Ex-primeiro-ministro belga, deputado europeu e co-presidente em representação do Parlamento Europeu da Conferência sobre o Futuro da Europa — que coloca na mão de cidadãos dos 27 Estados-membros o caminho que a UE deverá seguir —, Guy Verhofstadt defende que a União deve ir mais longe nas políticas comuns se quer ter êxito e peso geopolítico no mundo, caso contrário estará condenada a agir "muito pouco e demasiado tarde".

Para Guy Verhofstadt os cidadãos devem ter mais voz e ser mais ativos no processo de decisão, num modelo de governo que deve ser um misto de democracia representativa e participativa. "Isto não é como Les conventions de citoyens [convenções de cidadãos] ou outras experiências levadas a cabo na Irlanda ou na Alemanha, em que se perguntou aos cidadãos o que queriam para depois os políticos fazerem o que lhes apeteceu", garantiu.

A ideia, e esse será o seu legado, diz, é que as recomendações votadas pelos cidadãos - que serão discutidas na primeira sessão plenária de março - possam mais tarde vir a estar refletidas na lei, "e talvez até possam dar origem a novos Tratados" da União, avança o eurodeputado.

A ameaça russa e uma eventual guerra na Ucrânia, a superpotência China ou as saudades da ex-chanceler alemã Angela Merkel também foram temas desta conversa, que começou numa conferência de imprensa internacional conjunta e terminou no dia seguinte, em exclusivo com o SAPO24, depois de uma pausa para café, no Centro de Exposições e Congressos de Maastricht, nos Países Baixos.

A União Europeia está preparada para defender a Ucrânia? Como?

Penso que as declarações de todos os líderes europeus ao longo das últimas semanas tornaram claro que o que queremos é uma Ucrânia independente. Eu próprio fui o primeiro do meu grupo a pedir à União Europeia sanções para a Rússia, em 2014. A consequência é ter entrado para a lista negra de Putin, não posso entrar na Rússia porque estou na lista negra. Acredito muito numa Ucrânia independente. E é também isso que, com tudo aquilo que está ao nosso alcance, pretendemos atingir. Nesta fase, sejamos francos, vamos tentar alcançá-lo através da diplomacia e de novas formas de diplomacia. Porque ninguém, nem um único cidadão na Ucrânia, quer uma guerra no seu país.

O que representa para a União Europeia a invasão da Ucrânia?

Já li grandes análises de especialistas a dizer que se a invasão acontecer isso irá gerar mais unidade entre os países da União Europeia. Mas não é isso que está em causa, o que está em causa é algo mais importante: a paz ou a guerra. Guerra no continente europeu. Há mais de sete décadas que não tínhamos uma guerra em solo europeu, e penso que temos de fazer tudo o que for possível para a evitar. Portanto, todos os esforços, incluindo a visita do presidente francês a Moscovo e outras que venham a acontecer no futuro, são úteis.

Disse que não há uma guerra no continente europeu desde há 70 anos, esquece-se dos Balcãs (Jugoslávia e Kosovo). 

De acordo, tem toda a razão, peço desculpa. De resto, os Balcãs são um bom exemplo da ausência da Europa, sejamos francos. Se Bill Clinton não tivesse intervindo, talvez ainda estivéssemos a braços com uma guerra nos Balcãs. E ele teve de explicar aos americanos, sentados à frente da televisão, porque é que os EUA tinham de intervir no Kosovo, e penso que poucos americanos saberiam onde fica o Kosovo e os Balcãs. Mas esse é um bom exemplo da ausência de uma União Europeia no passado a nível geopolítico. E sim, se olharmos para o número de vítimas e para o fluxo de refugiados que gerou, foi uma guerra no continente europeu. E, repito, um bom exemplo da nossa incapacidade de agir. E digo sempre isto, não é que não gastemos dinheiro nas forças armadas, porque gastamos quatro vezes mais do que os russos - mas, enfim, talvez isso seja só um pequeno detalhe. 

Sente saudades da ex-chanceler Angela Merkel? E é a favor ou contra um exército europeu?

