Foi assim que tudo começou. Na data definida, Fernão de Magalhães, que após ter participado na conquista portuguesa da Rota das Especiarias ofereceu os seus serviços à coroa espanhola e ao jovem rei D. Carlos I, saiu de Espanha para dar a volta ao mundo.

Uma vontade de ferro

A viagem começou por permitir descobrir, em outubro de 1520, um estreito — um ponto de passagem entre dois oceanos — que, hoje, tem o nome do navegador, na América do Sul. Antes de lá chegar, o navegador já tinha perdido dois dos seus barcos. Um deles naufragou nos mares do sul do continente americano e outro fugiu para voltar a Espanha, de forma clandestina, e assim não ter de enfrentar as prováveis tempestades que se seguiriam.

Deixando para trás o Atlântico, batizou um oceano que já tinha nome. O Oceano do Sul, assim denominado pelo navegador espanhol Vasco Nuñez de Balboa, que o descobriu, passou a ser conhecido por Oceano Pacífico depois de Fernão de Magalhães lá ter passado. Percorrendo o litoral sul-americano, o português ficou impressionado com a tranquilidade das águas e alterou-lhe o nome — mas, na verdade, o dia era atípico, já que o Pacífico é mais perigoso do que o oceano que banha Portugal, que tão bem conhecia.

Com isto, um objetivo alcançado: descobrir uma nova rota para as Ilhas Molucas, ricas em especiarias, em nome do rei espanhol. Mas as tormentas continuaram. Ao longo do caminho, o português teve de usar todo o seu afinco para lidar com o desânimo dos seus homens e os motins organizados pelos capitães espanhóis.

Mas lidar com os homens, olhar para o mar e para a costa não chegava. Magalhães olhava também para o céu — e acabou por dar o seu contributo à astronomia, ao descobrir duas galáxias visíveis a olho nu do hemisfério sul, entre a linha do Equador e o Polo Sul, as chamadas "Nuvens de Magalhães".

Uma morte sem glória

Após a travessia do Pacífico, Fernão de Magalhães chegou ao arquipélago das Filipinas, mais ao norte mas na mesma longitude das Ilhas Molucas. Os barcos que restavam atracaram na pequena ilha de Mactán, junto a Cebu.

Os espanhóis procuraram um acordo e um entendimento com o rei local, que previa o batismo do rei e a vassalagem a Carlos V. Para o rei de Cebu, esta aliança era importante, mas nem todos pensavam assim nas redondezas. Um dos chefes da ilha vizinha de Mactán, chamado Lapu Lapu, recusou-se a pagar tributo ao rei de Espanha e Fernão de Magalhães decidiu resolver pessoalmente a questão, levando consigo um pequeno grupo de soldados.

Mas caiu numa armadilha, que opôs 50 espanhóis a cerca de 1.500 guerreiros indígenas. O cronista veneziano António Pigafetta, que esteve presente, fez o relato do que aconteceu: as condições da praia impediram os espanhóis de utilizar a artilharia e obrigaram-nos a desembarcar, tendo sido atacados de imediato.

Uma chuva de flechas envenenadas trespassaram os ares, uma das quais feriu Magalhães, que acabou por morrer em combate. "Assim morreu o nosso guia, a nossa luz e o nosso apoio", nas palavras de Pigafetta.

Um quebrar ordens

Magalhães morreu mas a viagem continuou — mas noutros moldes. Carlos I ordenou à expedição que chegasse às Molucas e voltasse para Espanha navegando para o leste, não dando assim a volta ao mundo. Dois barcos da expedição atracaram nas ilhas e encheram os seus porões de cravo. Um deles tentou chegar a Espanha cruzando o Pacífico, mas naufragou numa tempestade. O outro navio, comandado pelo basco Juan Sebastián Elcano, decidiu desafiar as ordens do rei e apostou em voltar para Espanha pelo oeste, por águas controladas pelos portugueses, a quem conseguiu enganar, acabando por completar a volta ao mundo.

E estava feito.

Porto de Sanlúcar de Barrameda, 8 de setembro de 1522. Elcano regressou a Espanha. Perderam-se Fernão de Magalhães, quatro barcos e muitos marinheiros — sobreviveram cerca de 20. Foram percorridas 42.000 milhas, das quais 22.000 desconhecidas. Regressou a nau Victoria e ficou completa a primeira circum-navegação do planeta.

*Com AFP