Rui Rio chegou cedo. O líder do PSD chegou ao Cineteatro do Capitólio, em Lisboa, pouco depois das oito da noite. Os jornalistas perguntaram-lhe pela “postura pouco agressiva” que tem mantido nos debates. Rio explicou que os debates são para “elucidar as pessoas” e não uns “ringues de boxe” — “não venho para uma tourada”.

As televisões anteviam o debate desta noite como um “confronto”, um “duelo” entre os dois homens que, realisticamente, podem sair do dia 30 de janeiro com hipóteses de ser chefes do governo. As sondagens apontam que será António Costa a vencer — mas as contas que importam são as dos votos nas urnas.

Quando chegou, António Costa lembrou isso mesmo: o debate é “especial”, porque tem os candidatos a primeiro-ministro. É impreciso dizê-lo assim: os portugueses, na verdade, vão escolher os deputados dos respetivos círculos eleitorais, vão eleger a representação que querem na Assembleia da República — é dessa representação que um nome será convidado a formar governo.

O debate deu em simultâneo em seis canais: RTP, RTP3, SIC, SIC Notícias, TVI e CNN Portugal (antiga TVI24) e foi de longe o mais longo entre os líderes de dois partidos (os restantes tiveram 25 minutos cada).

A oposição civilizada

Rui Rio começou por se justificar perante a relação que PSD e governo tiveram nos últimos meses. O líder social-democrata lembrou: “perante a pandemia, obviamente abrandámos a oposição e tivemos uma atitude de cooperação, porque assim manda o interesse nacional”.

Então, “fizemos uma oposição civilizada: há um tempo para tudo. Este é o tempo de marcar posições”, disse, sem deixar de lembrar que “houve falhanços [do governo] a muitos níveis, mas destacaria na economia e nos serviços públicos, em particular na saúde”.

Ainda assim, também não foi o PSD a dar a mão ao governo para impedir estas eleições antecipadas, que acontecem numa altura em que já estão a ser registados mais de 40 mil casos diários de infeção pelo coronavírus. “O país neste momento precisava de tudo menos desta crise política”, disse António Costa — mas Rio lembrou-o de que “a crise do orçamento é culpa do PS.”

Consumado o desabar da legislatura, marcadas as eleições, há que olhar para as contas da noite do dia 30 de janeiro. Aí, porém, “António Costa não é claro sobre aquilo que faz em cada um dos cenários [de resultados eleitorais] possíveis”, acusa Rui Rio. Afinal, “aquilo que o PCP e o BE pediram há dois meses vai manter-se daqui a dois meses também — por isso, o dr. António Costa não tem condições para reabilitar a geringonça”, continua.

“Se calhar”, alerta ainda, “se o PS ganhar teremos outro primeiro-ministro que não António Costa — se calhar, Pedro Nuno Santos”, acena Rio.

“Rui Rio quer muito discutir as fórmulas políticas porque não quer discutir os programas políticos”, responde António Costa. “Ao contrário do que Rui Rio diz, em 2015, disse aos portugueses, antes das eleições, o que faria” — e agora não fala no “fantasma” de Pedro Nuno Santos (que “é uma pessoa, felizmente viva”, responderá, já após o debate, aos jornalistas).

“Se não tiver maioria absoluta, não viro as costas aos portugueses”, assume António Costa.” Teremos de conversar com os partidos da Assembleia da República — ou, num modelo clássico como aconteceu com António Guterres, negociando diploma a diploma”, diz ainda.

Certo é que “uma geringonça nas atuais condições não é possível”, avisa Costa. Portanto,” desde que não perca as eleições, aqui estou”.

No fim do debate, contudo, Rui Rio foi novamente buscar o fantasma: em declarações aos jornalistas, disse que a pessoa mais provável de suceder a António Costa em caso de vitória do PSD nas urnas é Pedro Nuno Santos, considerando que tudo aparenta que seja o que “tem mais hipóteses” de alcançar aquela posição.

No entanto, este cenário não só seria contraproducente para uma negociação entre um PSD vencedor das eleições e o PS, já que Pedro Nuno Santos “é mais à esquerda” do que António Costa, como também poderia significar uma repetição dos eventos de 2015.

