“Se eu for apanhado com 0,1 gramas de cocaína, sou considerado consumidor. Se for apanhado com 0,1 gramas de ‘bloom’ [Alpha PHP, droga sintética com efeito semelhante à cocaína], sou considerado traficante”, explicou à agência Lusa, realçando que o enquadramento legal não permite proteger o consumidor como doente.
Nelson Carvalho disse que, além de ações de prevenção nas escolas, no meio laboral e na comunidade, a atuação da UCAD passa também pela “prevenção ambiental”, colaborando na elaboração de legislação para agilizar o combate ao tráfico.
O responsável apoia, por isso, o projeto que o PSD entregou recentemente na Assembleia da República para alterar a Lei 15/93, equiparando as drogas sintéticas às clássicas e passando a aplicar-se às novas substâncias psicoativas (NSP) a distinção existente entre consumidor e traficante e entre contraordenações e crime com referência às doses diárias.
“Com uma lei mais eficaz, vamos ter tanto a repressão como a prevenção mais encaixadas e vamos ter mais e melhores resultados”, afirmou, lembrando que, ao nível da região autónoma, os órgãos de governo próprio já esgotaram a sua capacidade legislativa na matéria.
Numa primeira fase, em 2012, quando o consumo de NSP se tornou mais expressivo no arquipélago e motivou 206 internamentos na Casa de Saúde São João de Deus, o parlamento da Madeira aprovou legislação para fechar as ‘smart shops’, onde a droga era comercializada livremente.
Mais tarde, em 2017, estipulou a diferenciação entre tráfico e consumo, com indicação das quantidades, mas apenas em termos contraordenacionais.
Em 2021, ano com o registo mais elevado de internamentos por consumo de drogas sintéticas – 233 –, a Assembleia Legislativa da Madeira pediu a São Bento a criminalização total das novas substâncias psicoativas, mas a proposta foi rejeitada.
Já este ano, o parlamento regional remeteu um diploma à Assembleia da República para acelerar o aditamento das novas drogas à lista de substâncias proibidas, conforme indicação dos organismos internacionais, um processo que deveria ocorrer no prazo de seis meses, mas tarda entre 20 a 24 meses em Portugal.
“Entretanto, neste espaço surgem à volta de 100 novas substâncias”, alertou Nelson Carvalho, lembrando que em 2022 a lista de NSP da União Europeia apontava para 915 substâncias proibidas, quando ao nível mundial circulavam 1.152.
O facto de um número significativo de substâncias não constar da lista facilita o tráfico e dificulta a atuação das autoridades, enquanto o sentimento de insegurança cresce na comunidade madeirense face aos recorrentes episódios de surtos psicóticos na via pública.
“São drogas mais baratas e muito mais aditivas”, explicou Nelson Carvalho, apontando para valores que variam entre os 2,5 e os cinco euros à dose, sendo possível encomendá-las ‘online’.
Por outro lado, disse, existe a perceção de que estar na posse destas substâncias não constitui crime, “o que é falso”.
“Neste momento, as drogas sintéticas mais consumidas na Madeira, que são o Alpha PHP e mais dois ou três canabinoides, já estão criminalizadas”, referiu o diretor da UCAD, alertando, no entanto, para o facto de as autoridades policiais não disporem ainda de meios para proceder à identificação das substâncias apreendidas no prazo de 48 horas, período durante o qual podem manter os suspeitos sob detenção.
“A análise é feita no continente e a resposta tarda seis meses. O indivíduo continua em liberdade e a vender”, lamentou, considerando que esta circunstância será colmada com a instalação na Madeira de um laboratório de toxicologia da Polícia Judiciária, previsto para breve.
“Com o laboratório da PJ e com a lei revista, passará a ser possível deter o traficante e proteger o consumidor, como acontece com as outras drogas”, reforçou.
Comentários