Bastaram poucos minutos, na madrugada de segunda-feira, para afundar um veleiro de luxo em Itália. A bordo do Bayesian seguiam 12 passageiros e 10 membros da tripulação e a guarda-costeira conseguiu resgatar com vida 15 pessoas, entre as quais uma criança de apenas um ano de idade. Logo nesse dia, o cozinheiro do barco foi dado como morto.
Feitas as contas, outras seis pessoas estavam desaparecidas. Por isso, as autoridades entraram numa luta contra o tempo para conseguirem encontrar alguém com vida do veleiro, que se encontra naufragado a mais de 50 metros de profundidade ao largo de Porticiello, perto de Palermo. Contudo, as esperanças eram poucas: pensava-se que estivessem no interior da embarcação, o que se veio a verificar no dia de hoje, quando recuperados quase todos os corpos.
Ao terminarem as buscas, no final do dia, cinco corpos tinham sido encontrados e quatro recuperados. Uma pessoa continua desaparecida, mas deverá estar morta, segundo as autoridades.
O que se sabe sobre o naufrágio?
As autoridades locais já abriram uma investigação para determinar as causas precisas do acidente e interrogaram o capitão do Bayesian, James Catfield, 51 anos, durante cerca de duas horas, para perceber como o iate naufragou em apenas alguns minutos.
Até agora, julga-se que o naufrágio terá sido causado por uma tromba de água que se criou durante uma violenta tempestade ao largo da Sicília. Segundo imagens divulgadas nas redes sociais, o veleiro estava ancorado e com luzes acesas, possivelmente devido a uma festa, quando tudo aconteceu.
Uma tromba de água fazia um barco ancorado afundar?
Jean-Marie Dumon, ex-oficial da Marinha francesa com 35 anos de experiência e subdelegado-geral do Grupo Francês de Indústrias de Construção e Atividades Navais (Gican), explicou à AFP várias hipóteses e como os fatores meteorológicos podem ter criado uma situação "absolutamente caótica" para a embarcação.
Embora pareça surpreendente, "a verdade é que uma tromba de água é um fenómeno que se pode assemelhar a um tornado violento, que consiste num movimento de sucção entre um céu carregado de nuvens e a superfície terrestre", nota.
Segundo o especialista, "seria necessário analisar os radares meteorológicos e o que ocorreu no local, frente à costa da Sicília", mas em causa poderá estar uma diferença de temperaturas entre uma cobertura de nuvens relativamente fria e uma superfície de água muito mais quente do que o habitual", como é o caso do Mediterrâneo, que regista este ano uma temperatura da superfície superior à média, chegando quase aos 30 graus.
Por outro lado, é preciso olhar para o próprio veleiro. Embora seja uma embarcação de grande dimensão — cerca de 56 metros e um mastro de 75 — é precisamente este factor que pode "ter causado um efeito amplificador devido à relação entre esse mastro e o comprimento do barco, provocando um tombo num determinado momento".
"Uma vez que se inclina de lado, a água pode começar a entrar rapidamente no veleiro", justifica. E o facto de o barco ter sido encontrado no fundo do mar "sem rachas ou danos aparentes" sugere precisamente que "perdeu a estabilidade em algum momento. Como estava ancorado, era menos manobrável. Estava estacionado, então a tripulação não podia manobrar com tanta rapidez como se estivesse a navegar".
Quem são as vítimas mortais?
A primeira vítima mortal foi confirmada poucas horas após o acidente: Recaldo Thomas, que trabalhava a bordo como cozinheiro.
As restantes seis vítimas são o proprietário da embarcação, o magnata britânico da tecnologia Mike Lynch e a sua filha Hannah, o presidente da Morgan Stanley International, Jonathan Bloomer, e a sua mulher, Anne Elizabeth Judith Bloomer, um advogado de Lynch, Chris Morvillo, e a sua mulher, Nada Morvillo.
De acordo com diversos órgãos de comunicação britânicos, o magnata Mike Lynch, que também era conhecido como "Bill Gates britânico", tinha organizado o cruzeiro para festejar com a sua família, amigos e advogados a sua absolvição, em junho, num processo de fraude nos Estados Unidos, relacionado com a venda da sua empresa de software à Hewlett-Packard em 2011.
A par deste acidente, uma coincidência está a fazer-se notar: Stephen Chamberlain, que foi julgado nesse mesmo processo ao lado de Mike Lynch, morreu pouco antes do naufrágio após ser atropelado, no sábado, por um veículo em Inglaterra. Chamberlain era o ex-vice-presidente responsável pelas finanças da Autonomy, o editor de programas informáticos fundado em 1996 por Mike Lynch.
Alguma vez houve esperança de encontrar sobreviventes entre os seis desaparecidos?
Durante as buscas, um oficial da Guarda Costeira, o capitão Vincenzo Zagarola, disse que era "difícil imaginar" que as buscas pudessem terminar bem.
No entanto, especialistas referiram à AFP que veleiros como o Bayesian são projetados com portas herméticas que podem criar "bolsas de ar", o que poderia permitir que sobrevivessem por um tempo.
"Houve casos de sobreviventes neste tipo de bolsas de ar", lembrou Jean Baptiste Souppez, especialista britânico em engenharia e membro da Royal Institution of Naval Architects, num comentário fornecido pelo Science Media Centre.
Um exemplo é o caso do marinheiro nigeriano Harrison Okene, que foi resgatado em 2013 depois de passar quase três dias preso numa bolsa de ar após o seu barco ter virado ao largo da costa da Nigéria.
O que se pode aprender com o naufrágio do Bayesian?
Agora, uma investigação sobre o naufrágio pode resultar em mudanças na forma como os mastros deste tipo de embarcações são construídos.
"No caso do Bayesian, uma investigação de segurança, imagino, poderia referir-se à altura do mastro, se isso poderia ter causado um desequilíbrio com o casco, levando assim no futuro a não construir mastros tão altos ou a usar outros tipos de ligas, diferentes do alumínio", explicou Nicola Romana, professor de direito do transporte e turismo na Universidade de Palermo, ao jornal La Repubblica.
Sabe-se também que o Departamento de Investigação de Acidentes Marítimos do Reino Unido (MAIB) está a investigar o sucedido. Esta quarta-feira já estiveram quatro inspetores no local para realizar uma "avaliação preliminar". Todavia, esta entidade não vai prestar comentários "enquanto a investigação estiver em andamento".
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