“A probabilidade de voltar a haver uma 'geringonça' e voltar a governar quem não ganhou as eleições volta a colocar-se em cima da mesa, porque o entendimento de Pedro Nuno Santos com o BE é um entendimento ainda mais fácil do que o entendimento de António Costa”, sustentou. O raciocínio que fez “é plausível”, assegurou o líder dos sociais-democratas, “mesmo ganhando o PSD”.

Em 2015, a coligação Portugal à Frente (PàF), composta por PSD e CDS-PP, venceu as eleições legislativas com 36,86% dos votos. No entanto, PS, BE, PCP e PEV firmaram um acordo de maioria parlamentar, exigido pelo então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, que permitiu a António Costa formar um governo minoritário apoiado pela esquerda.

Esta solução permitiu ao PS governar o país durante seis anos, até à rejeição da proposta de Orçamento do Estado para 2022, que ditou o fim do entendimento à esquerda.

A oferta da economia e a procura do rendimento

Rui Rio trouxe também a este debate a separação ideológica que já tem explicado noutros debates. Resumindo, há duas formas de olhar para o crescimento económico: há quem defenda que o crescimento do país se faz aumentando o rendimento das famílias, o que deverá fazer crescer o poder de compra (logo, a procura), impulsionando o crescimento das empresas; e há quem defenda que o crescimento deve ser feito pelo outro lado, enriquecendo primeiro as empresas, que, depois, distribuirão esse rendimento (através dos salários) para a população.

“Apostar na produção, nas exportações e investimento — e depois na distribuição”, defende Rui Rio. “Em primeiro lugar, temos de tratar das empresas, são elas que criam emprego — através da redução do IRC”, portanto, a prioridade é “criação de riqueza, depois distribuição” dessa riqueza.

António Costa, porém, alerta que antes de mais “o pais precisa de aumentar em geral os seus salários — não só o salário mínimo [SMN]”. Lembrando que Rui Rio não é tão afoito à dimensão dos aumentos, o líder socialista diz que “quem não quer aumentar o salário mínimo não conseguirá aumentar os restantes”.

Rui Rio explica, no entanto, que “se for primeiro-ministro, os aumentos do SMN terão em conta a inflação e a produtividade. Acima disso, só em Concertação Social” — até porque “não se aumenta o salário mínimo por decreto”.

Rio concorda que os salários em Portugal não estão em linha com os restantes europeus — “a mediana dos salários em Portugal é de 900 euros. Pior só na Bulgária” — e admite que mesmo o mínimo tem muito por onde subir: “mas deve subir de forma sustentada”.

Questionado se considera que é incomportável o valor de 900 euros de salário mínimo nacional — previsto pelo PS no seu programa para o final da legislatura, 2026 —, Rio admite que “não é possível”, face ao cenário macroeconómico em que o programa do PSD assenta. “Mas se o quadro não for esse e a inflação disparar e passar para 5 ou 6%, [900 euros] até pode ser pouco”, contrapôs, reiterando que devem ser os aumentos gerais dos salários a puxar pelo SMN.

À mesma pergunta, o líder do PS contrapõe que a direita diz desde 2016 que “não é possível aumentar o SMN”, e que tal iria aumentar as falências de empresas e o desemprego, o que não se verificou, e reiterou o objetivo de um aumento médio dos rendimentos do trabalho em 20% na próxima legislatura.

Quanto aos salários da função pública, António Costa diz que neste setor a massa salarial vai subir este ano 3% devido ao descongelamento das progressões e comprometeu-se, se for governo, a iniciar com os sindicatos negociações para elevar os salários dos assistentes técnicos.

Já Rui Rio, confrontando com afirmações suas de que haveria funcionários públicos a mais, defende que será necessário “otimizar recursos”, considerando que estes trabalhadores aumentaram, mas “os serviços públicos estão muito pior”.

“Temos de fazer uma reforma do Estado na vertente administrativa. Os funcionários públicos que estão a trabalhar neste momento não podem ser prejudicados nem perder poder de compra, por isso garantimos aumentos em linha com a inflação e a continuação da progressão de carreiras. Para conseguir mais do que isso, temos de conseguir mais produtividade”, alertou.

Ainda sobre salários, António Costa saca dos gráficos para dizer que “o conjunto dos salários tem de progredir 20% [do PIB] para chegar à média europeia” — e diz que, nesse caminho, “o Estado deve ajudar”. Para o candidato socialista, os aumentos que o governo já tem feito revelam que “com o aumento de 40% do salário mínimo, com o aumento de 25% do salário médio, as empresas aumentaram o investimento”, ou seja “as empresas têm conseguido suportar estes aumentos”, defende Costa.

