O requerimento foi elaborado pelos deputados do PSD Miguel Morgado, Nilza Sena e Bruno Vitorino e foi assinado, entre outros, pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, pelos sociais-democratas Maria Luís Albuquerque, Hugo Soares, Adão Silva ou Marques Guedes, e pelos democratas-cristãos João Almeida, Pedro Mota Soares, Telmo Correia ou Filipe Anacoreta Correia, entre outros, totalizando um número muito acima dos 23 parlamentares exigidos pela Constituição para estes pedidos.

O pedido de fiscalização sucessiva de constitucionalidade foi anunciado no dia do último plenário da legislatura e será entregue pelas 16:00 no Palácio Ratton, incidindo em duas alíneas (1 e 3) do artigo 12.º da lei que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa, aprovada em 12 de julho do ano passado com votos contra de PSD e CDS-PP.

“A ideologia de género, tal como qualquer outra ideologia, pode ser promovida e discutida no espaço público democrático. Decorre de vivermos em democracia num regime de liberdades. Mas a Constituição muito justamente proíbe que o Estado promova no sistema de ensino a propagação de ideologias, religiões ou doutrinas. É só isso que aqui está em causa na nossa iniciativa: a protecção da escola face às ideologias - no caso desta lei, a de género”, argumentou Miguel Morgado à Lusa, salientando que o pedido de fiscalização sucessiva abstrata não incide sobre o direito consagrado na lei à autodeterminação da identidade de género.

O artigo 12.º da lei é relativo à educação e ensino e refere, na sua alínea 1, que “o Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas”, detalhando procedimentos que incluem a formação adequada para docentes e outros profissionais do setor.

Na sua alínea 3, o mesmo artigo estabelece um prazo de seis meses desde a publicação da lei (em agosto) para que os membros do Governo responsáveis pelas áreas da igualdade de género e da educação adotem “as medidas administrativas necessárias” para a sua implementação.

Na fundamentação jurídica do pedido, os signatários defendem que “a Constituição da República Portuguesa não só garante ‘a liberdade de aprender e ensinar’ (artigo 43, nº1), como protege a escola portuguesa da intromissão do Estado, e do poder político, na programação da educação e da cultura, ‘segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas’(artigo 43, n.º2)”.

“O uso doutrinário e ideológico da sustentação teórica para determinadas abordagens às questões da identidade de género configura, por conseguinte, o exemplo de conteúdos que não são permissíveis nas escolas portuguesas à luz das proteções conferidas pela Constituição, violando o seu artigo 43.º”, consideram.

Por outro lado, os 85 deputados do PSD e CDS-PP afirmam que o artigo 12.º da lei sobre a identidade de género “deixa por determinar o campo de ação da Administração e do Ministério da Educação na execução das disposições legais”.

“Isto é, confere uma latitude por balizar ao braço administrativo e executivo do Estado, violando o princípio constitucional da determinabilidade da lei”, defendem.

Por último, os requerentes consideram que a imposição do ensino destes conteúdos a todas as escolas constitui “uma flagrante violação da autonomia que lhes é conferida pela Constituição”.

“Em nosso entender, o uso político que é dado aos chamados ‘estudos de género’ constitui uma ideologia, em todos os seus aspetos, e, portanto, goza de todos os direitos de apresentação, discussão, crítica e exortação no espaço público que as demais ideologias também gozam”, acrescentam, salientando que o que está em causa é a inclusão destes conteúdos “nas escolas portuguesas no percurso de toda a escolaridade obrigatória”.

Os deputados ressalvam que aquilo que qualificam de “ideologia de género” nada “tem a ver com o valor político, constitucional, moral e legal da igualdade de género – da igualdade entre homens e mulheres na sociedade, no mercado de trabalho, na política, nas oportunidades e no acesso em geral”, que consideram ser um valor “inegociável”.