“Putin não atacou a Ucrânia por recear que aderissem à NATO, foi um pretexto. Atacou a Ucrânia porque não queria uma Ucrânia europeia, e a Ucrânia é um caminho aberto para a Rússia. E por isso quer conquistá-la e ficar na História como um grande líder, como Estaline”, indicou o político conservador finlandês, 53 anos, um dos intervenientes numa Conferência virtual organizada hoje pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, sob o lema “A Invasão da Ucrânia: desafios para a Europa e o Mundo”.
No decurso de uma conversa com Miguel Poiares Maduro, professor universitário e ex-ministro, Stubb sugeriu que na sequência da invasão militar da Rússia pela Ucrânia será necessário “pensar no longo prazo”, ao admitir que a atual situação se poderá prolongar.
“Em última análise, haverá uma nova ‘cortina de ferro’ entre um agressor autoritário, a Rússia, e o resto da Europa. Terão de existir cálculos bem claros sobre os custos deste isolamento, por exemplo os turistas russos em Portugal ou os investimentos dos oligarcas”, indicou.
Após referir que no campo da dependência energética a União Europeia deverá prescindir no imediato da importação de petróleo russo, e posteriormente do gás, Stubb perspetivou três possibilidades que vão determinar o desfecho da atual situação, a primeira das quais é que “Putin retire por não conseguir vencer a guerra”.
“Mas não me parece provável porque esta guerra é demasiado importante para que Putin falhe. Antes disso acontecer, vai começar a usar armas químicas, não julgo que use armas nucleares, não é suicida”, adiantou.
“A segunda opção é uma divisão da Ucrânia, entre leste e oeste, que não será sustentável, e a terceira opção é que esta guerra não acabe. Será uma destruição total da Ucrânia, uma nova Bósnia mas com 40 milhões de pessoas”.
O político finlandês considerou que as duas últimas opções “são infelizmente as mais prováveis nesta fase, mas devemos estar preparados para tensões durante muito tempo”.
O ex-primeiro-ministro de um país fronteiriço da Rússia e que acompanha com particular atenção as evoluções políticas em Moscovo, recordou que desde o século XV que a história da Rússia tem sido dirigida por “líderes czaristas”, à exceção do período entre 1991 e 1999, que coincidiu com a desintegração da União Soviética e o consulado de Boris Ieltsin.
“Há um contexto histórico e cultural no ‘ADN’ dos líderes russos, o poder vindo de Deus, o líder supremo, como em Catarina II. Depois tinham os seus príncipes que cumpriam ordens, porque o líder nunca está errado”, precisou.
“É um sistema que aconteceu no tempo dos czares, nos líderes comunistas e agora com Putin. Não há grandes dúvidas. A ideia de que todos querem atacar a Rússia, que está isolada: primeiro os mongóis, os nazis, agora a NATO, e conseguiram sempre salvar a Europa dos seus invasores”, disse Stubb.
Perante as características desta forma de poder autoritário, Stubb frisou que “a ideia da ‘desnazificação’ da Ucrânia encaixa muito bem entre a opinião pública russa, com 80% a continuarem a apoiar Putin”.
A perspetiva de um golpe interno que afaste o atual líder do Kremlin foi outro cenário que não excluiu no decurso do diálogo com Poiares Maduro.
“Golpes desde o interior já têm acontecido. A Revolução russa foi um bom exemplo e em 1991 também. Primeiro era a linha dura, mas depois Ieltsin subiu a um tanque, achavam que Gorbatchov era demasiado fraco… não podemos excluir a possibilidade de vir uma linha mais dura a seguir a Putin. É um ex-agente do KGB, rodeou-se de agentes da segurança, mas um golpe pode sempre acontecer, não excluo essa possibilidade. Não sabemos quando poderá acontecer, Putin não sairá facilmente”, adiantou.
Após frisar que “a forma como os líderes russos saem normalmente [do poder] ou é num caixão, para a prisão ou para o exílio”, Stubb disse que “neste caso específico” também poderá surgir “um príncipe consorte que garante a vida do anterior líder”.
Ao referir-se à atual situação militar na Ucrânia na sequência da invasão russa, que se aproxima da sua quarta semana, Alexander Stubb considerou que de momento não se perspetiva um cessar-fogo.
“Temos de deixar de ter ilusões sobre um acordo de cessar-fogo iminente, não vai acontecer”, ao contrário do que sucedeu com a intervenção militar na Geórgia em 2002, um dos exemplos a que recorreu.
“O que então estava em causa era pouco. Agora, é muito mais, e temos que perceber na Europa que se Putin decidiu ir até ao fim, não vai parar. E temos de entender as razões por que o faz. Quer criar a grande Rússia, a Rússia histórica do século XIX, é esse legado que pretende. E isso inclui uma língua russa, a religião ortodoxa e um líder, ele próprio. Fará tudo ao seu alcance para garantir esse objetivo, não tem a ver com segurança, tem a ver com a Rússia e os seus valores”, disse Stubb.
“Putin adora a União Soviética, adora Estaline. E a Rússia nunca enfrenta o passado. A Alemanha lidou com o seu passado, com o nazismo, os russos nunca o fizeram com a União Soviética. É sabido, mas não admitido, que Estaline matou mais de 25 milhões de pessoas, e este é um dos grandes problemas da Rússia neste momento”, adiantou.
Numa referência ao impacto no seu país da invasão russa da Ucrânia, Stubb sublinhou a “mudança radical na Finlândia em termos de atitude”, que designou de medo racional, numa nação escandinava que assumiu o estatuto de país “neutral” após o início da Guerra Fria – a designada “finlandização”.
“Na era do pós-Guerra Fria fizemos a opção de aderir à União Europeia [UE] mas não à NATO. Em retrospetiva penso que foi um erro, mas agora não vale a pena lamentarmo-nos. Mas temos participado em operações da NATO e em termos operacionais provavelmente somos mais compatíveis do que muitos Estados-membros”, prosseguiu.
“Existe o medo de que, se a Rússia age desta forma, então devemos acautelar-nos. Antes da guerra, as sondagens eram 20% a favor da adesão, agora são 62% a favor e 16% contra. E a próxima sondagem dirá que 70% são favoráveis à adesão”, assinalou.
E a invasão russa de 24 de fevereiro foi decisiva para a alteração da perceção da população finlandesa face ao seu vizinho.
“A nossa adesão tornou-se clara a partir de 24 de fevereiro, os nossos líderes não podem dizer isso, mas é um momento que deve ser tratado com discrição, […] no curto prazo vamos ter tantas garantias de segurança dos EUA, UE, Suécia, os nossos parceiros de Londres, e quando chegar a altura certa apresentamos o nosso pedido de adesão à NATO”, admitiu.
“Vamos entrar para a NATO, tenho a certeza absoluta, não acontecerá nesta semana nem na próxima, mas vai acontecer dentro de meses, é uma questão de tempo”, concluiu.
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