Confrontado com o facto de o programa do PSD prever uma redução imediata do IRC para as empresas e apenas pretender descer os impostos para as famílias, o IRS, no final da legislatura, Rui Rio responde: “Se quisesse ganhar eleições mais rapidamente, em vez de olhar para o futuro do país, fazia o contrário, mas isso era persistir na política do PS que deu o resultado que deu (...) Portugal está na cauda da Europa”.

Na resposta, António Costa defende que, nos seis anos do governo do PS, as empresas tiveram, através de várias políticas de incentivos, uma redução equivalente “a três pontos percentuais do IRC”.

“Eu apresento-me a eleições não só com um programa de governo, mas com o Orçamento do Estado para 2022, que será apresentado no parlamento no dia em que terminar a discussão do programa de governo”, diz, frisando que esse documento prevê para este ano a redução do IRS para as famílias da classe média com o desdobramento dos escalões, bem como para as famílias com filhos, bem como a isenção desse imposto para mais pessoas.

Ou seja, defende, se o PS vencer as eleições a redução do IRS “não é algo que acontecerá eventualmente em 2025 ou 2026”, garantindo que esta trajetória será para prosseguir até final da legislatura.

“Acabei de ouvir que a política económica que o dr. António Costa se propõe seguir é exatamente a mesma que fez desde que é primeiro-ministro e até desde que o PS tem governado maioritariamente o país desde 1995, em governos em que sempre teve cargos de responsabilidade”, responde Rui Rio, que insiste na prioridade à criação de riqueza e só depois à distribuição: “Quero o futuro dos portugueses, não quero só o amanhã”.

“Os portugueses podem ficar contentes: o dr. António Costa vai reduzir o IRS um bocadinho mais depressa do que eu proponho, mas quanto ao futuro podem ter uma certeza: o país vai continuar a cair”, afirma o líder do PSD, dizendo que o país tem uma das mais altas cargas fiscais da Europa e uma das medianas de salários mais baixas.

Já na parte final do debate, António Costa acusou Rui Rio de fazer “uma malandrice”, que é procurar “diluir” os resultados dos seis anos da sua governação falando da média do PIB dos últimos 20 anos, e dizendo que há uma estagnação.

“A verdade é que nós virámos a página da estagnação. Desde que eu sou primeiro-ministro, o país cresceu em média 2,8% ao ano, contra os 0,4% dos anos anteriores. Em 2021 cresceu 4,6%, e este ano todas as previsões indicam que crescerá 5,8%”, afirmou, numa altura em que Rui Rio já não pôde responder.

Durante o debate, Costa desafiou Rio a explicar porque é que, em dois anos, o programa do PSD passou de em 2019 querer utilizar 25% da margem orçamental para reduzir impostos para, agora em 2022, apenas utilizar 11,5% dessa ‘folga’ com esse objetivo. “Em dois anos, perdeu metade da vontade de reduzir impostos e em 30% a vontade de aumentar despesa. É preciso as pessoas terem memória do que disseram”, criticou.

Na resposta, Rui Rio justificou esta alteração na redistribuição da folga orçamental prevista com a pandemia de covid-19 — “Ahhhh!", ripostou António Costa, "finalmente reconheceu que tivemos uma pandemia”.

A saúde da saúde

Rui Rio olha para os serviços do Estado e vê-os doentes: “Os serviços públicos estão muito piores: o cartão de cidadão, o pedido de reforma… Os serviços públicos têm-se degradado com o PS, apesar de o PS ter metido mais funcionários públicos”, diz.

Agora, “temos de fazer um esforço conjunto, entre o Estado e as empresas, para que a geração mais qualificada de sempre seja a geração mais realizada de sempre. Caso contrário, vão fugir-nos das mãos para outros países”. Há que “conseguir uma maior produtividade nos serviços do estado”, olhando para o Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, como exemplo.

Por falar em hospital, o estado da saúde não é famoso, diagnostica Rui Rio, e são necessárias “duas respostas” no SNS: “uma no imediato e uma estrutural”, afirma. No imediato, defende que se recorram a médicos do privado para suprir a falta de médicos de família.

O presidente do PSD, que se afirmou defensor do SNS, assim como de um sistema público de Segurança Social, salientou os custos que muitos portugueses “pagam hoje com a fraca resposta que dá o SNS”.

