Num mundo ideal, os cidadãos teriam de pagar em impostos um quarto do salário que recebem?
Bondade sua, porque no nosso mundo, que manifestamente não é ideal, há muitos cidadãos que pagam metade do seu rendimento em impostos. Isto significa trabalhar janeiro, fevereiro, março, abril, maio e todo o resultado desse trabalho ser entregue ao Estado. Ora bem, sabemos que o socialismo vive com o dinheiro dos outros, o mundo ideal não seria socialista. Infelizmente, como em Portugal bem se vê, o socialismo manda muito, e quando as coisas assim acontecem os cidadãos pagam ainda mais. Num mundo ideal os cidadãos pagariam menos e o mundo seria menos socialista.
Se tivesse de escolher, e tem mesmo de optar, a União Europeia devia fazer uma aliança comercial com a China ou com os Estados Unidos?
A União Europeia tem várias alianças com os Estados Unidos mas, manifestamente, tudo o que tenha que ver com alianças com os Estados Unidos ou a China, os Estados Unidos, que são nosso parceiro há muitos anos, há muitas décadas, na verdade - e, quanto mais não seja, no século XX salvaram a Europa das ditaduras em duas guerras mundiais, perdendo muitos dos seus nessas guerras. Os Estados Unidos significam os nossos valores de referência ocidentais, um aliado político, comercial e militar. Os Estados Unidos, por isso.
Acredita que é possível travar as alterações climáticas na legislatura europeia que agora começa?
Não, não acredito. Muito embora deva ser nosso esforço tentá-lo todos os dias, e eu assim o farei, desde logo.
Nos Censos de 2021 o INE devia ou não incluir uma pergunta sobre a origem étnica, as raízes, das pessoas?
Do ponto de vista sociológico, terá o seu interesse perceber a origem das pessoas. Num país como Portugal, feito da mistura de tantas origens, porventura o resultado seria estranho. Mas enfim, depende da perspetiva com que se encara o problema.
A União Europeia deve ter um exército próprio?
A União Europeia não deve ter o seu próprio exército. A União Europeia deve salvaguardar e privilegiar a parceria dos diferentes países com a NATO, que tem garantido a paz seguramente desde o final da Segunda Guerra Mundial. Por isso, o que defendo é que cada Estado tenha o seu exército, que é uma manifestação e uma parcela de soberania clássica, integrado, no caso português, na NATO, e contribuindo aí com o seu esforço.
Se não é o presidente que manda nisto tudo, e dizem-nos que não é, o que está a tornar tão difícil chegar a um consenso sobre quem serão os presidentes das diversas instituições da União Europeia?
O presidente não manda nisto tudo, mas os presidentes mandam muito. Mandam muito no Conselho, na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu. Com bem se vê, na geopolítica europeia não se resume tudo a uma instituição ou a um projeto, resume-se, maioritariamente, acredito, a nacionalidades e a interesses estratégicos. E a vontade de cada país é fazer prevalecer a sua nacionalidade e o seu interesse estratégico.
Normalmente os alemães não gostam de ver os franceses a mandar. Normalmente os franceses não gostam de ver os alemães a mandar. Antes, uns e outros não gostavam de ver os ingleses a mandar. E assim se justifica que, às vezes, representantes de países mais pequenos, sem grande expressão, acabem mandando, e nisso a União Europeia acabe também muitas vezes mais fraca, porque as escolhas não são as dos protagonistas ideais.
O que aqui se percebe, no caso, neste momento, neste dia, desde logo - porque se está a votar a presidência para o Parlamento Europeu - é como, além do mais, os diferentes países e a União não aprendem com os erros e, quando o Brexit ainda é uma possibilidade, na primeira escolha possível, na sequência e na pendência do processo, a fragilidade acontece, a desagregação institucional mostra-se e as escolhas são muitas vezes um pouco bizarras. Mas, enfim, a política europeia também é como é e justifica muito o estado atual dos tempos.
Qual foi a primeira coisa que fez quando chegou a Estrasburgo?
A primeira coisa que fiz quando cheguei a Estrasburgo foi saber onde era o meu gabinete, porque tinha sido alterado. E, em segundo lugar, saber onde estavam as minhas coisas, que até hoje não apareceram e estarão guardadas em caixas algures aqui neste edifício.
Descreva a última vez que se irritou.
A última vez que me irritei?... Eu tenho irritação fáceis, mas rápidas, digamos. A última vez que me irritei, assim verdadeiramente, sentindo... Olhe, eu diria que talvez com a forma miserável como um dito consórcio de jornalistas aqui em Bruxelas se permitiu, em plena campanha eleitoral, fazer um ranking martelado de influência, onde, entre outras coisas, achou normal dar pontos de avanço a quem era eurodeputado socialista pelo facto de pertencer ao partido que está no governo.
Ora, esta forma institucional de elaborar notícias falsas, influenciando resultados nas urnas, em plena campanha eleitoral, dando vantagem a alguns, que por acaso são socialistas - mas deve ser só por acaso -, deixou-me manifestamente irritado. Porque é muito bonito nos discursos, todos, nomeadamente alguma comunicação social - e Portugal tem extraordinária comunicação social, desde logo na Assembleia da República - dizer-se isenta e disposta a combater as fake news e no fim acabar por ser o protagonista dessas fake news, quando a liberdade e a democracia deviam imperar nas urnas.
Eu, que fui vítima dessas fake news, manifestamente, nesse momento irritei-me. E acho que a comunicação social, pouca, que se prestou a este papel, devia aprender nisto o exato oposto do que é o código deontológico, que conheço bem porque, como advogado, já defendi jornalistas e já defendi lesados, sei exatamente do que falo.
Tem alguma comida de conforto?
Tenho, o bacalhau. De qualquer forma, o que é uma escolha muito portuguesa e nada imaginativa, mas seguramente dos meus pratos favoritos.
Alguém merece ter cem milhões de euros?
Se for pelo trabalho, manifestamente. Eu, que acredito na distinção pelo mérito, se alguém justificar na diferença e nesse mérito um muito melhor rendimento, naturalmente que sim. Se alguém, por exemplo, salva vidas, se alguém encontra uma inovação extraordinariamente tecnológica que melhora a vida de todos, se alguém é um grande empresário, um grande comerciante, um grande trabalhador, manifestamente que sim.
Se alguém tem a sorte de ganhar o Euromilhões, porventura também, embora aí o sentido de justiça não seja tão grande. Acredito na distinção pelo mérito e não vejo nenhuma desvantagem em quem tem dinheiro, preocupa-me é quem não tem. Infelizmente, há demasiadas pessoas neste planeta que têm muito pouco e algumas que não têm nenhum.
Afinal, da esquerda à direita, os deputados europeus não são tão diferentes como poderíamos pensar. A maioria acredita mesmo que não pagamos demasiados impostos, é contra um exército europeu, prefere os EUA à China, admite irritar-se com facilidade e é bom garfo. Ainda assim, há diferenças. Estas foram as respostas de Nuno Melo, mas o eurodeputado do CDS não foi o único a responder. Saiba mais aqui.
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