A proposta do Governo, aprovada em Conselho de Ministros em fevereiro, funcionará como uma “lei-chapéu” para reforçar o poder local, que estabelece as competências e os respetivos meios financeiros a transferir para os municípios, as freguesias e as entidades intermunicipais.
O Governo pretende que as novas competências, com caráter universal, não ponham em causa a natureza pública das políticas e que garantam a universalidade e igualdade no acesso ao serviço público.
Tendo em conta a realização de eleições autárquicas em setembro ou outubro deste ano, o processo inicia-se em 2018, admitindo-se o faseamento até ao fim de 2021, com transferência de “recursos humanos, patrimoniais e financeiros”, revisão da Lei das Finanças Locais e do “regime de organização dos serviços e do estatuto do pessoal dirigente” das autarquias para o exercício das novas competências.
As competências a transferir estão sobretudo nas áreas da Educação, Ação social, Saúde, Proteção Civil, Cultura, Património, Habitação, mas incluem também a gestão das áreas portuário-marítimas, do cadastro rústico e gestão florestal, a gestão de transportes e vias de comunicação e saúde animal, entre outras.
No entanto, o verdadeiro alcance da reforma depende da discussão parlamentar que hoje se inicia.
Em declarações à agência Lusa, a deputada e coordenadora autárquica socialista, Maria da Luz Rosinha, admitiu que o grupo parlamentar do PS, no momento da discussão na especialidade, irá apresentar eventualmente “alguns ajustamentos” à proposta do Governo.
Berta Cabral, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, salientou que o partido defende a descentralização em áreas como a Saúde, Educação e Cultura, mas “existem áreas que devem continuar a ter uma política nacional”, como por exemplo as competências na avaliação de imóveis para efeitos do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), porque “a política fiscal tem de ser nacional, independentemente de quem são os beneficiários da receita”.
Pedro Soares, do BE, mostrou-se preocupado por muitas autarquias não estarem preparadas “para um conjunto de funções, além de que [o processo] confere aos municípios uma excessiva concentração de poderes que tem a ver com a universalidade do Estado social”.
O deputado André Silva, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), criticou a “ausência da tutela da administração central em matéria de fiscalização em áreas como saúde animal, segurança alimentar, proteção e bem-estar animal, áreas protegidas, questões ambientais, entre outras”.
O PCP apresentou um projeto de lei para assegurar que a transferência de competências para as autarquias é acompanhada dos adequados meios humanos e financeiros e anunciou que, posteriormente, vai propor a criação das “autarquias metropolitanas” de Lisboa e Porto, com eleição direta das assembleias.
O projeto de lei do CDS-PP propõe que a transferência de competências na “educação, saúde, ação social, proteção civil, praias, gestão florestal, saúde animal e segurança alimentar, património e habitação” se concretize em janeiro de 2018, com exceção dos imóveis de habitação social, que devem ser antes recuperados pelo Estado.
A discussão da proposta no parlamento terá ainda os contributos das associações que representam os municípios e freguesias.
Proposta do Governo ponto a ponto
O Governo propõe a transferência de novas competências para os órgãos municipais nos seguintes domínios:
Educação - Participar no planeamento, gestão e investimento nos estabelecimentos públicos de educação e de ensino integrados na rede pública dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, secundário, incluindo o profissional.
Na rede pública de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, assegurar as refeições escolares e gestão dos refeitórios, apoiar beneficiários da ação social escolar e recrutar e gerir o pessoal não docente.
Garantir o alojamento aos alunos do ensino básico e secundário, como alternativa ao transporte escolar e participar na organização da segurança escolar, com respeito pelos órgãos das escolas.
Ação social - Assegurar o serviço de atendimento e de acompanhamento social, elaborar as Cartas Sociais Municipais, incluindo o mapeamento de respostas existentes ao nível dos equipamentos sociais, em articulação com as prioridades definidas a nível nacional e regional.