Começo pelo fim, porque é a pergunta mais fácil de responder, uma vez que há muito defendo a necessidade de um exército europeu, de uma União Europeia de Defesa, como lhe chamámos. Não contra a NATO, mas como parceira da NATO. E penso que perdemos uma ótima oportunidade de o fazer nos anos 50 - para aqueles que não conhecem o assunto, em 1955, quando começamos esta jornada europeia, começámos com a ideia de uma União Europeia de Defesa, um exército europeu...

"Todos os anos a Europa gasta 240 mil milhões de euros em Forças Armadas; o mesmo que a China, quatro vezes mais que os russos e 35% do que gastam os americanos"

Há 70 anos...

Há 70 anos. É um tanto cínico, mas os franceses foram contra, foram os franceses que chumbaram a proposta. Se se interessam pelo assunto, vão ler os documentos da altura. Foi algo totalmente surpreendente, porque estava tudo definido: quantos batalhões, quantos veículos armados, tudo. E então acabámos a assinar o Tratado de Roma [1957], porque se não fazemos uma constituição europeia, se não fazemos um exército europeu, o que é que sobra? Uma união de costumes. Portanto, aos que dizem que Roma foi um feito, respondo, sim, para restos não esteve mal. Mas era o que sobrava, felizmente ainda tínhamos isso. Por isso é tão importante que hoje reconheçamos na Europa a necessidade absoluta de fazer uma União Europeia de Defesa. E sou muito a favor da iniciativa do senhor Borrell [Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança], que tem agora mais ou menos a concordância dos Estados-membros para começar uma força de intervenção europeia de 5 mil pessoas - porque até agora os grupos de batalhões europeus não passavam do papel. Penso que o futuro é por aí. E vamos ver se essa é também a opinião dos cidadãos. Mas é irónico que aqueles que chumbaram esta ideia há 70 anos, os franceses, sejam agora os mais empenhados - sempre que vou a Paris lembro-me disto, finalmente perceberam que isto é fundamental. E, ainda mais importante, os americanos também perceberam isso. Pela primeira vez os think tanks [laboratórios de ideias] do Partido Democrata estão a defender nos seus documentos, nas suas propostas, a necessidade de os europeus assumirem a sua responsabilidade. E, na minha opinião, não é uma questão da dimensão da despesa, é uma questão de não duplicação da despesa. Sabe quais são os números?

Não, mas espero que os revele.

Agora vou abusar deste fórum para fazer algo completamente fora da minha jurisdição, mas tudo bem, são os ossos do ofício: como disse antes, todos os anos a Europa gasta 240 mil milhões de euros em Forças Armadas; o mesmo que a China, quatro vezes mais que os russos e 35% do que gastam os americanos - para fazer apenas 10% das operações que faz o exército americano. Sou advogado, não percebo nada de matemática, mas uma coisa sei: se gastamos 35% do que gastam os americanos e só fazemos 10% das operações, somos três a quatro vezes menos eficazes, não é? Esta é a realidade. O maior desperdício de dinheiro na Europa é nas Forças Armadas. Não é na agricultura ou noutra área qualquer, é nas Forças Armadas. E, pela primeira vez, os americanos estão a dizer nas suas análises, nos seus briefings, no Pentágono: "Europa, têm de resolver isto, não podem continuar assim". Sabe quem tem mais soldados no mundo? A Europa. Não é a Rússia, não é a China, não são os Estados Unidos da América. É a Europa. Esta é a minha visão pessoal, mas penso que, pela primeira vez, muitos estão a olhar para isto; veja, por exemplo, que o assunto já vem no programa do governo holandês. Não é por acaso.

"Penso que a melhor maneira de lidar com Putin é através da unidade europeia"

Não chegou a responder se sente a falta de Merkel...

Tenho uma enorme estima por Angela Merkel, mas... A crise de refugiados da Síria, aquela a que se refere, não foi uma resposta da Europa a um problema europeu, foi a resposta alemã a um problema nacional da Alemanha. Achei muito corajoso da parte dela fazê-lo, mas, honestamente, estes problemas têm de ser enfrentados a nível europeu, não acredito que possam ser combatidos a nível nacional.

"Não existe uma verdadeira política de migração comum"

Não foi apenas por isso que perguntei, a minha pergunta é porque Angela Merkel era talvez a única líder europeia que sabia lidar com Putin e que ele respeitava...

