“Speakers Corner”. Local situado na zona nordeste de Hyde Park, em Londres. Desde meados do século XIX que aquele ponto específico do imenso parque citadino é um espaço para debates e palco para discursos proferidos por qualquer cidadão comum que peça a palavra. Quem tem algo a dizer ao mundo, avança e fala. E assim foi no Cinema São Jorge.

No dia 26 de abril, um dia depois das comemorações do 45º aniversário da Revolução dos Cravos, a 3ª edição do “Festival Política” levou ao cinema em Lisboa um debate sobre a Europa.

André Soares, antropólogo, serviu de moderador, mestre de cerimónia e “convidador”, para convencer as vozes da plateia a saltarem para o palco. Uma inspiração no “Speakers Corner”, gracejou Rui Oliveira Marques, responsável pela organização deste evento que debate “Para onde vai a Europa” até ao próximo dia 28.

Quatro rondas de perguntas, cinco participantes de cada vez. Antecipando um “debate informal” e a necessidade de ter um gender balance (equilíbrio do género), André Soares explicou as regras do jogo: confrontados com cada uma das questões, os “convidados” sairiam das suas zonas de conforto e caminhariam para o lado do “Concordo” ou do “Discordo”, dando espaço ainda para uma zona cinzenta, ou mesmo para “mudar de opinião”. Muitos “arrancados” da plateia e poucos de iniciativa própria caminharam pelas suas pernas até ao centro da sala Manoel de Oliveira para opinar. Tudo acompanhado com tradução para Língua Gestual Portuguesa.

Ruben, Madalena, Martim, Sofia e Cláudia, todos jovens, serviram de cobaias neste debate que ganhou tiques de “Prós e Contras” e que teve como pergunta de arranque se concordavam, ou não, com a “saída de Portugal da União Europeia”.

A unanimidade foi quase total a favor da permanência. “Perigos de populismos com uma Europa fraca (Martim)” ou a “ausência de condições monetárias e estruturais para sair da UE (Sofia)” foram alguns dos argumentos. Por sua vez, Ruben, que se assumiu como “indeciso”, apesar dos elogios aos avanços nos “Direitos Humanos”, manifestou-se contra a “imposição de legislação europeia e decisões de alguns órgãos (Banco Central Europeu e Comissão Europeia) que não são eleitos”, sustentou. E aí ganhou quatro adeptos que concordaram na “necessidade de mais comunicação e democratização das instituições da União Europeia”.

Aferir a “capacidade de influência enquanto cidadão sobre as decisões de política europeia” foi o mote para o segundo round. E aqui entrou a palavra lóbi que “é maior que os cidadãos”, conforme descreveu Antónia. A prática mereceu críticas dos jovens Francisco e Catarina, com esta última a relembrar a eleição de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia e a sua saída para a Goldman Sachs enquanto deixava a sugestão que a Europa deveria ser pensada de forma “mais criativa” e apontava para a necessidade de se “criar mecanismos de participação mais locais que façam os cidadãos sentirem-se mais próximos” de Bruxelas.

A discordante Beatriz, 17 anos, que se sente “sem voz individual”, embora reconheça que “juntos conseguimos fazer algo como as manifestações climáticas (nas quais já participou)”, acusou os políticos de ignorarem os “mais novos”. Alinhado com Beatriz, Pedro assumiu-se como “defensor de referendos”.

O aproveitamento político da questão das migrações

A Europa “não levava a sério a proteção ambiental”? Este foi o terceiro tema servido durante a hora de discussão aberta a todos e para todos. A questão dos plásticos foi o denominador comum e serviu para colocar duas visões antagónicas frente-a-frente.

Se o jovem Pedro, que discordou, falou de uma participação mais “musculada pelas novas gerações”, o menos jovem Francisco, situado do lado do “concordo”, descreveu que são “os potentados económicos que controlam as famílias políticas”, dando como exemplo o que se passa na questão dos “plásticos” e no que se está a “pensar fazer na Amazónia” [rever demarcação de terras indígenas e explorar o território]. "Se for para a frente aquilo que Bolsonaro se prepara para fazer é um crime”, diz.

Uma incursão externa ao tema Europa que mereceu a concordância de Daniele, cidadã brasileira a estudar em Portugal e que, no entanto, se situou no lado oposto. “O Brasil, como os EUA, são sociedades de consumo. Na Europa e em Portugal não sinto isso. E as práticas de consumo não ajudam o ambiente”, frisou.

A voz da experiência de Liliana apontou para um “nim” e relembrou que as políticas “agem suportadas por entidades económicas”. Apesar de reconhecer “estarmos melhores”, exige mais. Vivemos no “século do conhecimento em que temos poder de boicotar os produtos”, rematou.

Por fim, o tema “as migrações afetam diretamente a vida de quem vive na Europa comunitária” encerrou o momento de vox populis em palco, que teve alguns momentos de “perguntas como no programa da Cristina”, comparou André Soares.

Pedro, estacionado em zona de ninguém, voltou a falar de populismos, Ruben, que discordou e Beatriz, que se manteve ao lado deste último, com quem repetiu a presença no plateau, sublinhou que as migrações de hoje são de “culturas e religiões diferentes”, o que pode provocar a “estranheza” sobre o outro e não tanto as “migrações em si”. No extremo oposto, Chiara, italiana, falou do seu país natal. “As migrações afetaram o meu país”, começou por dizer, dando como exemplo a ação de partidos políticos. “A Liga Norte mudou o seu programa. E até o Movimento 5 Estrelas se está a aproveitar desta questão dos migrantes”, com ambos os partidos a assumirem discursos anti-imigração, encerrou.

A 3ª edição do Festival Política vai andar por Lisboa até 28 de abril a falar de assuntos sérios: das crises migratórias, aos populismos até às fake news, passando pelo lóbi em Bruxelas - através da música, cinema, exposições, performances, debates, workshops, talks e visitas guiadas. E até as crianças são chamadas ao palco.

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