O mundo acordou hoje com a notícia de que Donald Trump, presidente dos EUA, acusou positivo ao teste à Covid-19, tal como a sua mulher, a primeira-dama Melania Trump.
Trump já tinha anunciado ter feito um teste à covid-19, depois de Hope Hicks, conselheira presidencial, ter confirmado estar infetada. Agora sabe-se que o teste confirmou as piores previsões e o presidente foi colocado em quarentena na Casa Branca.
Apesar do seu médico, Sean Conley, sugerir que Trump se encontra, para já, saudável, não se sabe o líder norte-americano permanece assintomático ou se já começou a desenvolver sintomas.
O que é neste momento patente é que a novidade já começou a produzir ondas de choque nos EUA, ocorrendo a 32 dias daquela que promete ser uma das eleições mais contestadas e imprevisíveis da história do país, disputada entre Donald Trump, candidato pelos republicanos, e Joe Biden, a correr pelos democratas.
Tendo de ficar a cumprir quarentena durante, pelo menos, 10 a 14 dias — segundo as orientações do Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças (CD), a entidade responsável pelo controlo da pandemia nos EUA —, a campanha de Trump teve já os primeiros revezes hoje. A Casa Branca cancelou a viagem que o presidente tinha programado para sexta-feira ao estado da Flórida, considerado crucial para a votação, e é provável que cancele comícios vindouros no Wisconsin e no Arizona.
No melhor dos cenários, se Trump se mantiver aparentemente assintomático, o presidente ainda assim terá já a desvantagem de se atrasar nas suas ações eleitorais e de perder no cancelamento de comícios e ajuntamentos massivos um dos seus trunfos preferidos, isto numa fase onde mantém a desvantagem para Biden nas sondagens.
No entanto, esta pode apenas ser a ponta do icebergue. Como aponta o jornal New York Times, a postura de Trump desde o início da chegada da Covid-19 aos EUA tem sido a de desvalorizar a gravidade da doença, sendo que ainda ontem disse num jantar de cariz político que “o fim da pandemia está à vista” — isto, quando o país se mantém o mais afetado do mundo, com mais de 7 milhões de infeções e 212 mil mortes devido à doença.
Tendo garantido repetidamente que a Covid-19 estava sob controlo e após pressionar governantes em inúmeras ocasiões a proceder à reabertura da sociedade, o facto de ele próprio agora ficar infetado pode revelar-se um revés para as suas aspirações eleitorais, já que as várias sondagens efetuadas no país demonstram uma opinião negativa quanto à sua gestão da pandemia.
A sua postura, por exemplo, no debate do passado dia 29 de setembro, poderá ter agora sido contraproducente, já que Trump fez pouco de Joe Biden quanto à opção do candidato democrata surgir em público frequentemente com máscara. O Presidente dos EUA, pelo contrário, tem tido uma relação difícil com os equipamentos de proteção individual, ora ridicularizando-os, ora sugerindo pontualmente o seu uso.
O mesmo jornal norte-americano, aliás, aponta que assim o foco das eleições recairá no tema que mais o desfavorece em vez de permitir à sua campanha gerir a narrativa e focar-se em temas como a violência política nas cidades e a necessidade de ordem, as falências políticas do seu adversário Joe Biden ou a nomeação para o Supremo Tribunal de Justiça.
As consequências, porém, são ainda muito imprevisíveis nesta fase e a notícia da infeção até poderá beneficiar o presidente, dependendo da estratégia e do contexto. Como aponta o jornal The Guardian, se Trump permanecer assintomático, poderá servir-se disso para minimizar o perigo da Covid-19 e acusar os democratas de exagerar o impacto da pandemia. Por outro lado, se o seu estado de saúde se agravar, é possível que tal cenário até gere uma onda de empatia pelo seu bem estar — um pouco à imagem do que aconteceu com Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico —, e qualquer crítica pode ser vista como uma tentativa de aproveitamento político.
O que é certo é que, como disse o pneumologista Vin Gupta ao canal MSNBC, “a corrida presidencial foi fundamentalmente alterada”, com o especialista a defender que “não devem haver mais ajuntamentos até ao fim da campanha”. Exemplo dessa alteração forçada, por exemplo, poderá ocorrer a 15 de outubro, data marcada para o segundo debate que poderá agora não acontecer, ou, quanto muito, ser marcado com Trump a participar virtualmente.
Quanto a debates, há quem defenda também que Joe Biden deve ser testado o quanto antes, já que esteve no mesmo espaço fechado que Trump durante o debate. Apesar de manterem distância, a probabilidade do vírus ter-se propagado existe (caso Trump já estivesse infetado à data) e não se sabe se as equipas das duas campanhas coexistiram nos bastidores. Por isso mesmo, a campanha do democrata já fez anunciar que o candidato de 71 anos vai ser hoje submetido a um teste.
Mike Pence a presidente? E Nancy Pelosi?
Existe ainda outro cenário a ter em conta. Se o estado de saúde de Donald Trump entrar num ponto de debilidade elevado a ponto de o deixar incapacitado, não só poder-se-á colocar em cima da mesa a possibilidade de desistir da corrida eleitoral, como até de ser temporariamente substituído na presidência.
Apesar dos vários testes a que foi submetido nos últimos anos oficialmente apontarem para a sua boa saúde, Trump tem 74 anos, excesso de peso — com 110 quilos, é considerado clinicamente obeso — e colesterol alto, pelo que se encontra no grupo de maior risco da pandemia. Como aponta o The New York Times, oito em cada 10 mortes por Covid-19 nos EUA afetaram pessoas com mais de 65 anos.
Se Trump ficar incapacitado de governar, a secção três da 25ª emenda da constituição dos EUA prevê que a possibilidade do vice-presidente assumir a governação. Para tal, o presidente precisa de assinar por escrito para oficializar a transferência, tendo depois de fazer o mesmo quando se sentir recuperado e capaz de governar.
Em toda a história dos EUA, apenas por três vezes foi aplicada esta emenda, criada em 1967, depois do assassínio do presidente John F. Kennedy em 1963. Primeiro foi Ronald Regan, em 1985, quando foi submetido a colonoscopia e passou o poder temporariamente a George Bush. Depois foi o filho deste último, George W. Bush, que passou a governação por duas ocasiões ao seu vice, Dick Cheney, em 2002 em 2007, também devido a colonoscopias.
Já a secção quatro da 25ª emenda, que prevê retirar o poder ao presidente se a sua administração o julgar incapaz, nunca foi invocada.
Existe, portanto, a real possibilidade de Trump ser forçado a transferir a governação para o seu vice-presidente, Mike Pence, que ainda não reagiu oficialmente à notícia, senão para desejar melhorias ao presidente dos EUA.
Este, foi revelado hoje, testou negativo à Covid-19, de acordo com o seu porta-voz, Devin O’Malley. No entanto, na eventualidade de Pence vir a poder ficar infetado, e se também não tiver capacidade para governar, então a lei norte-americana prevê que seja Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a assumir o poder. Só um senão: Pelosi é democrata e tem mantido uma relação fraturada com Trump e a sua administração. As próximas semanas ditarão o futuro do poder nos EUA.
Comentários