“Ó dr. Rui Rio, fraca resposta? Depois do que o SNS fez pelos nossos compatriotas durante esta pandemia?”, reagiu o secretário-geral do PS.

O social-democrata ripostou: “Não vale a pena fazer teatro, porque nós sabemos quais são os resultados do SNS. E se há mais de quatro milhões de portugueses que têm ADSE, ou seguro de saúde, é justamente porque o SNS não dá responda, não dá o acesso que as pessoas precisam”. “António Costa está a tentar confundir a qualidade dos profissionais do SNS com a qualidade do acesso a esses profissionais”, explicou depois Rui Rio.

Costa admite que “temos de continuar a reforçar” os médicos de família. E aponta para uma solução a meio do caminho: “dotar os cuidados primários da capacidade de fazer análises, raio-x, para que as pessoas não tenham de ir ao hospital”.

António Costa foi ainda buscar um ponto do documento do PSD com as linhas gerais para uma revisão constitucional, assinalando que os sociais-democratas pretendiam substituir a norma que consagra um SNS “tendencialmente gratuito” por uma formulação a estabelecer que o acesso “em caso algum pode ser recusado por insuficiência de meios económicos”.

“Só há uma explicação: pretendem que a classe média, que hoje beneficia de ser tendencialmente gratuito, tenha de passar a pagar os cuidados de saúde”, sustentou o líder socialista.

Rui Rio admitiu que houve um debate interno sobre esse artigo em concreto e chegou-se “à conclusão de que essa é uma formulação mais adequada”, importando “distinguir entre os que podem e aqueles que não podem”.

“É uma nuance”, completou o presidente do PSD, mas o líder socialista considerou tratar-se de “uma bravata ideológica com grandes consequências”.

A justeza da justiça

No debate sobre a justiça, o líder socialista citou partes do programa eleitoral do PSD sobre justiça e classificou-o como perigoso, porque, na sua perspetiva, colocará em causa a autonomia do Ministério Público, subordinando-o ao poder político.

“Eu diria que o doutor André Ventura [líder do Chega] era capaz de não fazer uma intervenção muito diferente desta que agora o dr. António Costa fez”, respondeu o presidente do PSD, argumentando que nos conselhos superior da Magistratura e do Ministério Publico “não pode ou não deve haver uma maioria de magistrados porque têm tendência obviamente ao corporativismo”.

“Quem melhor do que o presidente da República para nomear portugueses idóneos para ir para o Conselho Superior do Ministério Público ou da Magistratura? Isto é populismo aquilo que o dr. António Costa aqui vendeu”, criticou.

Para Rui Rio, em nome de “mais transparência” deve haver uma “maioria da sociedade civil”.

"A autonomia do Ministério Público é a melhor garantia que os cidadãos têm de que se houver alguma suspeita sobre mim ou sobre o dr. Rui Rio ou sobre quem quer que seja: o Ministério Público usa toda a sua autonomia, ninguém está acima da lei, os cidadãos podem ter a garantia de que a lei é igual para todos, e também é assim que eu posso andar de cabeça levantada", declarou o secretário-geral do PS.

Rui Rio ripostou: "Isto é obviamente tentar enganar as pessoas dizer que é tentar meter o poder político".

Antes, o presidente do PSD fez um retrato negativo da situação no setor na justiça. “Nós conhecemos a morosidade da justiça em casos de alta gravidade, mesmo na parte penal. Nós conhecemos os julgamentos populares que são feitos por quebra do segredo de justiça, que é crime. Nós conhecemos ou temos perceção da alta corrupção que existe em Portugal, e a justiça não tem estado capaz de lhe pôr cobro”, disse.

No programa eleitoral do PSD em matéria de justiça prevê-se, entre outras medidas, a “recomposição dos conselhos superiores [do Ministério Público e da Magistratura], com vista ao reforço da transparência, a democraticidade e a independência, de forma a garantir que a maioria dos seus membros seja composta por não-magistrados".

O PSD pretende ainda “diversificar as instituições que nomeiam os membros dos Conselhos Superiores, incluindo o Presidente da República" e "garantir que as personalidades a nomear sejam de reconhecido prestígio social e cultural, não sendo requisito que provenham de profissões jurídicas".