Concretizar atividades de animação e apoio à família para as crianças que frequentam o ensino pré-escolar, elaborar relatórios de diagnóstico técnico e de atribuição de prestações pecuniárias de caráter eventual em situações de carência económica e de risco social, celebrar e acompanhar os contratos de inserção dos beneficiários do rendimento social de inserção.
Desenvolver programas nas áreas de conforto habitacional para pessoas idosas, em articulação com entidades públicas ou instituições particulares de solidariedade social.
Saúde - Participar no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos a novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção.
Gerir os trabalhadores, inseridos na carreira de assistentes operacionais, das unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que integram o Serviço Nacional de Saúde.
Participar nos programas de promoção de saúde pública, comunitária e vida saudável e de envelhecimento ativo.
Proteção civil - Aprovar os planos municipais de emergência de Proteção Civil, apoiar equipas de intervenção permanente das associações de bombeiros voluntários.
Participar na gestão dos sistemas de videovigilância e de vigilância móvel no âmbito da defesa da floresta contra incêndios e assegurar o funcionamento do centro de coordenação operacional municipal.
Cultura - Gerir, valorizar e conservar património cultural que, sendo classificado, se considere de âmbito local, assim como os museus que não sejam nacionais.
Autorizar e fiscalizar espetáculos de natureza artística e conceder autorização para a realização de espetáculos tauromáquicos.
Património - Gerir o património imobiliário público sem utilização, afeto à administração direta e indireta do Estado ou a entidades integradas no setor empresarial do Estado, incluindo partes de edifícios.
Proceder à avaliação e reavaliação de imóveis, mediante condições a definir por decreto-lei.
Exercer competências atualmente detidas pelos serviços de finanças, nomeadamente na iniciativa para avaliação, designação de peritos avaliadores e decisão de reclamações, mediante alteração legislativa, no prazo de 180 dias, ao código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
Habitação - Gestão de programas de apoio ao arrendamento urbano e à reabilitação urbana.
Titularidade e gestão dos bens imóveis, destinados a habitação social, que integram o parque habitacional da administração direta e indireta do Estado, com exceção de casas de função em utilização.
Áreas portuário-marítimas - Gestão de áreas afetas à atividade da náutica de recreio e os bens imóveis aí integrados, bem como os bens móveis afetos, abrangendo as atualmente incluídas nas autoridades portuárias.
Gerir as áreas dos portos de pesca secundários e os bens imóveis aí integrados, bem como os bens móveis afetos, abrangendo as atualmente incluídas nas autoridades portuárias.
Gestão de áreas sob jurisdição dos portos sem utilização portuária reconhecida ou exclusiva, bem como áreas urbanas de desenvolvimento turístico e económico não afetas à atividade portuária.
Concessionar, autorizar, licenciar e fiscalizar atividades realizadas nas instalações abrangidas neste domínio.
Praias marítimas, fluviais e lacustres - Proceder à limpeza e recolha de resíduos urbanos.
Manter, conservar e gerir infraestruturas de saneamento básico, de abastecimento de água, energia e comunicações de emergência, de equipamentos e apoios de praia, de equipamentos de apoio à circulação pedonal e rodoviária, incluindo estacionamentos.
Assegurar a assistência a banhistas, sem prejuízo da definição técnica das condições de segurança, salvamento e assistência a definir pela entidade competente.
Concessionar, licenciar e autorizar infraestruturas, equipamentos, apoios de praia ou similares nas zonas balneares, cobrar taxas devidas e instaurar contraordenações e aplicar coimas.
Cadastro rústico e gestão florestal - Coordenar as operações de elaboração e recolha de informação cadastral.
Participar no ordenamento, gestão e intervenção de âmbito florestal.
Transportes e vias de comunicação - Gestão de todas as estradas nos perímetros urbanos e dos equipamentos e infraestruturas, salvo os troços explorados em regime de concessão ou subconcessão, sem prejuízo das competências das entidades intermunicipais.
Licenciamento do transporte regular fluvial ou marítimo ou em outras vias navegáveis de passageiros.
