“Noventa e nove por cento dos russos são apolíticos. Não estão dispostos a agir, nem a favor nem contra Putin”, disse um dos líderes da organização não-governamental (ONG) Memorial, vencedora do prémio Nobel da Paz em 2022, em entrevista à agência espanhola EFE.
Orlov, 70 anos, considerou que o “regime autoritário” do líder russo, Vladimir Putin, se assemelha ao imobilismo que caracterizou a União Soviética na década de 1970.
“É um regime em que a mobilização das massas já não é necessária. Mas se as autoridades o exigirem, os russos farão o que lhes for pedido sem se queixarem”, reconheceu.
A União Soviética, proclamada em 1922, quatro anos depois da revolução bolchevique que depôs a monarquia russa, disputou com os Estados Unidos a influência no mundo até colapsar em 1991.
A dissolução da União Soviética resultou na independência de grande parte das repúblicas socialistas que a constituíam, como a Ucrânia, que foi invadida pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022.
A invasão ordenada por Putin, no poder desde 2000, desencadeou uma guerra que já foi considerada como a crise de segurança mais grave na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
“O futuro do meu país está a ser decidido no campo de batalha da Ucrânia”, declarou Orlov durante a entrevista divulgada hoje pela EFE.
“Se Putin vencer, o seu regime perpetuar-se-á durante muitos anos. Isso será perigoso para o mundo inteiro. Não vejo uma mudança com Putin no poder. Isso não é possível”, defendeu.
Em caso de derrota, disse acreditar que será possível uma transição democrática, embora sem excluir a possibilidade de uma guerra civil ou de uma nova desintegração do país.
“Qualquer evolução para a democracia será difícil e muito perigosa, mas não há outro caminho”, defendeu, insistindo que não há desenvolvimento “sem uma verdadeira democracia”.
Orlov disse que, apesar de a “espiral de repressão” não parar, há russos que criticam o Kremlin (sede do poder em Moscovo) e a guerra na Ucrânia, mas a maioria opta pelo silêncio.
Uma das razões do silêncio é a delação, disse Orlov, referindo que falar abertamente “é agora muito perigoso”, tal como nos tempos soviéticos.
“A delação é uma característica típica do fascismo”, considerou.
Por uma simples palavra, os russos podem ser multados e, em caso de reincidência, podem ser condenados a longas penas de prisão, referiu.
“Cada caso criminal intimida cada vez mais as pessoas. É por isso que as pessoas na Rússia se mantêm caladas e não saem para a rua”, disse.
Ao contrário de outros dissidentes exilados, Orlov decidiu ficar na Rússia por liderar vários programas de assistência jurídica a pessoas injustamente perseguidas por extremismo e terrorismo.
“Sou um patriota russo. Trabalho no interesse da Rússia, não da Rússia de Putin. Vejo a ação penal como uma continuação do meu trabalho”, afirmou.
A Memorial foi criada na União Soviética em 1987 para documentar os crimes cometidos durante a era estalinista (1924-1953), contando entre os fundadores com Andrei Sakharov, prémio Nobel da Paz em 1975.
A organização não-governamental também recolheu informações sobre alegados crimes de guerra cometidos pelas forças russas nas guerras da Chechénia (1994-1996 e 1999-2009).
A Memorial foi declarada ilegal em março de 2022.
Oleg Orlov começou a ser julgado em junho, sob a acusação de desacreditar o exército russo por críticas à guerra na Ucrânia, e pode ser condenado até cinco anos de prisão.
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