"Esta norma aplica-se a todas as pessoas candidatas a dádiva de sangue e vem atualizar a anterior versão da norma, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade para a dádiva de sangue", esclarece a Direção-Geral da Saúde (DGS) em comunicado.

Esta atualização surge na sequência da conclusão pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) do estudo sobre “Comportamentos de risco com impacte na segurança do sangue e na gestão de dadores: critérios de inclusão e exclusão de dadores por comportamento sexual”.

O grupo de trabalho teve ainda, e título consultivo, entidades da sociedade civil.

A nova norma “estabelece que a pessoa candidata a dádiva deve ser esclarecida e informada, de forma não discriminatória, sobre os comportamentos com potencial ao risco infecioso e também as suas formas de prevenção", explicou à Renascença Lacerda Sales, secretário de Estado adjunto e da Saúde.

A nova norma vigora a partir de hoje, "reservando-se, no entanto, um período de 3 meses para a transição e atualização do questionário e do manual de triagem clínica de dadores pelo IPST, I.P".

A 1 de março, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho para rever a norma de 2016 que definia os critérios de inclusão e exclusão de dadores de sangue por comportamento sexual, na sequência da conclusão do estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) sobre “comportamentos de risco com impacte na segurança do sangue e na gestão de dadores”.

A criação deste grupo de trabalho ocorreu na véspera da audição parlamentar, a pedido do Bloco de Esquerda, do IPST e da DGS, "a propósito de denúncia de práticas discriminatórias na doação de sangue por homens que fazem sexo com homens vindas a público".

Na referida audição na Assembleia da República, a DGS reconheceu a necessidade de avançar com uma clarificação da norma em causa, mas rejeitou qualquer discriminação de pessoas pela sua orientação sexual.

“Há, de facto, um aspeto que consideramos que merece clarificação: a norma 9/2016 coloca a referência na sua fundamentação – não no seu componente normativo, mas na fundamentação - num documento técnico-normativo da DGS mais antigo que identifica alguns grupos de risco para a infeção VIH e é esse conjunto de grupos que refere alguns conceitos, como o de homens que tiveram sexo com outros homens. Esta referência cruzada merece certamente uma clarificação”, frisou na ocasião o diretor do Departamento da Qualidade na Saúde da DGS, Válter Fonseca.

No comunicado de hoje, a DGS adianta que a atualização agora publicada se aplica a todas as pessoas candidatas a dádiva de sangue e vem atualizar a anterior versão, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade para a dádiva de sangue.

Depois de salientar que este foi um processo participativo que auscultou a sociedade civil, a DGS assegura que a avaliação das pessoas candidatas à dádiva de sangue realizada durante a triagem clínica passa a ser feita de “acordo com os princípios da não-discriminação” previstos na Constituição, na Lei de Bases da Saúde e numa Resolução aprovada na Assembleia da República.

“Esta avaliação baseia-se nos critérios mínimos de elegibilidade, previstos na legislação em vigor, e na avaliação individual do risco relacionado com comportamentos da pessoa candidata à dádiva de sangue, com vista a garantir a segurança das pessoas recetoras”, refere a DGS, que avança que está determinado um período de 03 meses para a transição e atualização do questionário e do manual de triagem clínica de dadores pelo IPST.

Discriminação de homossexuais voltou a ser notícia em janeiro

A polémica surgiu na sequência do caso de um homem que denunciou ter sido discriminado quando tentou dar sangue no dia 23 de janeiro, no posto fixo de doação do IPST em Lisboa, depois de este organismo ter feito um apelo à dádiva.

A situação passou-se com Bruno Gomes d’Almeida que, depois de três horas na fila e mais uma hora de espera na triagem, foi confrontado com várias questões que partiam do princípio de que teria parceiras. Quando fez questão de corrigir e assumir que tinha um parceiro, ouviu como resposta que “então não pode doar sangue” e que “homens que fazem sexo com homens não podem doar sangue”.

Confrontado o IPST, a resposta dada à Lusa foi que o instituto “não questiona a orientação sexual dos seus potenciais dadores” e que “todo e qualquer cidadão [pode] candidatar-se a dar sangue, sem quaisquer diferenças de género ou orientação sexual”.

Entretanto, o IPST abriu uma averiguação interna a um médico do organismo depois de este ter afirmado que os homens homossexuais estão impedidos de dar sangue, garantindo que esta não é a posição oficial.

Num ‘e-mail’, ao qual a Lusa teve acesso, um médico do IPST escreveu que “os homens que têm sexo com homens estão impedidos de dar sangue. Este critério não [é] nacional. É internacional. Muitos dos países da Europa e do mundo têm essa regra para defesa da saúde do doente que recebe a unidade de sangue”. O autor do 'e-mail', Luis Negrão, apresenta-se como médico de saúde pública.

O clínico sublinha que “90% dos casos de VIH positivos [identificados] nas dádivas de sangue são de homens que têm sexo com homens e que o omitiram na triagem clínica”.

Confrontado com estas afirmações, o IPST confirmou que o médico trabalha para o organismo e que a “situação já está a ser averiguada internamente”.

ILGA Portugal considera que norma tem “cariz histórico”

“A norma toma um cariz histórico por ter contado durante meses com a auscultação, participação e envolvimento da sociedade civil, depois de anos de denúncias e pressão pública pelo fim da discriminação de homens gays e bissexuais dos contextos de dádiva [de sangue]”, refere a associação em comunicado.

Segundo a ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo), as normas e as práticas anteriores centravam-se num “conceito errado de grupo de risco”, baseado no “preconceito que as evidências (provas) científicas vieram finalmente desconstruir", nomeadamente no estudo mais recente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

“Há nesta norma um reconhecimento expresso e cabal de que não existe evidência (prova) científica que corrobore um período de suspensão da dádiva de sangue em função da orientação sexual, uma reivindicação antiga da ILGA Portugal e do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos”, sublinhou Marta Ramos, diretora executiva da associação.

A ILGA Portugal considera agora ser fundamental a realização de campanhas alargadas de formação e sensibilização, principalmente junto de profissionais de saúde que trabalham nesta área e nos vários pontos de recolha de sangue por todo o país.

“Há de facto um avanço histórico nesta matéria. Ainda há naturalmente trabalho a fazer, nomeadamente em relação a pessoas trabalhadoras do sexo e pessoas utilizadoras de drogas injetáveis e inaláveis, tal como em relação a alguns comportamentos considerados de risco infeccioso acrescido, visões que consideramos que devem ser debatidas com urgência pela comunidade científica, nomeadamente pelo próprio INSA, em conjunto com o IPST”, considerou ainda Marta Ramos.