Estruturas de atendimento ao cidadão - Instituir e gerir os Gabinetes de Apoio aos Emigrantes, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e com a rede nacional de Lojas do Cidadão.
Instalar novas Lojas do Cidadão, cabendo-lhes posteriormente a sua gestão, bem como de Espaços do Cidadão, em articulação com a rede nacional.
Instituir e gerir os Centros Locais de Apoio e Integração de Migrantes.
Policiamento de proximidade - Participar, em articulação com as forças de segurança, na definição, de nível estratégico, do modelo de policiamento de proximidade a concretizar.
Saúde animal - Exercer os poderes de autoridade nas áreas de produção, proteção e a saúde animal, e gerir a detenção e o controlo da população dos animais de companhia.
Segurança alimentar - Exercício de poderes de controlo e de autoridade na área da segurança alimentar, sem prejuízo das competências dos órgãos de polícia criminal.
Segurança contra incêndios - Apreciar projetos e medidas de autoproteção, realizar vistorias e inspeções a edifícios classificados na primeira categoria de risco no âmbito do regime jurídico da segurança contra incêndios, com técnicos municipais credenciados pela entidade competente.
Estacionamento público - Regular, fiscalizar, instruir e decidir os procedimentos contraordenacionais rodoviários em matéria de estacionamento nas vias e espaços públicos dentro das localidades, além dos destinados a parques ou zonas de estacionamento.
Modalidades afins de jogos de fortuna e azar - Autorizar a exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo, com exceção dos jogos sociais e apostas desportivas à cota de base territorial.
Delegação de competências nos órgãos das freguesias - Através de contrato interadministrativo, delegar competências nos órgãos das freguesias em todos os domínios dos interesses próprios das populações das freguesias.
A delegação de competências entre os municípios e as freguesias não pode determinar um aumento da despesa pública global prevista no ano da concretização e abarca todo o mandato autárquico.
Competências de entidades intermunicipais - Exercício de novas competências de âmbito intermunicipal, dependentes de prévio acordo dos municípios que as integram.
Planeamento intermunicipal da rede de transporte escolar e da oferta educativa de nível supramunicipal de acordo com os critérios definidos pelos departamentos governamentais.
Planeamento de respostas e equipamentos sociais ao nível supraconcelhio, exercendo as competências das plataformas supraconcelhias, e elaboração de Cartas Sociais Supramunicipais.
Participar na definição da rede de unidades de cuidados de saúde primários e de unidades de cuidados continuados de âmbito intermunicipal.
Emitir parecer sobre acordos em matéria de cuidados de saúde primários e de cuidados continuados, presidir ao conselho consultivo das unidades de saúde do setor público administrativo ou entidades públicas empresariais.
Participar na definição da rede dos quartéis de bombeiros voluntários, elaborar propostas para a definição da rede de julgados de paz e participar em projetos de combate à violência doméstica, apoio às vítimas de crimes e reinserção social de delinquentes.
Desenvolvimento da promoção turística interna sub-regional, participação na gestão dos portos de âmbito regional, gestão de projetos financiados com fundos europeus e participação na gestão das áreas protegidas.
Novas competências próprias das freguesias - Instalar e gerir os Espaços do Cidadão, em articulação com a rede nacional de Lojas do Cidadão e com os municípios, gestão e manutenção de espaços verdes, limpeza das vias e espaços públicos e reparação e substituição do mobiliário urbano instalado no espaço público, com exceção daquele que seja objeto de concessão.
Gestão e manutenção corrente de feiras e mercados, “realização de pequenas reparações nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico”, e autorização da “atividade de exploração de máquinas de diversão”.
Autorizar a “colocação de recintos improvisados”, a “realização de espetáculos desportivos e divertimentos na via pública, jardins e outros lugares públicos ao ar livre”, na sua área de jurisdição, “acampamentos ocasionais” e “fogueiras, queimadas, lançamento e queima de artigos pirotécnicos”.
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