Depois de a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, ter anunciado na semana passada a criação de uma “task force nacional” para realizar um ensaio clínico alargado para perceber se o uso de plasma humano é seguro no tratamento da infeção pelo SARS-CoV-2, o coronavírus que provoca acovid-19, o IPST já avaliou as capacidades técnicas e logísticas existentes nos serviços de imuno-hemoterapia para a colheita por aférese, um procedimento que permite separar os diferentes componentes do sangue.

“Não só os três Centros de Sangue e Transplantação do IPST - Lisboa, Porto e Coimbra - realizarão esta colheita, como também três serviços de imuno-hemoterapia na região Norte, um na região Centro e três na região Sul”, afirmou a presidente do Conselho Diretivo do IPST, Maria Antónia Escoval, em resposta enviada à Lusa.

Além da identificação destes 10 serviços, o IPST garantiu já ter definido um procedimento e “as diretrizes para a seleção de dadores, colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de plasma convalescente” aos serviços dos hospitais, onde os médicos e as equipas prescritoras vão ter a responsabilidade da realização dos ensaios.

“Durante o mês de maio proceder-se-á ao recrutamento voluntário de doentes convalescentes e à sensibilização dos mesmos através dos médicos assistentes”, esclareceu Maria Antónia Escoval, acrescentando que “em simultâneo, um grupo de trabalho, no âmbito do Ministério da Saúde, definirá os critérios mínimos de inclusão e exclusão dos doentes para entrarem em ensaios clínicos”.

Ensaios com plasma humano para tratar doentes com covid-19 já tiveram lugar na China e em Itália, denotando resultados promissores, apesar do âmbito restrito dos mesmos. Em Portugal, o arranque do ensaio vai ser feito através de um apelo aos doentes recuperados para a dádiva - embora o IPST tenha admitido que “não é a única” solução disponível –, sendo que a demonstração de vontade de participação poderá ser feita pela internet.

Questionada sobre a existência de riscos associados à transfusão de plasma convalescente para doentes com covid-19, como um hipotético aumento do risco de infeção reportado em casos raros no tratamento de outras patologias, a presidente do Conselho Diretivo do IPST vincou que “os benefícios parecem superar os riscos” e que a minimização destes riscos “está associada à seleção dos dadores”.

No lançamento dos ensaios clínicos com plasma anunciados pela Direção-Geral da Saúde (DGS) estão ainda envolvidos o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e o Infarmed. Questionadas pela Lusa sobre o papel a assumir neste processo, as duas entidades remeteram por agora quaisquer explicações para o IPST, ao qual foi atribuída a coordenação do ensaio.

Especialistas veem uso de plasma sanguíneo como “passo intermédio” até à vacina

Perante o arranque previsto para este mês de um ensaio clínico alargado, o pneumologista Filipe Froes manifestou a expectativa de se “acrescentar mais uma arma potencialmente útil” ao combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus.

“O que pretendemos é disponibilizar uma terapêutica promissora, enquadrada num contexto de avaliação de eficácia e de toxicidade. Neste momento, só é legítimo fazer estas terapêuticas englobadas em protocolos clínicos e investigacionais que garantam duas premissas essenciais: monitorizar a eficácia comparativamente com não fazer isto e monitorizar a segurança em termos de toxicidade e riscos”, afirmou à Lusa o membro da ‘task force’ da Direção-Geral da Saúde (DGS).

O ensaio clínico vai ser coordenado pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), contando ainda com a colaboração do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e o Infarmed. Para Filipe Froes, um eventual tratamento com plasma convalescente na ausência de um medicamento ou vacina especificamente criados para a covid-19 surge como mais uma etapa no travão da pandemia.

“O ideal será o desenvolvimento de um fármaco específico e o futuro, provavelmente, passará pela vacina. A utilização do plasma será um passo intermédio até ao desenvolvimento desses dois grandes avanços: o fármaco específico e a vacina, que, provavelmente, será o fator decisivo e terminal da pandemia”, sublinhou, enfatizando ainda a importância deste ensaio pela possibilidade de “abrir todo um campo de investigação” para o futuro.

Paralelamente, a diretora do Laboratório de Imunologia Clínica no Instituto de Medicina Molecular, Ana Espada de Sousa, explicou à Lusa que o recurso ao plasma de doentes recuperados “nunca será uma terapêutica para todos os doentes”, por ter “objetivos muito específicos” e uma “janela de oportunidade” limitada aos casos moderados ou graves.

“Nas fases muito deterioradas, em que o processo [inflamatório] já esteja muito estabelecido, se calhar já há muitas lesões e não é tão útil. Por isso, são os doentes moderados ou graves e não os extremamente graves [a receber o tratamento com plasma], porque nesses casos poderá já haver uma deterioração de outros processos a contribuir para a doença e que não seja tanto por ação direta do vírus”, observou.

De acordo com a médica imunologista, a recolha de mais dados neste ensaio alargado é essencial para determinar que se trata de “uma terapêutica segura e eficiente”, acautelando eventuais complicações e estabelecendo parâmetros numa relação risco-benefício para os doentes.

“Em alguns casos raros está descrito que os próprios anticorpos possam agravar o processo inflamatório. Embora seja muito raro, é uma questão que tem de se ter presente. Os doentes que têm insuficiência respiratória e em que o quadro clínico da covid-19 é mais grave associam-se, muitas vezes, processos inflamatórios exagerados e é esse o risco que pode existir”, alertou.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 227 mil mortos e infetou quase 3,2 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Cerca de 908 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 989 pessoas das 25.045 confirmadas como infetadas, e há 1.519 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 227 mil mortos e infetou quase 3,2 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Cerca de 908 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 989 pessoas das 25.045 confirmadas como infetadas, e há 1.519 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.