Ao longo dos anos, o grupo Wagner tem aumentado o seu estatuto militar na África e no Médio Oriente, fama que terá sido colocada em causa depois de Prigozhin abortar a revolta contra a Rússia, no fim de semana passado.

Depois de cancelar o avanço das tropas mercenárias em direção a Moscovo, muitas questões pairam sobre o futuro das operações do grupo Wagner em lugares mais distantes, onde se acredita que lucra muito dinheiro com a exploração de recursos naturais e por dar apoio a regimes hostis ao Ocidente.

Após a reunião entre os ministros de negócios estrangeiros da União Europeia, que decorreu esta manhã no Luxemburgo, Gomes Cravinho disse aos jornalistas que a União Europeia está preocupada com um possível aumento da presença do grupo Wagner em África, depois do motim falhado na Rússia, no passado fim de semana.

“É evidente que a situação é uma situação de alguma fragmentação do poder, não há coesão", começou por dizer o ministro dos Negócios Estrangeiros português, referindo-se à governação de Putin. “É o mínimo que se pode dizer”.

“Houve manifestações na reunião de ministros quanto ao continente Africano, mas não sabemos exatamente em que termos se levantou essa questão em relação aos efeitos" para a região, disse.

“Como sabe, o grupo Wagner desempenha um papel profundamente nocivo em vários países, a República Centro-Africana, Mali, Burkina Faso, entre outros, e não sabemos agora se a Wagner vai investir ainda mais em África ou se terá outras funções”, respondeu Gomes Cravinho.

“Mas é sempre preocupante onde a Wagner esteja seja fonte de preocupação e, se reforçar a sua presença em África, é algo que deve ter também uma resposta da parte da União Europeia, em termos de maior apoio a esses países, para que não tenham de depender da Wagner", declarou o ministro aos jornalistas.

"Dada a presença da Wagner no exterior, os maiores efeitos deste evento podem ser sentidos na região do Meio Oriente e Norte da África (MENA) e [noutros países de] África", escreveu Rob Lee, do Foreign Policy Research Institute, no Twitter.

"Wagner tem uma forte presença na África. Beneficia e depende do governo e militares russos. O Kremlin permitiria que a mesma dinâmica continuasse se Prigozhin e Wagner estiverem baseados na Bielorrússia?", questiona.

Uma pergunta que ninguém consegue responder, neste momento.

"É um mistério… e depende de como [as autoridades russas] querem compartimentar o que está a acontecer na África e em todos os outros lugares", disse à AFP, Michael Shurkin, diretor de programas da empresa de consultoria focada em África, a “14 North”.

"A Rússia pode pensar que o que eles [Wagner] estão a fazer em África valerá a pena continuar porque também serve os interesses dos russos", afirmou. "São más notícias, com certeza, para os governos do Mali e da África Central. Sem dúvida. Mas ainda não sabemos o que vai acontecer."

Ações no exterior tornam Wagner e Rússia dependentes

O grupo Wagner depende muito do Ministério da Defesa russo no fornecimento de tropas, equipamentos e armas para os teatros onde opera.

Na Síria, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos (SOHR), os mercenários Wagner atuaram como "forças especiais" no terreno, ao lado do exército regular do Kremlin depois de intervir na guerra civil do país, em 2015.

Alegadamente, os milicianos mantêm presença perto de poços de petróleo, nas províncias de Hama e Latakia, na região do Médio Oriente.

No continente africano, foram identificados mercenários Wagner na Líbia, Moçambique e Sudão. No Mali, onde os capacetes azuis da ONU desempenham a missão Minusma, os Wagner estão, alegadamente, na linha da frente - do lado dos insurgentes-, embora a junta de insurgência maliana insista que emprega apenas "instrutores russos".

Na República Centro-Africana, outro país com a presença de capacetes azuis (UN MINUSCA), e uma missão europeia onde se inclui militares portugueses (EUTM RCA), está um executivo de Wagner responsável pela segurança do presidente Faustin Archange Touadera.

O grupo tem sido responsável por levar o "ouro e minerais do Sudão, da República Centro-Africana e do Mali, que Putin precisa para manter a economia russa em suporte de vida", disse uma fonte militar europeia à AFP.

De acordo com um perito independente das Nações Unidas sobre direitos humanos na República Centro-Africana, o exército e os seus aliados russos cometem inúmeras atrocidades naquele país. A União Europeia posteriormente impôs novas sanções ao Wagner, visando altos representantes do grupo no país africano.

Na sexta-feira, o presidente francês Emmanuel Macron acusou a Rússia de ser "uma força desestabilizadora na África através de milícias privadas que vêm para atacar e cometer abusos contra as populações civis."

O que vai acontecer nesta região do mundo?

Muito vai depender das negociações entre Putin e Prigozhin através do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko. O que é provável é que o assunto já teria sido levantado por Prigozhin e Putin antes do anúncio que o chefe mercenário iria para o exílio em vez de enfrentar acusações sobre o motim.

No que diz respeito à reputação dos mercenários em África, "visivelmente, em Bangui e Bamako, há incerteza e hesitação sobre o que está acontecer", disse Maxime Audinet, do Instituto de Pesquisa Estratégica da Escola Militar de Paris (IRSEM), em referência às autoridades da República Centro-Africana e do Mali.

Muitos websites ligados a Prigozhin e à sua rede mais ampla foram bloqueados, mas apenas na Rússia, observou . "Ao delegar poderes ao grupo Wagner para que este pudesse atuar em operações militares no lugar do Estado russo deu-lhe muito mais espaço de manobra do que era esperado", disse à AFP.

"Calculo que nas discussões [entre Putin-Prigozhin], a questão de todas as atividades externas (da Wagner) foi colocada em cima da mesa. "A rede Prigozhin tornou-se o elemento dominante da presença da Rússia na África subsaariana nos últimos anos", disse Audinet.

"Podemos esperar que o frágil equilíbrio entre o Estado russo e os atores não estatais no continente seja abalado."

Pode levar tempo até a poeira assentar

O grupo "Wagner tinha alguma liberdade nos seus projetos na África", disse Pauline Bax, vice-diretora do programa África no International Crisis Group, à AFP.

"A menos que haja cooperação com o Ministério da Defesa (russo), não vejo como o grupo pode continuar as suas operações nos vários países africanos.

No entanto, Putin "não pode enviar soldados russos em substituição dos mercenários Wagner”. Por essa razão, a vice-diretora “não acredita que o grupo saia do continente imediatamente", disse.