Drenar o pântano. Esta foi a proposta que Donald Trump fez aos norte-americanos em 2016 — e venceu. À procura da reeleição, o atual presidente põe-nos a olhar para Washington DC, capital onde fica difícil distinguir a lama nova da lama velha.
Quando foi eleito, há quatro anos, os Estados Unidos da América passaram a ser outra coisa. O país que se autoproclama o mais poderoso e livre do planeta, via chegar ao mais alto cargo um homem desprezado pelos analistas e ridicularizado pela imprensa. Um mandato depois, Donald Trump lança-se à reeleição — reanimando as críticas e incredulidade que na primeira vez não o viram chegar.
A carreira política de Donald Trump tem a particularidade de poder ser rapidamente resumida: começou em 2016, como presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Apesar de já no passado ter posto a corrida à Casa Branca em cima da mesa (em 1987 e em 2000), só nesta altura Trump foi nomeado pelo Partido Republicano, o mais conservador no sistema bipartidário norte-americano, levando-o ao primeiro cargo político. Porém, apesar de um curto currículo político, os quatro anos que sucederam a eleição foram repletos de polémicas, demissões, ameaças e muito Twitter.
É que não se pode dizer que o político estreante se tenha "adaptado" ao cargo — pelo contrário, adaptou a cadeira na Sala Oval ao seu estilo particular.
O que ele andou para aqui chegar
Longe de se poder definir como o empreendedor que subiu a pulso pelo seu próprio punho, Donald J. Trump nasceu a 14 de junho de 1946 em Nova Iorque. É filho da imigrante Anne MacLeod e de Frederick Trump, um construtor de uma família alemã e promotor imobiliário, com uma grande fortuna reunida da construção de imóveis, hotéis e casinos de luxo.
Aos 22 anos, Donald Trump formou-se em Economia pela Wharton School of Finance, da Universidade da Pensilvânia, e antes de completar os 30 anos assumiu o controlo dos negócios da empresa, reunindo os empreendimentos da família na Organização Trump.
Na década de 1970, Donald Trump envolveu-se no ramo hoteleiro e começou os investimentos e empreendimentos por conta própria.
Em 1977, celebrou o primeiro casamento, que durou 15 anos, com a empresária e modelo checa Ivana Trump, mãe dos seus três filhos mais velhos. O casal foi proeminente na alta sociedade de Nova Iorque durante a década de 1980.
No ano de 1983, foi inaugurada a Trump Tower, um estabelecimento de 58 andares na famosa Quinta Avenida de Nova Iorque, mas o envolvimento financeiro na indústria aérea e nos casinos ditaram o sobre-endividamento e falência de Trump, na década de 1990.
Segundo documentos obtidos pelo jornal The New York Times, Donald Trump tinha uma dívida global de 3,4 mil milhões de dólares no ano de 1990 (cerca de 5,8 mil milhões de euros). O mesmo jornal sustenta que o empresário pode ter beneficiado de isenções fiscais legais com que podia evitar impostos federais durante 18 anos.
Entre 1993 e 1999, Trump esteve casado com a atriz Marla Maples, com quem tem uma filha.
Em 1996, tornou-se proprietário do concurso de beleza Miss Universo e, em 2003, tornou-se produtor executivo e apresentador do reality show O Aprendiz, no canal NBC, durante 14 temporadas. Já em 2005, voltou a casar-se, desta vez com Melania Trump, com quem teve o seu quinto filho.
Além disso, o presidente dos EUA tem mais de 15 livros escritos em seu nome sobre a sua visão de negócios, liderança e política.
O poder não é do povo
Para entender ao pormenor o funcionamento das eleições num país como os Estados Unidos, não chega este texto. Mas entender o processo é, de facto, necessário para compreender como, apesar de ter tido menos 2,8 milhões de pessoas a votar nele, Trump derrotou Hillary Clinton na corrida à Casa Branca.
Resumindo, a eleição presidencial divide-se em voto popular e nos votos do colégio eleitoral. As subdivisões do país levam a que, mesmo tendo mais votos populares, o que realmente conte para a eleição sejam as decisões tomadas pelo colégio eleitoral.
