O arcebispo de Braga recebeu, a 30 de setembro, "uma delegação da Igreja Ortodoxa Ucraniana liderada pelo Metropolita Meletiy de Chernivtsi e Bukovina", na qual estava incluído Alexander Piskunov, pároco da Igreja Ortodoxa Russa do Porto.

Contactada pelo SAPO24, a Arquidiocese de Braga identifica a totalidade dos elementos junto a D. José Cordeiro: à esquerda o Metropolita Meletiy, ao centro o P. Gerontiy, "da paróquia ortodoxa ucraniana das Santas Mártires Fé, Esperança e Caridade, que celebra regularmente numa capela da paróquia de Maximinos da Arquidiocese de Braga", e à direita o P. Alexander", que esteve no encontro "na qualidade de tradutor", mas cuja presença e proveniência era "desconhecida" para a Arquidiocese.

Inicialmente, não tinham sido nomeados todos os elementos na fotografia na publicação no Facebook de D. José Cordeiro e também no site de Braga, mas não houve "intenção de ocultar" a informação, "até porque partiu da Arquidiocese de Braga divulgar publicamente este encontro".

"Foi um encontro de apresentação de cumprimentos, dado que o Metropolita Meletiy, da Igreja Ortodoxa Ucraniana, e o Sr. Arcebispo, D. José Cordeiro, ainda não se conheciam pessoalmente", acrescenta a Arquidiocese.

Ao SAPO24, Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, refere que Alexander Piskunov "faz parte do Congresso dos Compatriotas Russos junto da Embaixada da Rússia e da Fundação Mundo Russo". "É uma pessoa completamente contra a Ucrânia", denuncia.

Alexander Piskunov, em declarações ao SAPO24, confirmou ter estado na Arquidiocese com a delegação ucraniana, enquanto tradutor, e frisou que há uma "relação próxima" entre as várias igrejas ortodoxas.

Além disso, nega fazer parte das organizações referidas por Pavlo Sadokha e afirma que não pertence a "nenhum órgão junto da Embaixada Russa".

"A nossa paróquia, como outras da nossa diocese, sempre teve membros de diferentes países. A maioria dos nossos paroquianos sempre foram da Ucrânia, temos bastantes clérigos ucranianos", acentua.

"Não sou contra a Ucrânia. Sou de uma região da Rússia onde falam e cantam ucraniano. Amo a Ucrânia e o povo ucraniano, nunca mostrei outra atitude. Como outros russos, tenho a consciência de que o povo ucraniano está a sofrer nesta guerra. No Porto, nós, representantes de povos diferentes, sempre vivemos em paz", acrescenta o padre Alexander Piskunov.

Pavlo Sadokha refere ainda que o próprio Metropolita que esteve em Braga é uma figura controversa. Contudo, diz, para se perceber o porquê de isto ser "escandaloso" é necessário fazer a distinção entre as várias igrejas ortodoxas em causa.

Existem três igrejas ortodoxas a considerar neste caso: a Igreja Ortodoxa Russa do Patriarcado de Moscovo, a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo e a Igreja Ortodoxa da Ucrânia do Patriarcado de Kiev (que em 2019 recebeu autonomia de Constantinopla, declarando assim a independência face à Igreja Ortodoxa Russa).

"A Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo foi criada em 1990, ainda antes da independência da Ucrânia, para, digamos, controlar a Igreja Ortodoxa no território da Ucrânia", começa por dizer Pavlo Sadokha. Na altura da União Soviética, explica, todas as igrejas foram proibidas, exceto as que tinham ligação ao Patriarcado de Moscovo. Por isso, "quando começaram os processos, na altura de Gorbachev, para a queda da União Soviética, e já o povo ucraniano fazia manifestações, Moscovo registou esta Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo".

Feita a distinção, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal aponta o problema nesta situação. "Esta Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo apoia, em geral, a agressão russa na Ucrânia. O que é escandaloso é que eles vieram para Portugal pedir ajuda para a Ucrânia. Creio que muitos dos fiéis e dos bispos [da Igreja Católica] podem não conhecer esta situação e oferecem apoio".

