“A pandemia evidenciou o estado enfraquecido de muitos sistemas de saúde da Europa Ocidental após anos de medidas de austeridade e a escassez crónica de recursos dos sistemas de saúde na Europa de Leste e Ásia Central”, refere a organização não-governamental (ONG) no seu relatório anual, hoje divulgado, no capítulo dedicado ao continente europeu que também integra países eurasiáticos como o Cazaquistão ou o Quirguistão.

Lembrando que esta região foi duramente atingida em 2020 pela pandemia de covid-19, “ao registar [no final do ano] cerca de um terço dos óbitos” a nível global, a Amnistia Internacional denuncia, entre outros fatores, que “a falta de recursos dos sistemas de saúde e a falha no fornecimento de equipamento de proteção individual adequado exacerbaram as taxas de mortalidade”.

Segundo a organização, o número de infeções e de óbitos variaram amplamente entre os diferentes grupos da população europeia, destacando os idosos residentes em lares, que representaram “cerca de metade das pessoas que morreram por causa da doença em alguns países”, e os profissionais de saúde e os trabalhadores domiciliários, com o registo de taxas superiores “às vezes devido à falta de fornecimento de equipamento de proteção individual adequado e suficiente”.

Reino Unido, Rússia, Itália, Quirguistão e Espanha apresentavam, em setembro de 2020, a maior taxa de mortalidade entre os profissionais de saúde, de acordo com o relatório.

“Os governos devem investigar as mortes desproporcionais em ambientes como os lares de idosos e as falhas em fornecer equipamento de proteção individual adequado”, defende a ONG, apelando a um acesso igualitário e “urgente” às vacinas dentro e entre os países europeus e a uma cooperação “imperativa” entre Estados para garantir que “tratamentos e vacinas sejam admissíveis, pouco dispendiosos, acessíveis e disponíveis para todos”.

A organização foca ainda que os trabalhadores do continente europeu enfrentaram “barreiras no acesso a uma segurança social adequada” e que as medidas de saúde pública afetaram “desproporcionalmente indivíduos e grupos marginalizados”.

Foi o caso de comunidades ciganas e de refugiados e requerentes de asilo que foram colocados sob “quarentenas forçadas discriminatórias” em diversos países (Bulgária, Chipre, Hungria, Rússia ou Sérvia), muitos deles em locais sobrelotados e insalubres, como o campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, destruído posteriormente por um incêndio que deixou 13 mil pessoas sem abrigo.

A Amnistia Internacional adverte igualmente que as respostas governamentais à covid-19 em certos países da região ameaçaram um vasto conjunto de direitos e “expuseram o custo humano da exclusão social, da desigualdade e do alcance excessivo do Estado”.

“Muitos governos também utilizaram a pandemia como uma cortina de fumo para a tomada do poder, para a repressão das liberdades e como um pretexto para ignorar as obrigações em matéria de direitos humanos”, reforça a ONG, referindo que o “uso ilegal da força pela polícia” foi observado em diversos países (Bélgica, França, Roménia, Espanha, entre outros).

Em contextos onde as liberdades já estavam severamente circunscritas, 2020 viu vários países restringi-las ainda mais, diz a organização, dando o exemplo da Rússia, onde as autoridades passaram a classificar pessoas críticas à liderança do Presidente Vladimir Putin como “agentes estrangeiros”, designação que no passado só abrangia organizações, com o objetivo de evitar a ingerência por parte de ameaças externas ao país.

Na Hungria, destaca também a Amnistia Internacional, o governo do primeiro-ministro, Viktor Orbán, alterou o Código Penal, introduzindo penas de prisão de até cinco anos por “divulgação de informação falsa” sobre a covid-19.

Já na Polónia, e em plena crise pandémica, o executivo “violou os direitos humanos de mulheres e grávidas” e colocou em risco a saúde da população feminina polaca “ao introduzir uma cruel e perigosa proibição quase total do aborto”, prossegue o relatório.

Os governos de Budapeste e Varsóvia também são referenciados entre aqueles que continuaram em 2020 na Europa a tomar medidas que “corroeram a independência do poder judicial”.

Ainda nesta área, a ONG refere as iniciativas das autoridades da Turquia para “minar as garantias de um julgamento justo” naquele país, através de medidas para controlar associações de advocacia e de perseguições a causídicos.

Entre as graves violações que documentou no “velho continente”, a Amnistia Internacional destaca também a situação vivida na Bielorrússia após as eleições presidenciais de agosto passado, escrutínio contestado pela oposição e que desencadeou protestos sem precedentes naquele país.

“A flagrante repressão de todas as formas de oposição e dissidência política (…) prolonga-se continuamente. Os manifestantes são detidos, torturados e condenados a longas penas de prisão apenas por exercerem pacificamente os seus direitos humanos”, diz a ONG.

A Amnistia Internacional não esquece as questões migratórias que tanto dividem a Europa, criticando, entre outros aspetos, “as devoluções ilegais [conhecidas como ‘pushbacks’]”, “a violência nas fronteiras terrestres e marítimas” e a decisão de vários países atrasarem ou suspenderem o processamento de pedidos de asilo durante a pandemia.