“Trump conseguiu criar uma quebra de confiança à escala global inédita em qualquer Presidente norte-americano. É prejudicial para o que tinha sido uma ordem internacional em que os EUA no fundo tinham aculturado por todo o mundo”, considerou o diplomata e investigador.

“É a potência mais revisionista neste processo, ao contrário do que se esperava”, prosseguiu, ao aludir a uma “desconfiança” sobre a opção estratégica da NATO, e mesmo que tenha recuado em relação à organização aliada à Rússia “não deixou de tirar as suas conclusões”.

Seixas da Costa foi um dos oradores do painel “A nova ordem liberal de Trump a Pompeo”, um dos cinco temas abordados no colóquio “Trump a meio do mandato: que mais está para vir?”, que hoje decorreu no auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa por iniciativa do Instituto Europeu e do Centro de Investigação de Direito Europeu, Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEEFF) com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

No debate, moderado pela jornalista Luísa Meireles, também participaram o major-general e investigador do IPRI Carlos Branco, a historiadora Irene Flunser Pimentel, o político e académico Rui Tavares e Sandra Monteiro, jornalista e diretora da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique.

O poder dos Estados Unidos à escala global que “permanece muito grande e condiciona quem tem razão, ou não”, o facto de Trump “ter praticamente as mãos livres ao nível do que é a administração norte-americana” ou as tentativas de um regresso aos interesses nacionais foram ainda aspetos abordados na intervenção.

“Mas ao mesmo tempo dá sinais de se estar a descomprometer de determinados cenários, mas o recuo em relação à presença internacional dos Estados Unidos já vem da administração Obama”, recordou, apesar de Washington manter um “forte poder constrangente” à escala global.

“Se os EUA conseguirem um dia dar um passo em frente em matéria da sua confrontação com a China, em termos comerciais, mas também de algum tipo de sanções ou divisão à escala global, muitos poderes europeus acabarão por se subordinar à política dos EUA face à China. Resta saber até que ponto esse poder, no quadro unilateral, consiga destruir a ordem multilateral”, assinalou.

Na “impulsividade” do Presidente dos Estados Unidos, prejudicial “para o que tinha sido uma ordem internacional em que os EUA no fundo tinham aculturado por todo o mundo”, o embaixador não deteta qualquer doutrina alternativa.

“O que existe é dar poder aos grandes poderes, favorecer o diálogo bilateral com poderes fortes e em particular com estruturas iliberais, mas não existe nenhuma ordem alternativa no quadro global”, sugeriu.

“Estamos perante um Estado que, por um lado, pretende regressar aos interesses nacionais como elemento central da sua política, mesmo externa, e ao mesmo tempo dar sinais de estar a retirar-se de determinados cenários onde no passado terá ido longe demais”, acrescentou.

No entanto, precisou: “Esta leitura era também de Obama, o recuo em relação à presença internacional dos EUA era uma doutrina que já vinha de Obama”.

A “dependência” internacional face ao futuro de Trump, no plano da política interna, foi outro aspeto vincado na análise de Seixas da Costa, e que poderá ser determinante.

“Se a situação interna de Trump se vier a agravar… não estamos com uma ordem internacional ainda não completamente destruída por Trump, mas está seriamente ameaçada”, frisou, para também recordar os novos desafios da ordem internacional e a preservação dos “valores da modernidade” que sempre foram veiculados pelos grandes poderes.

“A circunstância de os EUA se retirarem dessa luta, se aliarem objetivamente a países e regimes que rotulam com ideias completamente diferentes, faz que exista uma grande retração internacional na capacidade de os sustentar”, defendeu.

Assim, Seixas da Costa admitiu a perspetiva de “uma ordem internacional tutelada, chefiada, por países para quem esses valores”, considerados básicos, “acabem por ser tutelados por minorias ou por ONG [organizações não-governamentais]. Este é um dos novos efeitos prejudiciais da presença da nova América de Trump à escala global”.

O “suporte doutrinário” de Trump, que define as premissas do seu pensamento, foi um dos vetores da intervenção do major-general Carlos Branco, investigador do IPRI, ao considerar o líder da Casa Branca um ator político racional.

“Trump não é imprevisível. Mas existem as circunstâncias. Em relação à política externa, é exatamente aquilo que os seus antecessores fizeram. Há três áreas do globo das quais os EUA não vão abrir mão, a Europa, o Golfo Pérsico e o noroeste asiático. Em relação a esta região leia-se China, e em relação à Europa leia-se Rússia. Existe uma grande coerência do ponto de vista de pensamento”, acrescentou.

O “ódio ao liberalismo e à ordem liberal e que “existe à esquerda e à direita” foi um dos temas da intervenção da historiadora Irene Flunser Pimentel, e que na sua perspetiva também caracteriza o pensamento do Presidente dos EUA.

“Uma das coisas muito inteligentes que está a fazer é criticar essa ordem liberal, diria que está a defender uma ordem iliberal. E recordo a rutura moral que Trump praticou nos EUA, de egoísmo, de xenofobia, nacionalismo, que coincide com o que se passa na Europa, e temo o que vai sair daqui, especialmente nas próximas eleições europeias”, disse.

E numa manifestação de sentimento pessimista, como reconheceu, assinalou que “a não defesa das organizações internacionais e da ordem pós-II Guerra Mundial ou pós-Guerra fria, vai provocar uma passividade e uma ausência completa de resistência a um fenómeno como Trump”.

O ativista político e historiador Rui Tavares optou antes por tentar responder à questão colocada pela moderadora, se o sistema internacional ainda funciona, mas acrescentou contributos.

“Não apenas isso, mas ainda que tipo de instituições precisamos para resolver os problemas que temos. Há instituições que precisamos de preservar, outras de reformar e novas que podemos criar. Um novo contrato que não substitua o anterior, mas o complementa”, defendeu.

“Precisamos de uma União Europeia que se refunde democraticamente e apreenda a enorme oportunidade que tem com esta situação internacional”, precisou.

Última oradora, a jornalista Sandra Monteiro optou por dissecar o atual estado dos EUA, da Europa, do mundo, na sua perspetiva.

“Estamos num momento em que a organização da globalização neoliberal junta com a crise da social-democracia tentam dizer-nos que devemos aceitar que o mundo se divide em duas partes, e temos de escolher uma delas; por um lado a saída nacionalista populista, e por outro lado a saída liberal ou neoliberal. Mas nem o populismo nem o liberalismo nos estão a dar boas respostas”, sustentou.

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