O que afinal foi dito?

Na quarta-feira à noite, Morawiecki salientou que a Polónia "já não estava a transferir quaisquer armas para a Ucrânia" e que se estava a concentrar "principalmente na modernização e no rápido armamento do exército polaco".

Volodymyr Zelensky não gostou de ouvir e teceu duras críticas, salientando que “certos países (que) fingem solidariedade (com a Ucrânia), apoiando indiretamente a Rússia”, num claro recado à Polónia.

Após este desfile de provocações, Andrzej Duda vem a terreiro tentar apaziguar o clima, já por si bastante tenso desde há várias semanas.

“As palavras [de Mateusz Morawiecki] foram interpretadas da pior forma possível (…). Na minha perspetiva, o primeiro-ministro queria dizer que não vamos transferir para a Ucrânia o novo armamento que estamos em vias de adquirir para modernizar as Forças Armadas polacas”, disse Duda à cadeia televisiva TVN24, isto também já depois de na quarta-feira, Varsóvia ter convocado o embaixador ucraniano "com urgência" para protestar contra as tais declarações do Presidente Volodymyr Zelensky na ONU.

Um clima cada vez mais tenso, portanto, entre os dois países. Tudo devido a decisões políticas.

As legislativas, as culpadas?

Desde o início do conflito armado na Ucrânia, após a invasão da Rússia, em fevereiro do ano passado, a Polónia foi um dos países que desde logo se colocou ao lado do governo de Volodymyr Zelensky, tendo mesmo sido uma das nações que manteve um embaixador em Kiev durante os primeiros dias da invasão. Aliás, Andrzej Duda, presidente polaco, terá sido mesmo um dos líderes mundiais que mais visitas fez ao país vizinho, para demonstrar toda a sua solidariedade.

A Polónia foi também dos que mais refugiados acolheu, acima dos três milhões de ucranianos. Tudo isto faz com que muitos se perguntem então quais as razões de uma possível mudança de estratégia. Muitos especialistas, contudo, apontam o dedo a apenas uma: as eleições legislativas, marcadas para o próximo dia 15 de outubro.

Neste momento, as sondagens apontam que o partido no poder (PiS), desde 2015, estará a perder terreno. Se em 2019, o mesmo obteve 43,6% dos votos, as últimas sondagens apontam para que a intenção de voto esteja nos 38% e que as eleições sejam de facto muito renhidas.

Sob pressão dos críticos, dentro e fora do partido, e já depois da Comissão Europeia ter decidido não prolongar o embargo à importação por cinco países de leste de cereais vindos da Ucrânia, o governo polaco, além dos húngaro e eslovaco, decidiu manter a proibição.

A justificação para tal veio com o apoio aos agricultores locais, que terão sofrido bastante com a importação dos cereais ucranianos.

“Durante os primeiros quatro meses deste ano, a importação de trigo ucraniano para a Polónia aumentou 600 vezes, a agricultura polaca foi desestabilizada e o governo polaco não teve escolha senão intervir”, disse Daniel Szeligowski, investigador sénior sobre a Ucrânia no Instituto Polaco de Assuntos Internacionais.

O governo de Morawiecki chegou mesmo a ter de desembolsar 100 milhões de euros para compensar os agricultores polacos, pelo que esta decisão de prolongar, de alguma forma, o embargo a cereais ucranianos, muito terá a ver com questões políticas. De acordo com os especialistas, as exportações de cereais são vistas como uma tábua de salvação económica e política, dado que será importante para o partido no poder manter esta larga franja de apoio do seu lado.

“Trata-se principalmente da eleição e os motivos são bastante claros”, disse Wojciech Przybylski, editor-chefe da revista Visegrad Insight ao The Guardian. O PiS espera “flexionar os músculos com os seus principais grupos eleitorais”, acrescentou, incluindo aqueles envolvidos na agricultura no leste da Polónia, que foram os mais afetados pelo influxo de cereais ucranianos e que têm "grande peso" nas eleições.

O partido nacionalista PiS também enfrenta um desafio do partido de extrema-direita Konfederecja, que defende menos ajuda à Ucrânia e concentra-se nas questões internas da Polónia. “Tem havido um motivo persistente nas comunicações governamentais desde maio, com o PiS a procurar apoio entre os eleitores nacionalistas e anti-ucranianos”, salientou Przybylski, referindo depois que a “forma como isto se desenvolverá dependerá, obviamente, do resultado das eleições, mas é provável que tenha um efeito duradouro nas relações, independentemente de quem esteja no poder”.

Obviamente que estas medidas do governo já receberam críticas dos principais rivais nas legislativas, a coligação liderada por Donald Tusk, que acusou na quinta-feira Mateusz Morawiecki e o partido no poder de um “escândalo moral e geopolítico de esfaquear politicamente a Ucrânia pelas costas quando decidem lutar no frente ucraniana, só porque será rentável para a sua campanha”.