E à terceira…não foi de vez. O Tribunal Constitucional vetou o diploma da eutanásia, mais concretamente três alíneas do diploma que despenaliza a morte medicamente assistida. O anúncio foi feito ao final da tarde desta segunda-feira, em sessão na sede do TC, em Lisboa, pela juíza relatora, Maria Benedita Urbano, e depois foi explicado, em comunicado lido pelo presidente, João Caupers. A decisão foi tomada por maioria, de sete juízes contra seis.
Refira-se que Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, tinha feito um pedido de fiscalização preventiva sobre a proposta de lei da eutanásia. Aliás, o processo legislativo já foi aprovado e chumbado várias vezes e, por três vezes, um diploma chegou à secretária de Marcelo Rebelo de Sousa, mas voltou para trás.
O que está em causa?
As normas da legislação aprovada no Parlamento suscitaram muitas dúvidas aos juízes do Tribunal Constitucional. Aliás, o presidente do TC considera mesmo que o texto gera uma "intolerável indefinição”.
“O legislador, tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados na versão anteriormente fiscalizada, optou por ir mais além alterando em aspetos essenciais o projeto anterior (…) ao proceder a tal fiscalização, o Tribunal conclui que tendo o legislador decidido caracterizar a tipologia de sofrimento através da enumeração de três características (‘físico, psicológico e social') ligados pela conjunção ‘e’, são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto. Assim fazendo, o legislador fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)", afirmou João Caupers, que deu um exemplo.
“Está em causa saber se só os doentes com cancro ou com pouco tempo de vida terão acesso à eutanásia ou se, pelo contrário, esta se estenderá a um doente que padeça de esclerose lateral amiotrófica e não tenha um sofrimento físico, vulgarmente entendido como dor, disse.
O TC já se pronunciou quantas vezes?
Esta foi a segunda vez que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre o texto da eutanásia. A primeira remonta a fevereiro de 2021, quando Marcelo Rebelo de Sousa pediu a apreciação da constitucionalidade e viu o TC determinar que não estava conforme.
O tema voltou de novo à Assembleia da República e, após alterações, o diploma seguiu mais uma vez para Marcelo Rebelo de Sousa, que, desta vez, não o enviou para o TC, optando por recusá-lo, alegando “falta de precisão” no texto.
Já este ano o Presidente da República voltou a ter na sua posse uma nova versão do diploma, concretamente a 4 de janeiro. Marcelo fez seguir o mesmo para o TC, alegando que o texto mantinha “indefinição conceptual”, e agora o Tribunal considerou-o inconstitucional.
O que se segue?
Perante esta decisão do TC, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa devolveu o diploma ao Parlamento, de forma a que o texto possa ser revisto.
“Tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado hoje pela inconstitucionalidade de preceitos da nova versão do decreto da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida, o Presidente da República vai devolver, de novo, o diploma à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do art.º 279.º, número 1, da Constituição, logo que publicado, no Diário da República, o Acórdão daquele Tribunal”, pode ler-se na nota que não acrescenta qualquer posição do Presidente da República.
É só semântica ou é preciso um referendo?
Após esta decisão do TC, logo surgiram reações. O PS anunciou que vai corrigir as normas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, sustentando que está apenas em causa uma questão “semântica” e que a maior parte da argumentação do Presidente da República não vingou.
Já o principal partido da oposição, o PSD, fala na necessidade de um referendo. “O PSD tem razão. Basta de teimosia. A discussão da eutanásia deve sair das quatro paredes do parlamento e ser alvo de um referendo. A democracia direta é o espaço de uma discussão profunda e de uma decisão segura, visto que a pergunta tem de ser aprovada previamente pelo Tribunal Constitucional”, defendeu Luís Montenegro, que tem o Chega do seu lado, neste aspeto.
“O Chega reclamou deste processo, avisou que seria inconstitucional e que muito dificilmente teríamos outra decisão que não essa. Este processo só se resolve com um referendo”, afirmou o líder André Ventura.
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