Bem, penso que a melhor maneira de lidar com Putin é através da unidade europeia. Porque aquilo de que Putin definitivamente não gosta é da Europa, dos valores europeus e do sistema europeu. Penso que toda a questão a que assistimos hoje na Ucrânia não tem a ver com a NATO, não tem a ver com a situação da segurança na Europa, mas o verdadeiro problema por trás disto é a Europa enquanto modelo, a União Europeia enquanto organização continental baseada em princípios democráticos liberais, é isso que está em jogo e é isso de que Putin não gosta.

A União Europeia está preparada para uma nova onda de refugiados, caso venha a haver uma guerra na Ucrânia?

Mas o que é que isso tem a ver com a Conferência sobre o Futuro da Europa?

O que é que tem a ver? Este painel é sobre a Europa no mundo e sobre migrações. Se não estamos preparados para os refugiados que chegam agora, como estaremos preparados para acomodar novos?

Bom, está a falar de novas políticas de migração, pelo que teremos de esperar pelas recomendações dos cidadãos - e o processo pelo qual estou responsável é o de fazer com que essas recomendações sejam produtivas e construtivas e tenham um reflexo prático. Mas aquilo que já percebemos é que os cidadãos sentem que não estávamos preparados no passado e que não estamos preparados para o futuro. O primeiro Conselho em que participei, em Tampere, na Finlândia, foi sobre migrações. E aquilo que decidimos nessa altura, em 1999, é que a migração seria uma política da União Europeia. Em 1999. Vinte e dois anos depois continuamos emperrados com o Regulamento de Dublin [estatuto de refugiado definido há 60 anos e posto em prática sete anos depois] e sem qualquer controlo além do Frontex [Agência Europeia da Guarda das Fronteiras e Costeira, criada em 2004, e que tem sede em Varsóvia, na Polónia]. Ou seja, não existe uma verdadeira política de migração comum.

Falou na questão militar; o Reino Unido, que já não faz parte da União Europeia, tinha o maior exército dos 28 Estados-membros. Isso é um problema?

O maior? Não, o nível de despesa dos franceses e dos ingleses é semelhante... Essa é uma das tragédias da Europa, é que gastamos 240 mil milhões por ano em algo que não é capaz de impedir o avanço de um país que só gasta 25% disso, que é a Rússia. É esta a realidade. Eu chamo a isso um enorme desperdício de dinheiro.

"Não temos de fazer outsourcing para resolver os nossos problemas e, seguramente, não a um autocrata como Erdoğan"

Por falar em desperdício, a União Europeia pagou à Turquia 6 mil milhões de euros em troca de ficar com refugiados. Sabe o que aconteceu a essas pessoas?

Não, mas gostava de saber. Fui muito crítico dessa decisão. Desde o primeiro dia, como líder do meu grupo parlamentar, critiquei esse acordo.

O que poderiam ter feito alguns países da UE com essa verba em prol dos refugiados?

Exatamente, estou de acordo. Não sou responsável pelo acordo com Erdoğan [presidente da Turquia], que critiquei desde a primeira hora. Quem tem de responder a isso é a Comissão Europeia e do Conselho, não o Parlamento. Critiquei veementemente o acordo, porque acho que não temos de fazer outsourcing [contratar terceiros] para resolver os nossos problemas e, seguramente, não a um autocrata como Erdoğan. Sei que alguns líderes do Conselho ficaram muito orgulhosos com o acordo, mas, de facto, é escandaloso que tenha sido feito. Não é assim que a Europa deve comportar-se no futuro. E, mais uma vez, é isso que vemos refletido nas recomendações dos cidadãos, que são muito críticos em relação à incapacidade da Europa de resolver os seus problemas.

Voltando um bocadinho atrás, como seria a relação do exército europeu com a NATO?

O que vejo é uma União Europeia de Defesa dentro da NATO. Mas acredito que a Organização do Tratado do Atlântico Norte já não é uma Organização do Tratado do Atlântico Norte, porque na última reunião na sede da NATO falou-se de quê? Da China. E, tanto quanto sei, a China não é Atlântico Norte, é Pacífico Sul. O que é que isto nos diz? Diz-nos que a NATO tem de ser reformada, tem de ser uma organização de um tratado mais vasto, dos países que defendem a democracia e os valores da democracia liberal. Existe uma degradação da relação com a China por causa do que se está a passar em Hong Kong e do que está a acontecer com as minorias na China. Um dos últimos livros que li, a autobiografia de Ai Weiwei, o artista chinês que deixou o país em 2015, há sete anos, não deixa muita margem para se ser otimista em relação à situação política na China. Isto é um desastre para Hong Kong e também mudou drasticamente a maneira como os europeus olham para a China - um estudo recente mostra isso.

