionalista, direita liberal) estão à frente na intenção de votos dos catalães, com cerca de 23 a 25% dos votos.

Mais atrás estão o “Juntos pela Catalunha” e o PSC (Partido Socialista Catalão, associado ao PSOE), na casa dos 15 a 20% dos votos.

O “Juntos pela Catalunha” (“Junts pel Catalunya”, na língua catalã) é uma aposta pessoal de Carles Puigdemont que inclui nomes do seu Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT) e independentes.

O número dois dessa lista é o ex-presidente do movimento cívico independentista Assembleia Nacional Catalã (ANC), Jordi Sánchez, preso desde 16 de outubro por suspeitas de crime de sedição no quadro do processo de independência da Catalunha.

O Conselho Nacional do PDeCAT deu carta-branca à direção do partido e a Carles Puigdemont para prepararem a lista que considerarem mais adequada para concorrer às eleições regionais e que pretendiam que fosse mais abrangente e penetrasse noutros setores independentistas da Catalunha.

A proposta foi feita depois de os partidos independentistas não terem conseguido chegar a acordo sobre a apresentação de uma lista comum, como em 2015.

Nas eleições regionais anteriores, a Convergência Democrática da Catalunha (CDC e agora PDeCAT) formou uma coligação com a Esquerda Republicana Catalã (ERC) com o nome de “Juntos pelo Sim”, com o objetivo de declarar a independência da região.

A antiga CDC foi até 2010 a maior força política na Catalunha, mas depois dessa data tem perdido força, ao mesmo tempo que a ERC ia crescendo em importância.

Rajoy quer pactos a favor de Espanha e dos interesses dos cidadãos

O presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, promete que o Partido Popular da Catalunha (PPC) será “construtivo” para alcançar pactos após estas eleições regionais, mas sempre “a favor de Espanha” “e dos interesses” dos cidadãos.

Num comício de apoio ao candidato do PPC ao governo regional catalão, Xavier García Albiol, em Salou, Tarragona, Rajoy insistiu que o voto “verdadeiramente útil” é no seu partido, que, sublinhou, foi quem aplicou o artigo 155.º da Constituição, que limitou a autonomia da Catalunha.

créditos: EPA/Quique Garcia

O primeiro-ministro espanhol apelou ao voto no PPC para “abrir uma etapa de segurança, certezas e tranquilidade” na Catalunha, que permita à região voltar a “liderar” a recuperação económica.

O líder do PP insistiu que o processo independentista catalão prejudicou “muito” a economia regional, que sofreu uma “evidente contração” nos últimos meses.

Rajoy argumentou que após as eleições de hoje, “nada se poderá construir” sem os deputados populares, referindo que Albiol deixará claro, com todos com quem falar, que em qualquer acordo defenderá a lei, a Constituição e a unidade de Espanha.

Por seu turno, Albiol comentou que o ex-chefe da Generalitat, Carles Puigdemont, “teve de ir para mil quilómetros de distância da Catalunha porque tem medo” de Rajoy.

Inés Arrimadas apela ao voto dos indecisos

A quatro dias das eleições, o partido Cidadãos — que as sondagens mais recentes colocam em primeiro lugar — apelava ao voto dos indecisos e dos eleitores do Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC), para promover “uma mudança” na região de forma a superar a etapa nacionalista e para “assegurar o acordo” entre formações constitucionalista (pró-unidade de Espanha).

créditos: EPA/Enric Fontcuberta

Numa ação de campanha em L’Hospitalet de Llobregat, que, segundo a formação, reuniu mais de 5 mil pessoas —, a candidata à presidência da Generalitat, Inés Arrimadas, e o líder do partido, Albert Rivera, voltaram a apelar ao voto, argumentando que a vitória nas eleições pode depender de “um punhado de votos”, pelo que pediram “que ninguém fique em casa neste momento tão relevante”.

