Durante as várias horas em que depôs perante o Comité de Supervisão e Reforma da Câmara Baixa do Congresso, Michael Cohen fez várias das revelações que constam do rascunho do testemunho que foi previamente veiculado à imprensa.

Quanto à mais potencialmente danosa de todas as possíveis práticas de Trump, a de conluio entre a sua campanha e Moscovo para interferir nas eleições presidenciais de 2016, Cohen disse não ter "nenhuma prova direta", mantendo, ainda assim, suspeitas quanto ao tema que está a ser investigado pelo Departamento de Justiça e pelo Congresso.

Contudo, o ex-advogado de Trump disse ter provas "irrefutáveis" de outros atos ilícitos do atual presidente dos EUA, incluindo um cheque bancário que Cohen passou a duas mulheres - uma delas, a atriz de filmes pornográficos Stormy Daniels - com quem Trump manteve relações extraconjugais para silenciá-las pouco antes da eleição de 2016.

Esse foi, inclusive, um dos atos que condenou Cohen a três anos de prisão por múltiplos crimes, sendo que o ministério público norte-americano tinha pedido também uma pena para o advogado por ter emitido “declarações falsas” sobre as negociações de uma potencial Torre Trump em Moscovo, que acabou por não ser construída.

A esse respeito, Cohen denunciou perante o Congresso que Trump dirigiu as negociações para construir uma Torre Trump em Moscovo durante a campanha eleitoral de 2016, apesar de negar qualquer vínculo comercial com os russos. Para além disso, segundo afirmou, o presidente dos EUA ter-lhe-á ordenado implicitamente mentir sobre o projeto, sendo que Cohen avançou ainda que os advogados da Casa Branca "reviram e editaram" o seu testemunho em 2017, onde proferiu as ditas declarações falsas.

Outra revelação feita por Cohen respeita às ligações entre a campanha de Trump e a plataforma WikiLeaks a respeito da revelação dos e-mails de Hilary Clinton, candidata rival de Trump às eleições presidenciais de 2016.

O advogado declarou ter estado presente em meados de 2016 quando o consultor da campanha republicana Roger Stone chamou Trump para informá-lo que o WikiLeaks estava prestes a publicar informações prejudiciais sobre Clinton, que tinha recebido de hackers russos. "O Sr. Trump respondeu, dizendo 'não seria ótimo?'", contou Cohen.

Para além de todas estas acusações, Cohen disse ainda, perante o Congresso, ter conhecimento de outras práticas de Trump que não pôde revelar por estarem em segredo de justiça. Quando um membro democrata da comissão lhe perguntou se tinha "conhecimento de outras práticas ilícitas ou atos ilegais relacionados a Donald Trump e que ainda não citou hoje", o advogado respondeu que "sim", mas que "fazem parte da investigação atualmente conduzida por um tribunal federal de Nova Iorque" que lhe terá pedido para não falar delas publicamente.

Dados todos estes episódios que envolvem o presidente dos EUA, Cohen expressou arrependimento pela sua lealdade a Trump no passado."Estou envergonhado por ter escolhido participar nos atos ilícitos de Trump ao invés de ouvir minha própria consciência", afirmou o advogado, acusando-o líder máximo dos EUA de ser um racista, um vigarista e um trapaceiro".

Um testemunho "profundamente perturbador e que deveria ser preocupante para todos os americanos"

Perante estas revelações, o presidente do Comité de Supervisão e Reforma da Câmara Baixa., o democrata Elijah Cummings, disse que o testemunho de Cohen era "profundamente perturbador e que deveria ser preocupante para todos os americanos".

"Se é tão explosivo quanto parece, creio que é o começo de um processo de julgamento político", declarou à rádio NPR o deputado democrata Jackie Speier, outro membro do painel.

Sem surpresas, o testemunho de Cohen recebeu também uma enxurrada de contra-ataques dos republicanos.

O deputado Matt Gaetz, aliado de Trump, twittou uma ameaça velada a Cohen na terça-feira. "A sua esposa e o seu sogro sabem sobre as suas namoradas? Talvez esta noite seja um bom momento para esta conversa. Eu pergunto-me se ela vai permanecer fiel quando você estiver na prisão. Ela está prestes a saber de muitas coisas", escreveu Gaetz. Os democratas já reagiram a esta provocação, acusando o republicano de intimidação ilegal de testemunhas.

Trump, que está no Vietname para uma segunda cimeira com o líder norte-coreano Kim Jong Un, procurou antecipar-se a estas revelações, reagindo ao depoimento de Cohen exposto na imprensa e tentando desacreditar o seu ex-advogado. "Michael Cohen foi um dos muitos advogados que me representaram (infelizmente)", escreveu no Twitter, afirmando que Cohen foi desabilitado por um tribunal estadual por "mentir e cometer fraude" e acusando o magistrado de "mentir para reduzir o seu tempo de prisão!"

"Achas que sou imbecil? Não ia mesmo para o Vietname"

No entanto, Cohen aproveitou o facto de Trump estar nesse país do sudeste asiático para fazer mais uma revelação incómoda sobre o presidente. De acordo com o advogado, Trump ter-lhe à confessado que usou uma falsa desculpa médica para evitar ser enviado para combater na Guerra do Vietname em 1968.

"Achas que sou imbecil? Não ia mesmo para o Vietname", terá dito o magnata a Cohen, dizendo ter obtido dispensa devido à existência de esporões nos seus calcanhares [nome comum dado a uma condição médica chamada Fascite plantar]. "Mas quando eu pedi os registos médicos, ele não me deu nada e disse que não tinha feito cirurgia... Disse que não responderia às perguntas dos jornalistas, e que diria que recebeu uma dispensa médica".

Cohen também afirmou que os Estados Unidos viram Trump cortejar supremacistas brancos, mas que a nível privado "é ainda pior". "Uma vez perguntou-me se eu poderia dizer um país dirigido por uma pessoa negra que não fosse uma 'merda'. Isso foi quando Barack Obama era presidente dos Estados Unidos", disse Cohen.

O advogado parecia tenso quando começou o seu depoimento perante o Comité - controlado pelos democratas desde janeiro - a única audiência aberta e televisionada das três marcadas para semana. Ontem, Cohen passou oito horas à portas fechada no Comité de Inteligência do Senado, que está a investigar a possível interferência da Rússia nas eleições de 2016 e o comportamento de Trump durante a campanha.

Amanhã decorre a última sessão, sendo que Cohen vai testemunhar, novamente à porta fechada, no Comité de Inteligência da Câmara, que também está a analisar as ligações russas às eleições, bem como as relações comerciais de Trump com os russos.

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