“Os processos de descentralização podem ser acompanhados de um aumento das desigualdades, sobretudo quando o ponto de partida das diferentes autarquias é já um ponto de partida de grande desigualdade”, afirmou, em declarações à agência Lusa, a antiga ministra da Educação.

Maria de Lurdes Rodrigues, que ocupou o cargo entre 2005 e 2009, notou que “há autarquias com mais recursos do que outras”, que atribuem à educação e outras matérias políticas “uma prioridade diferente”, e que “se não houver mecanismos de acompanhamento” e de monitorização se pode “correr o risco de aumento das desigualdades”.

“Ou seja, as autarquias que menos recursos têm, que mais pobres são, que menos prioridade dão à educação, isso acaba por ter uma influência na vida das escolas e nos percursos escolares dos alunos, que deve ser evitada, que deve ser mitigada, e isso faz-se com acompanhamento por parte do governo”, frisou a atual reitora do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.

Questionada sobre o diploma que enquadrou a transferência de competências na educação para as autarquias, publicado em julho de 2008, a antiga governante admitiu fazer “um balanço positivo” da descentralização na área educativa, mas “demasiado lento” quando se transferiram, no final dos anos de 1980, as primeiras responsabilidades no primeiro ciclo para as autarquias.

“Tem sido um processo demasiado lento, na minha opinião precisávamos de dar passos mais significativos, porque eu estou convencida que a proximidade acrescenta valor às políticas que exigem essa proximidade”, frisou a professora agregada em sociologia.

O decreto-lei de 2008 enquadrou a transferência efetiva de competências em relação à educação pré-escolar e ao ensino básico, abrindo ainda a possibilidade do exercício de competências em estabelecimentos de ensino secundário com ensino básico, mediante um contrato específico.

Na sequência do diploma foram estabelecidos contratos de execução em 113 municípios, embora em dois concelhos o acordo tenha sido revogado e um não tenha assumido as competências, segundo uma avaliação, efetuada em 2012, pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL).

Os domínios abrangidos pelos contratos incluíam o pessoal não docente, ação social escolar, construção, manutenção e apetrechamento de estabelecimentos, transportes escolares, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular.

Segundo o estudo, “o processo é relativamente bem avaliado pelas autarquias”, em termos gerais, mas o principal problema residia na insuficiente verba fixa do Ministério da Educação para a construção e manutenção dos equipamentos escolares e do rácio definido pela portaria para funcionários não docentes, “que para a maior parte dos municípios fica aquém das necessidades”.

Para Maria de Lurdes Rodrigues, o aspeto mais crítico na descentralização passa pela necessidade de ter em conta que o processo envolve não apenas a administração central e as autarquias, mas também as escolas, que possuem “uma autonomia própria”.

“Não devemos confundir a transferência de competências para as autarquias com uma eventual transferência de competências que hoje estão nas escolas para as autarquias. Esse processo seria um processo negativo, portanto é necessário que aquilo que se transfere para as autarquias são matérias respeitantes a gestão de recursos e que deve ser preservada a autonomia, a responsabilidade e as competências que as escolas têm hoje”, vincou.

Neste triângulo, salientou Maria de Lurdes Rodrigues, as escolas devem “ter as competências relativas à gestão curricular e à organização pedagógica, as autarquias de gestão de recursos e o Ministério da Educação, o Governo central, as matérias de regulação, inspeção, controle, [e] avaliação”.

“O Ministério da Educação deve reservar para si – e até reforçar – as competências de regulação, controlo e inspeção, mas também de definição do currículo e das condições de acesso à educação, por forma a garantir a igualdade em todo o sistema educativo”, reforçou a antiga ministra.

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