Eça de Queiroz vai ser sepultado no Panteão Nacional, em Lisboa, esta quarta-feira, numa cerimónia suportada na totalidade pela Assembleia da República, que diz ao SAPO24 que tem custos "na ordem dos 85.000,00€".

Segundo a ficha de publicação de Ajuste Direto, de 16 de novembro de 2023, a exumação do corpo, a cargo da agência funerária Servilusa, custou 7040,25€. Por sua vez, a trasladação para Lisboa, num contrato com data de 13 de dezembro de 2023, teve um custo de 6.395,25€ (isentos de IVA).

Desde que a urna saiu de Tormes, no domingo, a responsabilidade pelo que acontece em seguida "deixa de ser da Fundação Eça de Queiroz", explica ao SAPO24 Afonso Reis Cabral, presidente da fundação e trineto do escritor.

"Fico muito contente por, finalmente, ser possível o país prestar esta homenagem a Eça de Queiroz. A minha expectativa, como estou certo de que acontecerá, é que a cerimónia honre o momento e homenageie Eça de Queiroz e seja uma festa nacional, como já tem vindo a ser. Mesmo em Tormes centenas de pessoas prestaram homenagem. Vai ser uma festa de celebração e de agradecimento", afirma.

A propósito das manifestações contra a trasladação, Afonso Reis Cabral nota que "a presença de Eça de Queiroz em Baião nunca esteve em causa, nem nunca estará".

"A Fundação Eça de Queiroz, em Tormes, conta com todo o espólio de Eça de Queiroz, com manuscritos, objetos pessoais. É a própria casa que inspirou 'A Cidade e as Serras', temos milhares de visitas por ano e, portanto, o legado material e imaterial de Eça de Queiroz tem uma presença viva em Baião e continuará sempre a ter", garante.

Nesse sentido, a Fundação Eça de Queiroz continua com inúmeras atividades para preservar esta memória do escritor, com destaque para dois aspetos ao longo deste ano.

"Lançámos e anunciámos no sábado os novos residentes da terceira temporada das bolsas literárias. Vamos ter seis novos residentes este ano, a escrever cada um em Tormes, com todas as despesas pagas — estadia, deslocação, alimentação, honorários — para que durante um mês tenham todas as condições para escrever num sítio que inspirou o próprio Eça de Queiroz", frisa.

Além das bolsas, há também "uma nova edição do prémio literário Eça de Queiroz, com a fundação Millennium BCP. São 10 mil euros para um romance ou novela editados nos últimos dois anos, por autores portugueses com idade não superior a 40 anos".

Como vai ser a cerimónia em Lisboa?

A cerimónia em Lisboa começa às 09h00 junto ao Parlamento, com a presença da Banda de Música e Fanfarra da Guarda Nacional Republicana.

Está previsto que "os vice-presidentes da Assembleia da República, os presidentes dos grupos parlamentares, a deputada única representante de partido [PAN], o coordenador e os membros do Grupo de Trabalho para a Concessão de Honras de Panteão
Nacional a José Maria Eça de Queiroz, os demais deputados e os funcionários da Assembleia da República e dos grupos parlamentares" estejam posicionados na escadaria principal, bem como o presidente da Assembleia da República, "acompanhado pela secretária-geral da Assembleia da República, pelo chefe do gabinete do presidente da Assembleia da República e pela diretora de Relações Internacionais, Públicas e Protocolo".

De acordo com o cerimonial, a urna de Eça de Queiroz, coberta pela Bandeira Nacional, "chega à entrada poente do passeio fronteiro (Calçada da Estrela) com Escolta de Honra Motorizada", às 09h25, e será depois colocada na essa [catafalco onde se colocam os caixões nas cerimónias] enquanto a banda toca o Hino Nacional.

Terminado esse momento, a urna será "colocada no breque fúnebre" e, com "escolta de honra a cavalo", segue caminho até ao Panteão Nacional. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, juntam-se à cerimónia já em Santa Engrácia.

À chegada, às 11h00, a urna com os restos mortais do escritor será levada para o centro do Panteão Nacional, onde ficará em câmara ardente, e vai ser "interpretado o Hino Nacional pelo maestro João Paulo Santos e pela soprano Sara Braga Simões do Coro do Teatro Nacional de São Carlos".

A cerimónia prossegue com a leitura de excertos de "Os Maias", intercalada pela interpretação de "Où voulez-vous aller?", de Charles Gounod. Depois, Afonso Reis Cabral, trineto do escritor, "dirige-se ao púlpito e procede ao Elogio Fúnebre de José Maria Eça de Queiroz".