Todavia, ao SAPO24, a Arquidiocese de Braga frisa que "no decurso da conversa [com a delegação ucraniana] foi dito pelo Metropolita que se tinham desvinculado do Patriarcado de Moscovo e que atualmente eram uma Igreja autocéfala".

De recordar que, a 27 de maio, a Igreja Ortodoxa Ucraniana anunciou a sua rutura com o Patriarcado de Moscovo, devido ao apoio aberto deste à "operação militar especial" russa na Ucrânia, mas os meios de comunicação locais noticiam frequentemente que continua a existir apoio desta igreja à Rússia.

"O reconhecimento desta decisão por parte do Patriarcado de Constantinopola seria um caminho, mas o atual contexto internacional e o extremar de posições desaconselha, de momento, este passo", acrescenta a Arquidiocese.

Além disso, a Arquidiocese aponta que a conversa foi "meramente um diálogo ecuménico, das relações a nível da fé, não do plano político internacional", tal como promovido pelo Papa Francisco, entre "duas igrejas que são cristãs".

No Facebook, D. José Cordeiro tinha referido que o encontro serviu para expressar a sua "solidariedade e da Igreja em Braga para com o povo ucraniano, de modo particular com todas as vítimas da guerra na Ucrânia, sublinhando os gestos concretos de apoio e acolhimento dos refugiados da guerra".

"Rezemos pelo povo ucraniano, perseguido na sua terra e disperso pelo mundo, para que o Senhor atenda as nossas preces e os esforços das pessoas de boa vontade e lhe conceda a paz e o regresso a suas casas", escreveu ainda.

Uma carta aos bispos portugueses para dar o alerta

Em forma de alerta — já que, além de Braga, o Metropolita Meletiy também terá estado em Lisboa —, a Associação preparou uma carta à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), enviada no sábado, 29 de outubro, a que o SAPO24 teve acesso.

"Em primeiro lugar, queremos agradecer todo o apoio que a Igreja Católica em Portugal deu e continua a dar ao povo ucraniano, desde os primeiros dias da invasão militar russa sobre a soberana Ucrânia. Em Portugal, no dia a dia, sentimos o acompanhamento e a preocupação da Igreja com o nosso sofrimento causado pela guerra", pode ler-se.

Segundo a Associação, "esta guerra teve anos e anos de preparação por parte do agressor — Federação Russa —, incluindo a preparação ideológica". "O atual governo russo não reconhece a Ucrânia como país independente, não reconhece a nossa história, a nossa cultura e a nossa fé", acrescentam.

Nesse sentido, denunciam, "um importante elemento da preparação ideológica foi a Igreja Ortodoxa Russa (IOR) dirigida pelo Patriarca Cirilo, ao abençoar os soldados russos que iam invadir a Ucrânia".

"Infelizmente, na própria Ucrânia, ainda existe [filiação] da igreja russa (foi a única que não foi proibida pelo regime soviético), embora com nome diferente, mas com o mesmo Patriarcado de Moscovo — a Igreja Ortodoxa Ucraniana (IOUPM) — oficialmente criada em 1990 (um ano antes da declaração da Independência da Ucrânia)", é explicado.

Assim, "esta igreja (IOUPM), embora com referência no nome à Ucrânia e registada na autoridade jurídica ucraniana, tem segundo os estatutos total obediência a Moscovo e é parte integrante da Igreja Ortodoxa Russa (IOR)".

Na carta, assinada por Pavlo Sadokha, é ainda referido que, "atualmente, existe uma decisão do Parlamento da Ucrânia sobre o reconhecimento da Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo (IOUPM) como uma confissão religiosa de minorias e cuja base está no país do agressor, a Federação Russa — onde os padres desta igreja estão sujeitos às restrições de guerra pela lei marcial, que estabelece a proibição de os clérigos da IOUPM exercerem as suas funções de capelão nas Forças Armadas Ucranianas e em outros órgãos sociais e políticos onde a lei marcial tem aplicação".