Mas a China é a grande potência do século XXI...

Por isso é que falo na necessidade de nos reorganizarmos na Europa, para ver se não temos de criar aquilo que Biden quer, uma federação mundial das democracias liberais.

"A NATO tem de ser reformada, tem de ser uma organização de um tratado mais vasto, dos países que defendem a democracia"

No entanto, continuamos completamente dependentes da China, nesta pandemia viu-se isso com os medicamentos ou material médico, por exemplo.

É verdade, e concordo que a autonomia estratégica é extremamente importante, não apenas na Defesa, mas noutras áreas, como a dos semi-condutores, da saúde, da ciência... E penso que também na Internet e redes sociais, onde temos de escolher entre o modelo americano da alta tecnologia e o dos chineses, de espiar os seus próprios cidadãos. Ambos os caminhos são possíveis, cabe à Europa decidir qual seguir.

créditos: EPA/ANTONIO PEDRO SANTOS

O poder sancionatório da União Europeia face às diversas crises é suficiente?

O mecanismo de sanções funciona sempre muito pouco e demasiado tarde, porque precisamos de unanimidade para avançar. As sanções impostas à Rússia não são suficientemente pesadas porque não chegamos a acordo, os países têm pontos de vista diferentes em relação à Rússia e à Bielorrússia e, se calhar, amanhã em relação a outro país qualquer. Por isso, uma recomendação importante dos cidadãos é a de optar antes pela maioria qualificada, tornado o mecanismo de sanções uma verdadeira ameaça, um instrumento de facto. Poderemos fazê-lo imediatamente e com mais força do que agora. Também aqui a opinião dos governos importa: o novo governo holandês propõe no seu programa, pela primeira vez, a abolição da regra da unanimidade nas sanções, na política externa. Portanto, penso que estamos em vias de dar um grande passo em frente e dar à União Europeia instrumentos que lhe possibilitem agir, e não apenas armas teóricas, que serão sempre pouco.

Mas depois temos na União Europeia países como a Polónia ou a Hungria...

Essa é outra história, é um problema dentro da UE. 

Se não conseguimos gerir os 27 Estados-membros, impor os valores da União Europeia aos de dentro, como esperamos conseguir fazê-lo com os de fora?

Dentro é ainda mais importante, porque são os valores da UE que estão em causa. A Hungria e a Polónia têm de se reger pelas mesmas normas, por isso existe o artigo 7.º [o Tratado da UE prevê medidas preventivas, caso se verifique risco manifesto de violação grave dos valores da UE, e mecanismo de sanções, quando há violação grave e persistente de valores da UE]. O Parlamento já acionou ambos, mas é o Conselho que tem de agir, e o Conselho não fez nada até agora. E não é fácil, porque depende, em primeiro lugar, de uma recomendação formulada e aprovada por uma maioria de quatro quintos. E nunca aconteceu. Estamos à espera de ver o que fará a presidência francesa, que afirmou que esta seria uma prioridade. Há dias enviámos também uma carta neste sentido. Por outro lado, tem o mecanismo do Estado de Direito, que depende da Comissão. Ou seja, o Conselho tem um instrumento, a Comissão tem outro instrumento. 

Está a dizer que o Parlamento Europeu não tem voto na matéria, está de mãos atadas? 

Não, não. O Parlamento pode desencadear, e desencadeou, o processo com o artigo 7.º, dirigido ao Conselho, e tem um grupo junto da Comissão para que seja usado o mecanismo do Estado de Direito. Caso contrário, poderemos sempre recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos pela incapacidade de ação [das duas instituições, Conselho e Comissão]. 

"Estamos a testemunhar o nascimento de um novo tipo de democracia, em que as democracias representativa e participativa andam juntas"

Quantas vezes já recorreram ao Tribunal Europeu por situações destas?

