“O Pacote Mais Habitação foi um ataque forte e uma machada na confiança de investidores e proprietários. E era o que a habitação não precisava”. Foi em tom bastante crítico que Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) fez uma primeira leitura sobre o Estado da Nação do Imobiliário, da Habitação e do Licenciamento, na abertura da conferência SIL Investment Pro que decorreu no Salão Imobiliário de Portugal, na FIL e que juntou associações e players do setor.
“Minou a confiança. E na lei do arrendamento estamos a minar ainda mais. Muitos investimentos suspenderam, pararam e voltaram para trás, desde esse dia 16 de fevereiro. E recebemos telefonemas a perguntar onde estava a credibilidade (do Estado)”, alertou.
Depois das críticas iniciais, exaltou o recuo do executivo de António Costa em certos pontos polémicos, nomeadamente no programa Golden Visa (Vistos Gold) em vigor desde 8 de outubro de 2012. “Os investidores agradeceram. O recuo em não permitir que os 10 mil investidores não pudessem renovar o seu visto, não era positivo para a credibilidade, além da litigância” que tal implicaria. Um ligeiro elogio que não apaga a crítica à medida desenhada no seu todo. “As associações gostariam de devolver e trazer confiança ao mercado e credibilidade ao país. Compete ao setor lutar pela mitigação dos danos. Nos Vistos Gold, o pacote não é positivo”, relembrou.
O presidente da APPII registou a vontade governativa de “dar benefícios na taxa IVA na reabilitação urbana, que foi o pontapé da saída em 2014”, mas deixa um aviso. “As isenções e benefícios fiscais não funcionam se tivermos uma legislação desconexa. Tem de haver garantia que os planos e os benefícios fiscais têm estabilidade”, pediu.
Saudou igualmente o plano de cedências dos prédios e terrenos devolutos do Estado para serem colocados no mercado de habitação. “É importante que o setor trabalhe para montar um bom programa de arrendamento acessível”, sustenta. A “cedência de terrenos para construção em direito de superfície vai permitir aos privados oferecer rendas acessíveis”, garantiu. “Pela primeira vez, vamos ter um programa de rendas acessíveis que funcione”, antecipou Hugo Teixeira.
Ainda no arrendamento deixa um aviso à navegação ao questionar como podem os operadores “dizer aos 350 mil proprietários de prédios devolutos que a inflação está a 7% e a atualização das rendas é de 2%”, alertou.
As memórias do PREC, a cegueira ideológica e a Lei Cristas
O presidente da APPI sustentou, no entanto, que o setor tem de estar “atento aos ataques ao Alojamento Local”, e ao “regime de residente não habitual por parte de “uma maioria de esquerda”, disse.
Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) deixou também críticas ao pacote Mais Habitação. “Tem um impacto que não tínhamos desde os tempos do PREC. É uma cegueira ideológica e desenhado de forma enviesada”.
As críticas à carga ideológica foram partilhadas por Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). “A base (do Programa) está impregnada de ideologia e de pouca racionalidade”, criticou.
Menezes Leitão lamentou não ter havido um recuo no arrendamento coercivo. “Os prédios pertencem a pessoas com alguma idade. E estas recordam-se do passado. A Lei Cristas não foi tragédia nenhuma. Os proprietários querem ter confiança (voltaram a ganhá-la em 2014) em quem põem em casa. Perante o anunciado vejo com dificuldade o que se possa passar”, advertiu.
“As pessoas ganham pouco em Portugal e isso tem de estar na base da discussão”
Luís Gamboa, Chief Operational Officer da VIC Properties, trouxe os salários nacionais para o centro do debate. “É um problema de tesouraria. As pessoas ganham pouco em Portugal e isso tem de estar na base da discussão”, apontou.
Francisco Bacelar, vice-presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP) recordou que as “cooperativas foram, há uns anos, uma solução para a classe média”. Atualmente, a “falta de construção e a subida de preços” torna a aquisição “incomportável”, reafirma. “Os preços não vão estabilizar”, perspetivou.
Paulo Caiado criticou ferozmente a ideia de redução do preço das casas. “73% das famílias são proprietários do imóvel. 65% tem a casa paga. O resto é crédito hipotecado”. Nesse sentido, “quando se fala em baixar o preço e sendo a habitação reserva de valor, isso significa tornar as famílias mais pobres. Ninguém está interessado em vender um imóvel mais barato”, avisou. As medidas devem “preservar o valor dos ativos imobiliários e a principal reserva de 4 milhões famílias”, rematou.
Daniel Tareco, da Habitat Invest, reconheceu a dificuldade de “preços competitivos” em virtude do “licenciamento e burocracia”, dos “custos de construção elevados”, agravados com a “pandemia e a inflação” e, por último, o peso da “fiscalidade”.
Para contornar este mar de obstáculos, deixou uma pista. Readaptar escritórios, centros comerciais e outros edifícios para habitação. “Surgem imensas localidades alternativas devido aos constrangimentos de nova construção nos centros da cidade”.
“A falta de habitação é que origina forte especulação”. A lei da oferta e da procura
“O problema de habitação tem a ver com a oferta e o pacote deveria não restringir a procura, mas sim trazer mais oferta ao mercado. E aí o pacote falhou”, lamentou Hugo Teixeira, da APPII.