Segundo refere o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, "o Serviço de Segurança Interna da Ucrânia (SBU) iniciou 33 processos criminais que decorrem contra sacerdotes e bispos da IOUPM".

"Um bispo — Ioanafan Yeletskii — foi detido. Nos territórios ocupados pelos russos, todos os clérigos da IOUPM cooperam com os invasores. Dois bispos desta Igreja já fugiram dos territórios libertados pelas tropas ucranianas para a Federação Russa", enumera.

E deixa mais uma denúncia, ao referir que "a missão dos bispos da IOUPM que visitaram alguns países da União Europeia (UE), incluindo o Metropolita Meletiy" é "realizar propaganda 'híbrida' entre refugiados ucranianos, para obter informações sobre os países da NATO e sobre outros assuntos do interesse da Federação Russa".

A confirmar esta informação está "o facto de que no encontro com o Arcebispo de Braga, o Metropolita Meletiy foi acompanhado pelo padre da Igreja Ortodoxa Russa que exerce a sua função religiosa na diocese do Porto — Alexander Piskunov — e que também faz parte do conselho dos compatriotas russos junto da embaixada Russa em Portugal".

Segundo a Associação, quem é o Metropolita Meletiy?

De acordo com a carta enviada aos bispos portugueses, o Metropolita ortodoxo "é um hierarca do Patriarcado de Moscovo com sede na cidade ucraniana de Chernivtsi".

"A Ortodoxia Ecuménica não reconhece o seu status no território da Ucrânia porque Meletiy Egorenko é um impostor na hierarquia da Igreja Ortodoxa", pode ler-se no documento, que o justifica da seguinte forma:

  • "Meletiy Egorenko acabou a sua formação no Seminário Teológico de Moscovo em 1986 e, como cidadão da Ucrânia, formou-se na Academia Teológica de Moscovo em 1996. Com conhecimento e controlo da KGB da URSS, em 1987, e sendo de nacionalidade ucraniana, foi enviado ao mosteiro de Pochaiv, no oeste da Ucrânia, para impedir a propagação do movimento autocéfalo e trabalhar no interesse dos serviços secretos russos";
  • "Durante o tempo do presidente Yanukovych, Meletiy Egorenko foi especialmente reconhecido pela disseminação da 'paz russa' na Ucrânia e recebeu a medalha da Ordem de Serhiy de Radonezh do movimento Kirill Gundyaev";
  • "Neste momento, Meletiy Egorenko é responsável pelo departamento das relações externas da IOUPM na Ucrânia. Com o aproveitamento da guerra e com a situação onde muitos ucranianos foram obrigados a tornar-se refugiados na União Europeia, começou a recolher/aproveitar a informação e estatísticas sobre os refugiados, no sentido de saber como são recebidos e como se integram nos países de acolhimento";
  • "A IOUPM, seja na Ucrânia, seja na Rússia, nunca condenou, nem em 2014, nem em 2022, a invasão russa contra a Ucrânia e até a caraterizam como uma 'guerra santa' contra a desmoralização dos valores humanos oriundos da Europa. Toda a comunidade ucraniana sabe que o Metropolita Meletiy nunca condenou a invasão da Federação Russa na Ucrânia".

Apesar da denúncia, a Associação frisa que o envio da carta pretende apenas ser um alerta e não uma crítica à Igreja Católica portuguesa.

"Entendemos que a receção dos bispos da IOUPM por diversos católicos em Portugal foi um ato de 'acolhimento de braços abertos' cujo objetivo é ajudar e minimizar o sofrimento do povo ucraniano, mas temos a obrigação moral e a responsabilidade civil de informar a Conferência Episcopal em Portugal e a sociedade portuguesa de que, infelizmente, a palavra 'ucraniano' não significa, automaticamente, uma relação pró-Ucrânia e que, de forma frequente, está a ser usada por programas especiais do governo russo para disfarçar os objetivos da sua invasão contra a Ucrânia", é explicado.

