Após o seu depoimento enquanto técnico especialista na fase de inquirição do processo do incêndio de Pedrógão Grande, que decorre no Tribunal de Leiria, Domingos Xavier Viegas disse aos jornalistas que “em termos gerais, os quadros de comando não garantem, pelo sistema que existe, que tenham formação e qualificação adequada para estar à frente de qualquer incêndio”.
“O sistema de qualificação e formação dos nossos bombeiros tem de ser melhorado, no sentido de que devemos saber em cada caso que qualificações é que determinado comandante tem, para que nível de dificuldade de incêndio é que está apto a comandar e se não tiver condições deve ser chamada outra pessoa ou ser apoiado na tomada de decisão por todo um sistema que está por detrás dele”, acrescentou Domingos Xavier Viegas.
O professor da Universidade de Coimbra esclareceu ainda que “há incêndios com graus de dificuldade e perigosidade tais que exigem recursos que não estão sempre garantidos”.
“A nossa opinião é que um incêndio destes [Pedrógão Grande] não se comanda apenas por uma pessoa e julgo que isso falhou também. Isso é um processo que ainda temos de melhorar no nosso país”, frisou.
Durante o seu depoimento ao juiz de instrução, Xavier Viegas considerou que a falta de gestão de combustível, sobretudo em alguns troços, foi preponderante para as mortes na estrada 236-1, onde se registaram várias vítimas.
“Naquele troço da estrada, a presença daquelas árvores, mesmo encostadas aos ‘rails’, terão produzido condições de calor, que tornaram a presença das pessoas impraticável. Houve uma árvore que caiu na estrada que impediu a circulação e terá impedido a fuga de algumas das pessoas que vieram a perder a vida”, disse.
Domingos Xavier Viegas relatou que as árvores no local provocaram “uma radiação e uma concentração tão grandes que fez com que as pessoas que saíam dos carros começassem a arder”.
O especialista concretizou que se o pinheiro não tivesse na estrada não teria impedido a circulação de pessoas e as vítimas teriam conseguido sair do local.
A falta de meios e comunicações foram também abordados pelo técnico na sua inquirição. Domingos Xavier Viegas admitiu que se os meios tivessem sido reforçados algumas mortes poderiam ter sido evitadas.
“Admito que sim, sobretudo na fase inicial. Estamos a falar, sobretudo, do incêndio de Pedrógão que teve duas ignições. Se tivesse havido mais recursos para o combater [incêndio de Regadas], naquelas primeiras duas a três horas, teria sido possível um desfecho diferente”, adiantou.
Além disso, disse ao juiz, se o incêndio de Regadas tivesse sido tratado como uma nova ignição, teria tido mais meios “que estavam a ser desviados para Góis”, embora admita que no terreno era “difícil” ter essa perceção.
O especialista sublinhou ainda que o incêndio atingiu o período crítico entre as 19:00 e as 20:00.
“Enfrentar o incêndio era praticamente impraticável e perigoso. Confirmo que não haveria nada a fazer”, sublinhou.
Por outro lado, a falta de comunicações e o corte de estradas poderá ter “dificultado a chegada de alguns meios de socorro, nomeadamente ambulâncias e recursos médicos”.
“As [falta] comunicações foram cruciais. Das 66 vítimas que este incêndio causou estamos convictos que talvez se pudessem ter evitado umas cinco ou seis mortes”, garantiu.
São arguidos neste processo 13 pessoas, incluindo os presidentes dos municípios de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande em funções à data dos factos: Fernando Lopes, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente.
Estão acusados de dezenas de crimes de homicídio por negligência e de ofensa à integridade física por negligência.
O grande incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, e destruiu cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.
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