No cruzamento entre a oferta e a procura, é “a falta de habitação que origina forte especulação”, sustentou Claude Kandiyoti, da Krest. O responsável desta empresa belga de investimentos imobiliários presente em Portugal defende a replicação do modelo implementado naquele país para suprir a falta de casas. “Parcerias entre o privado e público, colocados em pé de igualdade, como temos na Bélgica”, adiantou, enquanto lançou farpas à proposta de rendas acessível. “É muito genérico e o discurso é muito ideológico”.
“Em 2008-2010, Portugal não estava no radar do investimento estrangeiro”, algo que foi espoletado com a “Lei do Arrendamento (Lei Cristas”). O problema, no entanto, é a “oferta para responder à procura crescente”, anotou Patrícia Barão, da JLL .“A evolução dos preços é natural. A procura faz pressão” e coloca os preços “em alta”.
“Franceses representam 18 % investimento estrangeiro. Os americanos, 13% ”
Os números não mentem. “A venda de casas em Portugal bateu recordes em 2022. Venderam-se 168 mil casas e foi um dos maiores anos expresso nos 31,8 mil milhões de euros, valor esse que se traduz num aumento de 10% relativamente a 2022”, detalhou.
Nas transações da área residencial da JLL, o mercado internacional representa “15%” das compras dos imóveis, desmistificando a ideia de que o país esteja a ser comprado por estrangeiros. “Mais de 80 por cento da compra do parque residencial são portugueses”. Do bolo de investimento estrangeiro, os “franceses representam 18 % investimento estrangeiro (157 milhões de euros). Os americanos, 13% (115 milhões)”, comparou.
O licenciamento tem sido outro cavalo de batalha reclamado pelos players. Hugo Santos Ferreira considerou “positiva” a vontade política de, entre outros “resolver a burocracia e os atrasos e sustentou que “o licenciamento não é um problema cooperativo, mas sim dos portugueses. É um problema da habitação”, observou. “O principal entrave à habitação chama-se licenciamento”, avisou.
“O licenciamento causa impacto nas nossas vendas”
“As interpretações de cada câmara são um quebra-cabeça. Espero que nos surpreendam pela positiva”, aguarda Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária. Tiago Belo, Solyd Property Developers, pediu o envolvimento de todos. “O licenciamento causa impacto nas nossas vendas. Não basta legislar, simplificar e esperar que as entidades cumpram. É preciso assegurar que se cumpre e se fiscalize”, desejou.
Miguel Cabrita Matias, da Mexto Property Investment, foi mais longe. “Os promotores há muito tempo que lutam por isso. Impacta no custo e no preço final da habitação. Em todo lado há problemas iguais e diferentes. Em Lisboa tenho um problema, em Faro, outros. Com PDMs distintos é difícil manter os níveis de resposta que necessitamos. Aplaudo a iniciativa, agora queira Deus que seja aprovada e implementada rapidamente”, suspirou.
Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI ) pediu para este processo “complexo”, ser “mais célere e eficaz” algo que, de acordo este responsável, está na base da Proposta de Lei n.º 77/XV ao estabelecer como “prioridade uma simplificação de procedimentos na área do urbanismo e do ordenamento do território, contribuindo, para que os custos e os prazos de concretização de projetos imobiliários sejam mais reduzidos”, recordou.
Os Vistos Gold e o Alojamento Local não são os culpados
Segundo Manuel Reis Campos, o imobiliário é uma “matéria prioritária na nossa sociedade, que precisa de uma abordagem abrangente e de políticas adequadas”, pelo que urge “uma visão global” frisou.
É, por isso, “fundamental” investimento público, sobretudo quando está em causa o “desafio da execução do PRR no qual a habitação apresenta a “maior dimensão financeira”.
O representante da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário socorreu-se do Excel dos Censos 2021. “O número de fogos novos, nesta década, totalizou 152 mil, o que corresponde a uma média anual de 15 mil habitações”. Na década anterior, foram “68 mil”, comparou.
“No plano da habitação social, continuamos com cerca de 120 mil habitações, ou seja 1,9% das casas existentes. Nesta última década, não se construiu”.
Portugal tem, atualmente, “mais 253.889 edifícios a necessitar de intervenções significativas do que o verificado há dez anos. É necessário construir e reabilitar mais”, afirmou.
Em relação ao investimento em imobiliário, este “atingiu 35,6 mil milhões de euros em 2022”, dos quais “5,6 mil milhões de origem externa”, destacou. “O nosso país continua a ser atrativo, com uma oferta imobiliária de excelência. A habitação é determinante e o mercado imobiliário tem de ser assumido como um vetor prioritário”, referiu, recordando que os investidores querem um “quadro legislativo e fiscal estável”.
Por fim, afastou fantasmas. “Não vale a pena atribuir responsabilidade pelos problemas na habitação a questões como os Vistos Gold (papel importante num momento crítico da nossa economia) ou o Alojamento Local. Este último pesa apenas 13,8% do total de casas arrendadas em Portugal”, finalizou.
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