A TAP de Madrid

Quando o líder do PS e primeiro-ministro foi desafiado a garantir que o Estado não vai colocar mais dinheiro na TAP, para lá dos 3 mil milhões de euros já injetados, António Costa disse que “essa foi a garantia dada pela Comissão Europeia, que escrutinou o processo e reconheceu a viabilidade do plano de reestruturação. A companhia estará em condições de, assim que possível, podermos alienar 50% do capital e há, felizmente, já outras companhias interessadas em adquirir”, afirmou, dizendo não haver razões para duvidar do sucesso do plano já aprovado por Bruxelas.

António Costa frisou que, se o Estado não tivesse readquirido 50% do capital da transportadora aérea nacional, a TAP teria “ido para o buraco” quando as várias empresas do acionista privado David Neeleman foram à falência.

O presidente do PSD manifestou uma posição totalmente oposta, defendendo que “a TAP não deveria ter sido nacionalizada” e assegurou que, se for primeiro-ministro, será privatizada “o mais depressa possível”.

“Não é amanhã, porque se não vende mal, não vou vender mal, mas isto não é sustentável, não é sério, nem é competente”, criticou, dizendo que foram investidos na empresa 3,3 mil milhões de euros, quando a receita anual do IRC no país é de 5,5 mil milhões.

Rio recorreu a um exemplo concreto para acusar a empresa de prestar um serviço “absolutamente indecente” até no aeroporto de Lisboa e de “não ligar nada ao resto do país”.

Segundo o presidente do PSD, um voo Madrid - São Francisco, nos Estados Unidos da América, com escala em Lisboa, custa “a um espanhol 190 euros”.

“Quanta paga o português se apanhar o mesmo avião em Lisboa para ir para São Francisco? Paga 697 euros. É companhia de bandeira, mas é companhia de bandeira espanhola ou de outro país qualquer, isto é revoltante, isto é inadmissível”, criticou.

António Costa ainda desafiou Rui Rio a dizer o que teria feito diferente, se tinha fechado a empresa, perdido “dez mil postos de trabalho” e as exportações que a TAP representa.

“Ai digo, digo”, afirmava Rio enquanto o líder socialista falava, mas o presidente do PSD já não voltou a ter a palavra e o debate terminou.

O fantasma da esquerda

“O problema do dr. Rui Rio não é a pessoa — são as propostas e as ideias que defende”, reconheceu António Costa. A relação entre os dois ex-autarcas das duas principais cidades do país nunca foi de animosidade extremas. E mesmo neste debate, Costa só perdeu a cabeça com Rio quando o líder social-democrata criticou o estado do Serviço Nacional de Saúde. Perante a irritação, Rio sorriu e avisou “não vale a pena fazer teatro”.

Na questão da governabilidade do país após as eleições, Rui Rio considerou praticamente impossível uma maioria absoluta do PS ou do PSD e criticou a atuação de António Costa, dizendo que não esclarece o que fará se vencer sem maioria absoluta.

Rui Rio disse que António Costa não está em condições de retomar a “Geringonça” com PCP, PEV e Bloco de Esquerda, e apontou que antes das legislativas de 2015 Costa escondeu que poderia mais tarde vir a governar com o apoio de comunistas e bloquistas, mesmo perdendo as eleições.

Mas o presidente do PSD foi mais longe. Levantou a possibilidade de o PS agora vencer com uma maioria relativa, António Costa abdicar de liderar o futuro governo e passar essa responsabilidade para um sucessor socialista, que disse ser com maior probabilidade Pedro Nuno Santos.

“E aí temos o Bloco de Esquerda mesmo dentro do governo, com ministros do BE”, declarou.

O secretário-geral do PS negou que tenha escondido jogo antes das legislativas de 2015, mostrando para o efeito uma machete do jornal 'Expresso' de setembro desse ano, uma semana antes do ato eleitoral, e voltou a assegurar as suas responsabilidades se não perder as eleições: “Cá estarei”.

Perante um resultado de maioria relativa, António Costa afirmou que irá conversar com os partidos na Assembleia da República, ou num “modelo clássico” como o primeiro Governo de Guterres, “diploma a diploma”, que referiu “foi difícil, levava mais tempo, mas foi possível”.

Após afastar a manutenção da “Geringonça” nas atuais circunstâncias, o secretário-geral do PS observou que, por exemplo, o PS e o PAN poderão somar mais de metade dos deputados. “Não há tabus sobre o que acontecerá o dia 30 de janeiro”, disse António Costa.