Assim, em janeiro de 2017, Donald Trump tornou-se presidente dos EUA, o mais velho a subir ao cargo, aos 70 anos (recorde que pode ser batido agora por Joe Biden e os seus 77 anos).
O presidente Twitter
Novamente, seria necessário bem mais do que um perfil como este para analisar a presidência de Donald Trump. Uma das suas idiossincrasias está na forma como manteve a relação com a rede social Twitter ao longo de toda a presidência. Apesar de existir a conta oficial do presidente norte-americano, Trump preferiu continuar a usar a sua conta pessoal, onde frequentemente anunciava decisões, criticava adversários ou disparava slogans políticos.
Assim, o presidente criou um caminho mais rápido até aos eleitores: preferindo ser ele a dizer as coisas a convocar a imprensa para as ouvir. Só desde o início deste ano, Donald Trump publicou mais de 10 mil tweets. Se recuarmos ao início do mandato presidencial, em janeiro de 2017, são mais de 28 mil mensagens partilhadas naquela rede social — o dia com mais tweets publicados pelo presidente foi 5 de junho deste ano, duas centenas.
Logo em julho de 2017, Trump clarificou aquilo que fazia na rede social: este uso “não é Presidencial — é PRESIDENCIAL DOS DIAS MODERNOS”, esclareceu, com maiúsculas e tudo.
Mais recentemente, porém, esta presidência aberta ao mundo, onde o líder do governo american se funde com a celebridade, começou a ser visada pela rede social, que tem apagado ou ocultado mensagens de Donald Trump que “violem” as regras da plataforma.
Em maio, pela primeira vez, o Twitter colocou avisos em tweets do presidente (na conta pessoal). Nas mensagens em questão, Donald Trump afirma que o voto por correspondência é “fraudulento” e que “as caixas de correio serão assaltadas”. Esta foi a primeira vez que o Twitter apontou o dedo ao presidente dos Estados Unidos da América, num contexto em que as redes sociais têm sido acusadas de serem permissivas no tratamento e fake news e de mensagens de dirigentes políticos.
“Esses tweets contêm informações potencialmente enganosas sobre o processo de voto e foram assinaladas para fornecer contexto adicional sobre o voto por correspondência”, justificou um porta-voz da plataforma, recordando que a decisão está em linha com a abordagem adotada naquele mês.
Aos dois tweets foi acrescentado um link para um artigo intitulado “Factos acerca dos boletins de voto por correspondência”, que dirige os utilizadores para uma página com verificação de factos e artigos sobre as declarações sem fundamento de Donald Trump.
De seguida, o Twitter retirou uma mensagem do Presidente norte-americano por violação das regras da rede social por “apologia da violência”. “Quando começam as pilhagens, começam os tiros”, declarou Donald Trump num tweet divulgado no contexto dos confrontos entre manifestantes e a polícia que eclodiram em dezenas de cidades norte-americanas após a morte, em 25 de maio, do afro-americano George Floyd, 46 anos, asfixiado em Minneapolis por um polícia branco.
O diretor de estratégia política pública do Twitter, Nick Pickles, disse em junho, durante uma audição parlamentar no Reino Unido, que os tweets de Donald Trump são examinados da mesma forma que os provenientes de outras contas verificadas.
“Cada vez que o tweet de um utilizador é publicado e nos é assinalado, examinamo-lo de acordo com as nossas regras”, disse Pickles no decurso de uma audição virtual no comité parlamentar responsável pelo numérico. “Se um utilizador no Twitter continuar a infringir as nossas regras, continuaremos a manter as discussões sobre todas as possibilidades que se nos oferecem”, acrescentou.
Os deputados perguntaram por duas vezes a Pickles se isso significava que a conta do presidente norte-americano poderia ser suspensa caso prossiga a violação das regras. “Cada conta Twitter está submetida às regras do Twitter”, respondeu.
Na altura, também o Snapchat, uma rede social muito utilizada por jovens, se juntou ao Twitter ao anunciar que iria deixar de promover as mensagens do presidente norte-americano para atenuar as declarações que possam incitar "à violência racial”.
