Mohammed Badru, do Bangladesh, contou à Lusa que chegou à Loja do Cidadão nas Laranjeiras às 22:00 de terça-feira, preparado para passar a noite na rua em troca da garantia de ser atendido por um funcionário do serviço de finanças.
Badru era hoje o primeiro da fila. Kul Pragal, do Nepal, também precisava de tratar de papeladas nas finanças e chegou poucos minutos depois de Bradu. Kul foi o 3.º a pôr o seu nome numa folha de papel A4, que um dos presentes prudentemente levou de casa.
“Conforme vão chegando aqui, as pessoas escrevem o nome para não haver confusões, porque passamos aqui a noite, estamos a dormir e de manhã, quando abrem as portas, poderia haver confusões na ordem. Assim não há problemas”, contou à Lusa Fernando, que chegou às 23:30 para tratar de documentos nas Finanças e na Segurança Social. Às 6:30, a lista tinha 66 inscritos.
“Sou de São Tomé e já dormi no chão para conseguir arranjar comida, mas nunca para tratar de documentos”, criticou Fernando, que não quis dar o apelido, apesar de o seu nome aparecer em 6.º lugar na folha.
Ao seu lado, Manuel Afonso era o 7.º da lista. Também chegou na terça-feira e, pela conversa, era um repetente. Contou à Lusa que “houve um dia em que, à uma da manhã, apareceram uns voluntários a oferecer pão”.
Hoje, o seu objetivo era arranjar senha para uma senhora de nacionalidade brasileira. Manuel chegou de véspera, dormiu no chão e quando a senhora chegou, já de manhã, tinha uma caixa de madeira, usada habitualmente pelos minimercados para armazenar fruta ou legumes, para poder esperar sentada pela abertura da Loja.
À Lusa não quiseram explicar porque tinha ficado o são-tomense toda a noite numa fila a guardar lugar para outra pessoa.
A senhora, que não quis dar o nome, contou apenas que começou por tentar, sem sucesso, fazer uma marcação ‘online’ em todos os serviços de Finanças em Lisboa. “Consegui uma vaga nos serviços de Coimbra e fui até lá, mas quando cheguei, a funcionária disse-me que o sistema estava em baixo, e voltei para Lisboa sem nada tratado”, desabafou.
A solução passou por Manuel Afonso. Quando questionada sobre se tinha pago pela senha, permaneceu calada. Mas, outras pessoas que aguardavam na fila, como Neusa Figueira, disseram à Lusa que “há pessoas que vêm para aqui só para depois venderem as senhas”.
Quando as portas da Loja do Cidadão abriram, às 8:30, havia 178 pessoas à espera. À Lusa, uma agente da PSP revelou que “para o que é habitual, até está pouca gente”.
“Há dias em que a fila dá a volta ao quarteirão. Mas não se justifica virem para aqui de noite. Há pessoas que chegam a meio da tarde e conseguem tratar dos documentos sem qualquer problema”, garantiu a agente da polícia.
No entanto, sete minutos após a abertura das portas, uma funcionária da Loja do Cidadão anunciou: “Já não há mais senhas para o número fiscal. Esgotou”. Manuel Afonso conseguiu senha sem problemas, ao contrário de Mirian Sala, que esteve à espera desde as cinco da manhã.
“Preciso urgentemente de regularizar a minha situação. Sei que existem advogados que pedem 50 euros por cada documento. Por exemplo, tratar do NIF são 50 euros, tratar do cartão de utente são outros 50 euros. Acho errado, mas mesmo que não achasse, também não podia pagar”, contou a jovem, falando em “serviços ilegais” que passam de boca em boca entre os imigrantes: “É como se fosse uma máfia. Perguntaram-me se queria, mas não tenho dinheiro”.
Quem não pode arriscar-se a não conseguir senha chega ainda de noite à porta dos serviços, como Maria Capitão, que saiu de Alfornelos de madrugada para estar às cinco da manhã nas Laranjeiras.
A jovem de 33 anos, grávida de oito meses, esteve três horas à espera, até que uma agente da PSP pediu aos funcionários da Loja do Cidadão, que deixassem a rapariga entrar e esperar numa das cadeiras.
“Tive de vir de táxi, gastei 7,90 euros, porque a essa hora não há transportes públicos para aqui”, contou, recordando que às 05:00 já tinha 32 pessoas à sua frente, mas teve “a sorte de estar grávida e ter prioridade”.
Às 09:00 já não havia fila a porta da Loja do Cidadão. Teresa Fonseca chegou pouco depois, tirou uma senha para a Segurança Social e disse à Lusa desconhecer que havia pessoas que dormiam ao relento para terem a certeza que seriam atendidos.
Um funcionário da Loja do Cidadão confirmou à Lusa que “as senhas para as Finanças e para a Segurança Social esgotam sempre, é uma questão de horas. Hoje foram as Finanças”.
Os serviços de Finanças funcionam durante a manhã por ordem de chegada e à tarde por marcação. Mas só há 25 senhas por dia e, lá dentro, apesar de haver seis balcões, só estavam duas funcionárias a atender ao público às 9:00 de hoje.
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