Também vão ser lidos excertos de "As Farpas", "Uma campanha alegre", "O francesismo", "A Europa", "Notas contemporâneas" e "O Crime do Padre Amaro" e interpretada "Couplets de Lorette", da opereta "A Morte do Diabo", de Augusto Machado, com libreto José Maria Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis, bem como "A Pastoral Song", de Joseph Haydn.

Mas não terminaram as referências à obra de Eça de Queiroz: haverá a leitura de "O Primo Basílio", "A Cidade e as Serras" e novamente de "Os Maias".

Durante a cerimónia esperam-se também as intervenções do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, e do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

No final das leituras e dos momentos musicais, "o presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro encaminham-se para a mesa que se encontra junto do Altar, para assinatura do Termo de Sepultura do Panteão Nacional".

Terminado esse momento, a Banda da Guarda Nacional Republicana toca o Hino Nacional e, "seguidamente, escuta-se o toque de 'silêncio' por um Terno de Charameleiros" da GNR.

Por fim, "a urna é transportada por militares da Guarda Nacional Republicana até à Sala onde se encontra a Arca Tumular, onde fica depositada".

"A Bandeira Nacional que se encontra em cima da urna é dobrada por dois militares da Guarda Nacional Republicana. De seguida, os militares encaminham-se para a nave central do Panteão Nacional e entregam a Bandeira Nacional ao presidente da República que, por sua vez, a entrega ao familiar de José Maria Eça de Queiroz, Afonso Eça de Queiroz Cabral", é ainda explicado.

Como nota que assinala o final da cerimónia, será escutado o toque de "alvorada" e o cortejo das entidades presentes abandona o Panteão Nacional.

Como é que alguém recebe honras de Panteão?

Segundo a lei publicada em Diário da República, "as honras do Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade".

Na prática, estas honras podem consistir em duas formas: "na deposição no Panteão Nacional dos restos mortais dos cidadãos distinguidos" ou "na afixação no Panteão Nacional da lápide alusiva à sua vida e à sua obra".

Em 2021, Santiago Macias, diretor do Panteão Nacional, explicava em entrevista ao SAPO24 que "hoje é preciso esperar 20 anos depois da morte até se poder entrar no Panteão" (ou cinco no caso da lápide).

"A competência é da Assembleia da República, que é também quem decide se essa personalidade tem honras tumulares ou de placa. Depois existe uma comissão de acompanhamento. Atualmente, o Panteão já só tem espaço para acolher os restos mortais de mais quatro pessoas, porque já só há espaço para quatro arcas tumulares", dizia. Assim, depois da entrada de Eça de Queiroz já só ficam três espaços vazios.

Santiago Macias referia também que "chegou a ser proposta e pensada a construção de uma cripta, que é, no fundo o que existe no Panteão de Paris. O governo e a Assembleia da República é que terão de decidir um dia se querem ou não avançar para essa solução ou se preferem uma solução alternativa — ou se, simplesmente, mantêm as 16 arcas tumulares que existem e arranjam uma outra forma de homenagear. Essa é uma decisão que não cabe ao Panteão Nacional, que acolhe e valoriza a obra daqueles que cá estão. Porque não basta colocar a placa ou os restos mortais, é preciso criar momentos de valorização". 

A polémica até se chegar à trasladação de Eça

Em janeiro de 2021, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um projeto de resolução do PS para "conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa".

No entanto, a seguir, um grupo de bisnetos de Eça de Queiroz começou por apresentar uma providência cautelar para impedir a trasladação dos restos mortais do escritor para o Panteão Nacional. Este grupo de herdeiros acabou por levar esse processo até ao Supremo Tribunal Administrativo.

Dos 22 bisnetos do escritor, 13 concordaram com a trasladação para o Panteão Nacional, havendo ainda três abstenções. Também a Fundação Eça de Queiroz se manifestou favorável à trasladação.

Em 25 de janeiro deste ano, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) rejeitou o recurso dos seis bisnetos do escritor Eça de Queiroz, que contestavam a sua trasladação para o Panteão Nacional, permitindo que a homenagem apoiada pela maioria dos descendentes se concretize.

Eça de Queiroz morreu em 16 de agosto de 1900 e foi sepultado em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados do Cemitério do Alto de São João, na capital, para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.

A resolução aprovada em 2021 surgiu em resposta a um repto lançado pela Fundação Eça de Queiroz, nos termos da lei que define e regula as honras de Panteão Nacional.