O presidente que mudou a América
Há quatro anos, o candidato Trump assumia a falta de experiência política como um trunfo. Queria “drenar o pântano” de Washington, lavar o poder dos vícios e idiossincrasias dos políticos de carreira. Agora, porém, apresenta-se como alguém que chegou, viu, venceu — e está pronto para a nova ronda.
Para isso, recicla os ’slogans’ da campanha 2016 e recupera a tática política que praticou na Casa Branca: denegrir a imagem dos adversários e explorar os medos dos eleitores.
Conhecido desde os tempos do entretenimento na televisão pela personalidade intempestiva e polémica, Trump fez uma campanha presidencial centrada na construção de um muro na fronteira dos EUA com o México, na revisão de acordos internacionais multilaterais - que, na sua opinião, não favorecem o país -, no fim do chamado “Obamacare” (lei que reformou o sistema dos seguros de saúde americanos) e ainda no reforço da economia, todas ao abrigo do ‘slogan’ “Make America Great Again” (Tornar a América Grande de Novo).
“Washington não mudou Donald Trump. Donald Trump mudou Washington”, garantiu Ivanka Trump, sua filha e uma das conselheiras da Casa Branca, numa intervenção na Convenção Republicana, em final de agosto.
Logo nos primeiros 100 dias de mandato, Trump evidenciou essa tentativa de mudança com numerosos decretos que revogavam as políticas do antecessor, o democrata Barack Obama.
Ivanka acrescentou que a maior qualidade do pai-presidente é que ele não fica pelas promessas, cumpre-as, lembrando uma série de ruturas que Trump continua a anunciar para um segundo mandato e repetindo uma ideia que o pai muitas vezes invoca.
“Por algum motivo, o presidente pensa que quando diz alguma coisa ela se torna realidade”, criticava recentemente Chuck Schumer, o líder da minoria democrata no senado, sintonizando-se com as acusações de falta de estratégia a Donald Trump, repetidas pelo candidato Joe Biden, que o defrontará nas eleições marcadas para 3 de novembro.
Durante o mandato, Trump foi colecionando inimigos na imprensa, desafiou aliados internos e externos, alterou frequentemente o ‘staff’ na Casa Branca, chocou eleitores com declarações inesperadas, irritou o próprio partido com posições extremadas e sofreu com níveis de impopularidade nas sondagens.
Mas a um ano das eleições presidenciais, o bom desempenho da economia norte-americana seguia como o grande trunfo para a sua campanha de reeleição, contrariando o apocalipse previsto em 2016.
Porém, a pandemia de covid-19 trocou as voltas ao candidato republicano, que se encontra debaixo de fortes críticas sobre a gestão da crise sanitária — feita de avanços e recuos — e cercado por casos como o das relações com o governo russo, que levou a um processo de ‘impeachment’, no início de 2020, que não o destituiu, mas que deixou marcas no prestígio que tanto tenta preservar.
O presidente pode estar ferido, mas a verdade é que há quatro anos também o estava, pelo que esse fator não deve ser o único a ter em conta na hora de fazer antevisões.
Apesar de tudo, Donald Trump chegou mesmo a ser proposto para o prémio Nobel da Paz deste ano, pelo envolvimento nos recentes acordos no Médio Oriente entre Israel e países árabes. Assim, acredita agora que pode mudar a própria política, apostando na paz mundial (auto elogiando-se pela retirada de tropas norte-americanos de cenários de guerra) e na segurança interna (acusando os adversários democratas de não conseguirem conter a violência nas cidades que dirigem).
Se, perante a sua falta de experiência política, na anterior campanha Trump se apresentou como um empresário de sucesso, na campanha de reeleição o presidente mostra-se como campeão das vitórias internas e externas, como fez recentemente numa intervenção à Assembleia Geral das Nações Unidas.
É que mais do que simplesmente mudar o país que governa, Donald Trump inspirou um estilo de política centrado num omnipotente líder, que dispara em todos os sentidos (através das redes sociais ou das parangonas dos jornais) e foge sempre que os holofotes se viram para aquilo que tenha feito ou dito.
Todavia, há que ter em conta as cortinas de fumo. Trump apresenta-se como empresário de sucesso — mas os descontos que faz ao estado (que esconde, mas os jornalistas revelam) dizem o contrário.
*Edição por Pedro Soares Botelho
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