Mas só após o debate, aos jornalistas, o secretário-geral do PS defendeu que ter uma “maioria absoluta não é um poder absoluto, é ter condições para governar”, sustentando que, se vier a concretizar-se, o Presidente da República não permitirá abusos de poder.

“Hoje em dia, a maioria absoluta não é um poder absoluto, é ter condições para governar. (…) Nós felizmente temos um Presidente da República que está no início do seu mandato, tem todo o seu mandato que vai cobrir a próxima legislatura, é uma pessoa de quem os portugueses gostam (…) que tem autoridade, e alguém acredita que com Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República poderíamos ter uma maioria absoluta que pisasse o risco? Não pisava o risco dois dias, era o primeiro e acabava”, frisou António Costa.

António Costa abordou o “receio que as pessoas têm relativamente a experiências passadas” de maiorias absolutas, afirmando que “toda a gente tem consciência” de que existem “hoje condições institucionais para que a maioria de hoje não seja como as maiorias foram anteriormente”.

Salientando que não quer que se comparem “as diferenças de personalidades” com outros primeiros-ministros que tiveram maiorias absolutas, Costa citou, no entanto, o primeiro governante a obtê-la, Aníbal Cavaco Silva — “eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas” – para afirmar que “toda a gente sabe” que é “uma pessoa de diálogo, de compromissos, de consensos”.

Nesse sentido, o também primeiro-ministro abordou o seu trajeto enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, entre 2007 e 2015, para afirmar que, apesar de ter tido maioria absoluta na altura, pretendeu “negociar com todos” os partidos o Plano Diretor Municipal, tendo “praticamente todos os partidos” votado a favor.

“Porquê? Eu podia ter feito sozinho com a minha maioria, mas eu sabia que o Plano Diretor Municipal é uma coisa para uma década da cidade e, portanto, é necessário um consenso amplo, e negociámos, negociámos, para ter o consenso mais amplo possível. É assim que eu farei também com a maioria”, afirmou.

António Costa sublinhou assim que o partido não pode “continuar a perder tempo” e, sem nunca pedir explicitamente uma “maioria absoluta”, salientou que é “necessária uma maioria do PS”.

“Os outros estão a trabalhar, a avançar, e nós estamos aqui a fazer uma campanha eleitoral quando devíamos estar todos a fazer o que o país precisa: é virar a página desta pandemia e fazer o país avançar”, disse.

Também no final, Rui Rio repetiu o que tinha dito antes do debate sobre a governabilidade depois das eleições: se vencer as eleições e não conseguir a maioria absoluta ou fazer maioria “preferencialmente” com o CDS-PP e a IL, o PS deve respeitar o resultado e apoiar um governo do PSD. O contrário, garantiu Rio, também acontecerá se o PS vencer as legislativas.

No entanto, o presidente do PSD advertiu que Costa “atira-se para uma instabilidade enorme” se vencer as eleições, uma vez que não deixou claro com quem vai negociar se não atingir a maioria absoluta.

E deixou um aviso: se vencer o PSD, o PS não pode negociar com “má-fé”, pedindo aquilo que sabe que não pode ser dado ou aquilo que cabe ao partido vencedor decidir.

O veredito

Talvez o mais importante deste debate seja notar o que ficou de fora do debate. Entre as geometria parlamentares, entre as acusações mútuas e as leituras deformadas dos programas alheios, nem os candidatos, nem os jornalistas colocaram em cima da mesa temas como os planos para a execução dos fundos europeus do PRR; o aumento generalizado dos preços de bens e serviços, o peso da eletricidade nos orçamentos das empresas e famílias; o acesso a habitação e trabalho dignos; ou até o alargamento dos aparelhos do Estado ao resto do território português; a posição de Portugal na Europa e no mundo; os caminhos das escolas e do Ensino Superior…

Foi o debate entre dois dos políticos que mais experiência têm em Portugal, com décadas de vida pública e política; foi o longo debate entre os líderes dos dois partidos que sempre governaram Portugal, com destaque a que nenhum outro partido teve (tem) direito. Ainda assim, o tempo foi curto: “se não me interromper tantas vezes, consigo chegar mais cedo à resposta”, disse amiúde António Costa. Resta saber se, ao fim de 75 minutos, foi possível a alguém chegar a alguma resposta.

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