É o novo tema quente no conflito entre Israel e a Palestina — o alegado envolvimento de elementos da agência da ONU para os refugiados palestinianos nos ataques de 7 de outubro. A UNRWA demitiu alguns dos seus funcionários na passada sexta-feira após receber dados a consubstanciar as acusações israelitas, mas só neste fim de semana é que se ficou a perceber que tipo de crimes estão em causa.

De acordo com o The New York Times, que teve acesso a um dossier fornecido por Israel ao governo dos EUA, 12 funcionários são acusados de envolvimento nos ataques do Hamas — indo desde fornecer munições até participar num massacre — a 7 de outubro ou de prestar apoio ao movimento que governa a Faixa de Gaza nos dias que se sucederam.

Segundo a investigação, os serviços secretos israelitas conseguiram confirmar o envolvimento de seis dos funcionários no 7 de outubro ao localizá-los geograficamente em Israel; outros tiveram chamadas intercetadas a partir de Gaza e nas quais terão discutido a sua participação no ataque do Hamas. Três dos elementos investigados receberam mensagens ordenando que se apresentassem em pontos de reunião pré-estabelecidos no dia do assalto armado.

Algumas das alegações mais graves prendem-se com a instrução a um dos funcionários da UNRWA para que trouxesse granadas que tinha armazenadas em casa. Outra envolve um conselheiro escolar de Khan Younis, acusado de ter planeado o rapto de uma mulher israelita em conluio com o filho. Já um assistente social de Nuseirat é visado por alegadamente ter trazido o corpo de um soldado israelita para Gaza, assim como ter distribuído munições e coordenado veículos no dia do ataque.

Os homens visados são todos eles colaboradores da UNRWA: segundo o dossier de Israel, sete são professores em escolas apoiadas pela agência da ONU, ao passo que outros dois trabalham em estabelecimentos escolares com outras funções. Os restantes três são descritos como sendo um funcionário administrativo, um assistente social e o diretor de um armazém. Ao mesmo tempo, os investigadores israelitas afirmam que 10 destes elementos são membros do Hamas.

As acusações ainda não puderam ser investigadas independentemente, mas os EUA consideraram-nas credíveis o suficiente para retirar o seu apoio financeiro à UNRWA. Após esta decisão, muitos outros países seguiram opção idêntica.

Questionada sobre as alegações de Israel, a UNRWA confirmou apenas que dois dos 12 funcionários estavam mortos, mas que não podia fornecer mais informações enquanto o Gabinete de Serviços de Supervisão Interna da ONU ainda estivesse a investigar.

Os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido, a Alemanha, a Itália, os Países Baixos, a Suíça, a Finlândia e a Austrália anunciaram este fim de semana a suspensão do financiamento à UNRWA, depois de a agência ter rescindido os contratos de vários funcionários.

A este propósito, o responsável da Agência, Philippe Lazzarini, advertiu que mais de dois milhões de habitantes de Gaza dependem da ajuda humanitária, que pode estar em causa perante a suspensão dos fundos de nove países doadores.

“Nove países suspenderam temporariamente o seu financiamento à UNRWA. Estas decisões ameaçam o nosso trabalho humanitário em curso em toda a região, incluindo e especialmente na Faixa de Gaza”, alertou Lazzarini, em comunicado.

“É chocante ver uma suspensão de fundos em reação a alegações contra um pequeno grupo de funcionários, especialmente tendo em conta as medidas imediatas que a UNRWA tomou ao rescindir os seus contratos e ao pedir uma investigação independente e transparente”, lamentou Lazzarini.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, também pediu uma investigação, que já está a ser conduzida pelo Gabinete de Serviços de Supervisão Interna da organização.

Israel agradeceu aos países que suspenderam o financiamento da UNRWA e apelou a que outros se juntem à ação contra a agência, que acusa de ser um “refúgio para terroristas”, enquanto o Hamas negou categoricamente que o pessoal humanitário colabore com eles em ações militares.

Recorde-se que o Hamas lançou em 7 de outubro um ataque surpresa contra o sul de Israel com o lançamento de milhares de foguetes e a incursão de milicianos armados. Este ataque causou a morte de mais de 1.140 pessoas em Israel, a maioria civis, segundo uma contagem da AFP baseada em números oficiais israelitas.

Cerca de 240 pessoas foram raptadas e levadas para Gaza, segundo as autoridades israelitas.

Cerca de cem foram libertadas no final de novembro, durante uma trégua em troca de prisioneiros palestinianos, e 132 reféns continuam detidos no território palestiniano, 28 dos quais terão morrido.

Em resposta, Israel declarou guerra ao Hamas, movimento que controla a Faixa de Gaza desde 2007 e que é classificado como terrorista pela União Europeia e Estados Unidos, bombardeando várias infraestruturas do grupo na Faixa de Gaza e impôs um cerco total ao território com corte de abastecimento de água, combustível e eletricidade.

O número de baixas palestinianas na Faixa de Gaza está cifrada nos 26.422 mortos, registando-se mais de 65 mil feridos, na maioria crianças e mulheres.

Além dos mortos e feridos, cerca de oito mil palestinianos estão desaparecidos sob os escombros e em outras zonas do enclave onde as ambulâncias não têm acesso, enquanto cerca de 1,9 milhões de pessoas, 85% da população, estão deslocadas enfrentando uma crise humanitária sem precedentes.