Penso que algumas. E houve casos em que o Parlamento ganhou. Esta é a posição do Parlamento, estamos dispostos a recorrer ao Tribunal se a Comissão não agir - aliás, noutro painel, os cidadãos recomendam que o Estado de Direito seja alargado, com consequências no orçamento europeu, por exemplo. E penso que faz sentido.

Qual o legado quer deixar aos europeus?

O que quero é que a Conferência sobre o Futuro da Europa tenha um bom resultado, e só terá êxito se a certa altura virmos que as recomendações dos cidadãos são transformadas em propostas concretas nos plenários, que levem a mudanças na legislação e, eventualmente, até a novos tratados. Estamos muito satisfeitos com os dois primeiros painéis, organizados em Florença [Itália] e em Natalin [Polónia]. As recomendações irão a plenário em Estrasburgo, no início de março, e caberá ao Parlamento, à Comissão e ao Conselho dar-lhes um final positivo. O que vimos nos dois primeiros painéis foi que os cidadãos são muito radicais, de certa maneira, positivos e críticos em relação à União Europeia.

Este quarto painel é sobre a Europa no mundo e sobre migrações. No entanto, não há, entre mais de 200 pessoas, cidadãos negros - o que seria óbvio para países como Portugal ou França, por exemplo, por causa das ex-colónias. Porquê?

Não é verdade, há aqui pessoas de cor. Quero dizer, não neste painel, mas nos outros há, vi-os em Florença e em Natalin, como aqui já vi asiáticos, porque são cidadãos europeus. Neste painel não há, mas foi um acaso. A seleção não foi feita por nós, foi aleatória, feita por uma empresa independente contratada para isso.

"A União Europeia não vai sobreviver se não houver reformas radicais"

Os cidadãos estão algo desconfiados em relação à aceitação das suas recomendações pelo Parlamento Europeu, pela Comissão e pelo Conselho. Há alguma garantia de que venham a ser adoptadas?

As recomendações não são o fim da história, são uma base de trabalho para propostas de reforma. A garantia é que as pessoas, os representantes dos cidadãos, estarão lá, no plenário, quando decidirmos sobre estas propostas. E vamos perguntar-lhes se estão de acordo. Se sim, na minha opinião será difícil, para não dizer impossível, serem ignorados. O Conselho e a Comissão não podem dizer que não estavam lá, porque estão presentes. Normalmente o envolvimento dos cidadãos é apenas uma vez em cada quatro ou cinco anos, dependendo do sistema eleitoral do país, quando escolhem os seus representantes. Mas votar em alguém de quatro em quatro anos não chega. No passado, quatro anos não era nada, mas nos dias de hoje, com as redes sociais e tudo o mais, é uma eternidade. Em quatro anos acontece muita coisa, muito mais rapidamente do que no passado. Este é um exemplo de democracia representativa e democracia participativa, que tem vindo a ser reforçada. Na minha opinião é um template para o futuro, não consigo imaginar um processo democrático no futuro sem um exercício como o que estamos a fazer aqui, não só a nível europeu, como também a nível nacional. Penso que estamos a testemunhar o nascimento de um novo tipo de democracia, em que as democracias representativa e participativa andam juntas. 

Ainda assim os cidadãos não têm poder de veto...

Não. Ninguém tem poder de veto e o que queremos é evitar poderes de veto na Europa. Por isso não vamos criar novos poderes de veto na União. Portanto, não é uma questão de veto, é uma questão de vontade das três instituições que são responsáveis por este processo. Farei tudo o que for necessário, se tivermos um resultado neste sentido, para tentar ir ainda mais longe nesse consenso e ter a opinião dos cidadãos aí incorporada. Essa é chave para o êxito do processo. Repare, no que toca à Europa no mundo temos uma crise na vizinhança, na migração temos uma crise, na economia vem aí a inflação e estará a União Europeia preparada para o próximo tumulto financeiro e económico? E por aí fora. O está claro para nós é que a Europa está numa encruzilhada. E digo isto não como co-presidente da Conferência, mas esta é a minha opinião pessoal: a União Europeia não vai sobreviver se não houver reformas radicais. Não se pode governar um continente tão grande como este em competição com a China, a América ou a Rússia, da maneira como estamos a fazê-lo.