“Precisamos de uma nova etapa política para todos os catalães, na qual os problemas reais estejam no centro da política, e que a política se faça pensando nas pessoas e não nos territórios”, disse Arrimadas.

Sanchéz diz que a Catalunha precisa da mão esquerda de Miquel Iceta

Em Barcelona, o líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), Pedro Sanchéz, pediu que o “voto útil” seja concentrado no candidato do PSC à Generalitat, Miquel Iceta, afirmando que a Catalunha precisa da sua “mão esquerda” para acabar com o “conflito e crispação” e para abrir uma era de “diálogo, pacto, concórdia e reconciliação”.

créditos: EPA/Andreu Dalmau

Ao lado do antigo presidente do Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e do antigo líder do Parlamento Europeu Josep Borrell, em Barcelona, num comício perante mais de 5 mil apoiantes, Sánchez defendeu que “o único voto das esquerdas é socialista”.

Na próxima quinta-feira, o voto não deve ser “de vingança, ou de rancor”, mas de “ânimo para uma mudança que una, porque a tarefa do próximo ‘president’ será de unir tudo o que o independentismo rompeu, como a economia e a convivência”.

Empate à vista

As sondagens, apesar de proibidas, vão mostrando alguma indefinição. E um empate. Nenhum candidato reúne os votos necessários para formar governo, antevendo-se a necessidade de negociações entre as diferentes forças — e diferentes pretensões para o destino da comunidade catalã.

Os republicanos independentistas do ERC e os liberais dos Ciudadanos estariam empatados se as eleições na região da Catalunha, marcadas para o dia 21, acontecessem no início deste mês, mostra uma sondagem divulgada no dia 4 pelo Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS).

Os números mostram o ERC com 32 lugares no parlamento e o Ciudadanos com entre 31 e 32, segundo o estudo, que atribui aos liberais 22,5% dos votos, acima dos republicanos (20,8%), “embora no sistema eleitoral prevaleça o voto nas províncias com menor população, o que explica o empate”, explica a agência espanhola EFE.

A seguir, surge o Junts per Catalunha, encabeçado por Carles Puigdemont (25-26 deputados), os socialistas do PSC (21), a coligação de esquerda Catalunya en Comú (9), o partido antissistema CUP (9) e o conservador PPC (7).

As três forças que alimentaram o processo independentista na Catalunha nos últimos tempos — ERC, JxC e CUP — somariam entre 66 e 67 lugares, não garantindo, assim a maioria, nem em votos, nem em deputados na Câmara regional (fixada em 68).

Até agora essas três formações somavam 72 lugares, embora não tenham chegado a 48% do voto popular nas eleições de setembro de 2015.

O estudo do CIS foi elaborado a partir de 3 mil entrevistas realizadas entre 23 e 27 de novembro.
“Todos os analistas concordam que estas eleições autónomas são diferentes de todas as anteriores”, esclarece a EFE, “porque são realizadas após o forte impacto social do processo separatista e as medidas do Governo central para restabelecer a legalidade constitucional”.

Portugal aguarda a “pronúncia” dos catalães

Desta vez, Portugal não elege órgãos autárquicos. A bem da verdade, a Catalunha também não faz um referendo à independência, antes escolhe que governo — e que visão — quer à frente dos destinos. Se escolher um partido separatista, confirma os resultados do referendo de outubro. Se decidir o caminho oposto, opta por ficar em Espanha.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, disse hoje que Portugal “aguardará a pronúncia” do povo da Catalunha, nas eleições regionais desta quinta-feira, “e depois verificará os resultados”.

“Respeitemos os procedimentos democráticos de Espanha. O povo da Catalunha pronunciar-se-á amanhã [quinta-feira]. A democracia, a soberania reside no povo”, disse hoje o chefe da diplomacia portuguesa esta quarta-feira, questionado pela imprensa à margem do quinto encontro anual do Conselho da Diáspora, em Cascais.

Santos Silva acrescentou: “Aguardemos essa pronúncia e depois verificaremos que resultados decorreram dessa pronúncia”.