"Tal como a Igreja Cristã e o Cristianismo defendem a vida, os valores humanos, a igualdade e a liberdade, infelizmente a Igreja Ortodoxa Russa defende da mesma maneira a ditadura, a condenação e a morte".

"Nós, como ucranianos e cristãos integrados [na] comunidade portuguesa, temos a obrigação de informar e alertar sobre esta grave situação", é referido na carta, sendo ainda acrescentado que "o governo de Moscovo, através da Igreja Ortodoxa Russa, tenta 'ludibriar' a verdade sobre esta guerra tão injusta".

A fotografia que deu origem a esta denúncia está também a ser partilhada pela organização na Ucrânia para "mostrar a mentira do Patriarca desta Igreja Ortodoxa. Eles dizem que já não pertencem ao Patriarcado de Moscovo, não mostram nenhum documento [que o comprove], dizem que já não colaboram com a Igreja de Moscovo e esta fotografia mostram diretamente que colaboram", apontou Pavlo Sadokha ao SAPO24.

Quando a fotografia da Arquidiocese de Braga foi divulgada, a "comunidade ucraniana no norte começou logo a reclamar", diz Sadokha. "Parece que estes bispos da Igreja Ucraniana do Patriarcado de Moscovo estão a enganar a comunidade portuguesa e a Igreja em Portugal. Isto porque dizem que são da Igreja Ortodoxa Ucraniana — é verdade, têm este nome — , mas esquecem-se sempre de dizer que são do Patriarcado de Moscovo — e essa diferença muda tudo", concluiu.

O que diz a Igreja Ortodoxa Ucraniana?

Em declarações ao SAPO24, o arcipreste Mykola Danylevych, vice-chefe do Departamento de Relações Externas da Igreja Ortodoxa Ucraniana, explica que "a Igreja Ortodoxa Ucraniana é a Igreja histórica, tradicional e a maior da Ucrânia em termos do número de comunidades".

"Desde 1990, a nossa Igreja tem a carta de uma Igreja autónoma e, desde 27 de maio de 2022, o estatuto de uma Igreja totalmente independente de Moscovo", acrescenta.

Relativamente à visita a Braga, é adiantado que o objectivo da ida do Metropolita à cidade foi apenas visitar a "paróquia ucraniana, que foi fundada em 2017".

"Como parte da visita a Braga, foi feita uma visita de cortesia ao Arcebispo Católico da cidade, José Cordeiro, durante a qual o Metropolita Meletiy lhe agradeceu por ter providenciado à nossa paróquia um local para realizar serviços. Não pedimos nem recebemos qualquer outra ajuda financeira", esclarecem.

Quanto à carta escrita pela Associação dos Ucranianos em Portugal, Mykola Danylevych começa por dizer que o presidente da mesma, Pavlo Sadokha, "é greco-católico e é conhecido pelas suas opiniões extremas".

"A sua posição não reflecte o ponto de vista de todos os ucranianos que vivem em Portugal. Deve recordar-se que ele já protestou contra a nossa Igreja em 2017, assim que a paróquia ucraniana foi criada na cidade de Braga. Nessa altura, muitos ucranianos criticaram os seus ataques à nossa comunidade em Braga nas redes sociais", aponta.

Desta forma, a Igreja Ortodoxa Ucraniana considera "a referida publicação [a carta enviada à CEP], bem como a sua anterior actividade de informação nesta área, como uma tentativa de semear inimizade religiosa entre ucranianos, e também de envolver e comprometer a Igreja Católica em Portugal. A publicação contém muitas informações falsas e manipuladoras sobre a nossa Igreja", remata o arcipreste.

(Artigo atualizado às 17h37 com novas declarações de Alexander Piskunov, que depois de ler o artigo decidiu prestar mais alguns esclarecimentos)