Os participantes na mesa-redonda “As Obras do Claustro da Sé: Património e Projeto” criticaram o facto de o Estado destruir “património autêntico e raro”, criticando a DGPC por não proteger o património, como é sua missão, e promover a sua destruição em favor do betão, como afirmaram.

O painel de onze especialistas, entre os quais o arqueólogo Carlos Fabião, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e as arqueólogas Ana Gomes e Alexandra Gaspar, diretoras científicas das escavações, alertou para a necessidade de se proteger os vestígios arqueológicos encontrados, num espaço que apontaram como “de grande centralidade da Lisboa medieval”.

Os especialistas prometeram não parar a sua luta em defesa dos vestígios arqueológicos e está previsto um encontro científico sobre a problemática histórica da Se Patriarcal.

Ana Gomes e Alexandra Gaspar que falaram como diretoras científicas das escavações na Sé, e não pela DGPC, explicaram a importância dos diferentes vestígios encontrados, nomeadamente para o que pode ser um minarete de uma mesquita aljama.

Santiago Macias, que participou na qualidade de arqueólogo especialista no período islâmico e não como diretor do Panteão Nacional, funções que atualmente desempenha, disse que caso não seja um minarete, os vestígios podem ser “de uma estrutura ainda mais interessante e única em Portugal”.

Ana Gomes e Alexandra Gaspar foram elogiadas por terem sido sempre as guardiãs de “vestígios autênticos e raros”.

As escavações no claustro da Sé de Lisboa iniciaram-se em 1993, com o historiador e arqueólogo Clementino Amaro, e os investigadores, embora considerem que os projetos necessitam de um tempo para serem refletidos, criticaram o “excessivo tempo” da intervenção – cerca de 30 anos -, e não estão dispostos a aceitar “um projeto feito em cima do joelho”.

As escavações trouxeram à luz do dia estruturas romanas, islâmicas e cristãs medievais, depois da conquista da cidade, em 1147, nomeadamente vestígios de arruamentos, tanques, uma mesquita aljama e um muro com ‘graffitis’ islâmicos medievais, que correm o risco de ser destruídos.

“A zona é um lugar central de continuidade diacronicamente comprovado, com contexto e certificação científica compatíveis com esse caráter de autenticidade”, disse a arqueóloga Jacinta Bugalhão, do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.

Os vários investigadores, entre os quais o historiador Manuel Fialho, do Gabinete de Estudos Olisiponenses, especialista no urbanismo medieval de Lisboa, realçaram que o património deve ser preservado em prol da identidade cultural e só depois pensado em termos turísticos.

Fialho realçou que os turistas não vêm a Lisboa para ver construções de betão, como a prevista no projeto de valorização da Sé. Jacinta Bugalhão estimou que a Sé deve receber cerca de um milhão de visitantes por ano.

Todos os participantes se mostraram contrários à construção de uma cripta arqueológica que levará à destruição de vestígios “raros e autênticos” e criticaram a “opacidade” da DGPC neste processo, incitando a tutela a promover o diálogo com a comunidade para “melhor o entenderem” e “aceitarem como seu”.

O historiador Hermenegildo Fernandes, diretor da área de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, referiu-se à Sé como um “local de memória”, de elevado interesse não só para Lisboa como para o país, daí o “cuidado que se deve tocar nestes monumentos”.

Outros especialistas alertaram para o facto de que “muitas vezes musealizar é contrário à preservação do património”.

O arqueólogo António Marques, do Centro Arqueológico de Lisboa, disse que o projeto da Sé “é um dos investimentos mais importantes a decorrer” na capital, constituindo “um tesouro no coração da cidade”, questionando se será mais importante a criação de um centro interpretativo ou a importância histórica do monumento.

O processo tem “estado blindado”, não tendo sequer sido facultado o seu acesso à Assembleia da República que o pediu, disse Bugalhão, que incitou a uma tomada de posição pela sociedade civil.

Desta reunião deverá sair um comunicado, disse Carlos Fabião.

A mesa-redonda, intitulada “As obras do claustro da Sé: Património e Projeto”, contou também com as participações do historiador de arte Paulo Almeida Fernandes, especialista em História da Arte da Alta Idade Média e estudioso da Sé de Lisboa, da arqueóloga Catarina Tente, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL), e de Maria João Branco da FCSH, da UNL.

Os participantes alertaram a DGPC para o “erro crasso” que pode estar a praticar e aconselharam “a não mexer se não se tem certeza, e deixar os futuros arqueólogos a terem todos os instrumentos para tomarem as decisões com outros recursos”.

Em novembro passado, em conferência de imprensa para a apresentação do projeto revisto, o diretor-geral do Património Cultural, João Carlos Santos, disse que as obras se iniciariam este mês, para terminarem no final do ano.

No passado dia 07, a agência Lusa questionou a DGPC sobre a data para o anunciado início, e não recebeu resposta. Hoje, a arqueóloga Ana Gomes disse que não sabia oficialmente nada, mas que “talvez [começassem] nas primeiras semanas de fevereiro”.

A mesa-redonda foi organizada pelo Centro de História (CH-ULisboa) e o Centro de Arqueologia (UNIARQ) da Universidade de Lisboa, e pelo Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO) da Câmara Municipal de Lisboa. Foi transmitida em direto na página de Facebook do GEO.

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