Toda a gente que vê televisão conhece Rui Cardoso: é aquele jornalista com conhecimentos evidentes que opina com um sóbrio bom senso sobre temas internacionais, sobretudo relacionados com o Leste, mas não só. Raramente entra em discussões, porque o que diz tem o toque de fatal realidade que não se consegue por em causa.

Conhecendo a especialidade de época e de geografia de Rui Cardoso, foi com surpresa que li o seu último livro, “Mapa cor de sangue - as lutas, as revoltas e as tragédias em Portugal no tempo das Invasões Francesas” (Oficina do Livro, 2024). Não sabia do seu interesse por este período da nossa História, mas calculei que falaria sobre ele com a mesma eficiência com que comenta Kyev ou Telavive na televisão.

As Invasões Francesas de 1807-11 estão bastante esquecidas, mas fazem parte de um período que assinala a brutal entrada de Portugal no século XIX - assim como o ataque às Torres Gémeas assinalou a entrada do Mundo no século XXI. Além dos quatro cavaleiros do Apocalipse - Conquista, Guerra, Fome e Morte - trouxeram consigo, com os proverbiais 50 anos de atraso de Portugal em relação à Europa, as ideias da Revolução Francesa, que marcam o início da Idade Moderna.

O período que vai de 1808 (Primeira Invasão) a 1834 (fim das Guerras Liberais) são os 26 anos mais sangrentos, confusos e modificadores da nossa História. Os seus efeitos sentem-se até hoje, porque os grandes acontecimentos históricos marcam rumos sem alternativa.

Foi com este âmbito que tive uma conversa com Rui Cardoso - por Zoom - que começou em 1808 e acabou em  2024.

Gostei muito do livro porque resume de uma maneira muito concisa e precisa aquela parte dos acontecimentos que normalmente não é referida nos estudos sobre este período. As invasões napoleónicas ocorreram no que podemos chamar “a época das chancelarias”, em que as negociações eram entre os reis, os nobres e os interesses dominantes, e por isso raramente se fala no “povo”. Por acaso tenho aqui o livro do Acúrsio das Neves, “História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino” que é muito elucidativo sobre o sofrimento popular, mas tem 550 páginas e usa aquela estilo gongórico da época (foi escrito em tempo real) em que não se percebe bem até que ponto está a embelezar a verdade. Não era nada imparcial, aliás, dizes no teu livro que ele era miguelista.

Era, mas na maneira como escreve os acontecimentos é absolutamente objetivo, parece um jornalista a fazer uma reportagem.

Os níveis de corrupção, suborno e apropriação de coisas da parte do generais franceses contradiz completamente quaisquer ideias de um regime mais justo

Na situação posterior à vitória dos liberais na guerra civil (1832-34) havia imensas discussões  sobre o modelo de governação. Mas o que é interessante nesta época é a desilusão que terão tido os liberais, ao esperar que os franceses trouxessem a liberdade, igualdade e fraternidade - aliás, o slogan dos deles era “nós vimos libertar-vos dos padres e dos reis” - mas quando eles chegaram afinal eram uns brutos.

Foi uma época muito difícil para escolher um dos lados.

Provavelmente foi, se bem que depois as circunstâncias rapidamente se encarregaram dessa escolha, porque de facto os níveis de corrupção, suborno e apropriação de coisas da parte do generais franceses contradiz completamente quaisquer ideias de um regime mais justo. Até passou para a linguagem comum aquela expressão “viver à grande e à francesa”, que tem a ver com o comportamento deles.

Entre os portugueses mais informados do que se tinha passado em França devia reinar uma grande confusão. Por exemplo, o rei D. João VI: porque é que ele foi para o Brasil? Há duas versões; uma é que ele fugiu, e outra que foi um golpe estratégico genial para impedir que fosse aprisionado pelos franceses.

Ambas as versões têm o seu quê de verdade. Ou seja, por um lado terá sido a execução do que eu chamaria um plano de contingência e que já tinha sido esboçado em 1772 no tempo do Marquês de Pombal, durante a Guerra dos Sete Anos (conflito entre a Inglaterra e França por terras na América do Norte, em que Portugal se envolveu), até chegar cá o Conde de Lippe para organizar o nosso exército. E, mesmo em 1702, com a intervenção portuguesa na Guerra da Sucessão Espanhola. A ideia era que se as coisas corressem mal deslocava-se a Corte para o Brasil.

Estava mais ou menos pensado, mas uma coisa é estar pensado e outra coisa é executá-lo e, de facto, depois, quando foi o embarque de toda a quela gente - a corte, a família real, o alto clero, militares, esses todos - aquilo foi tudo feito, segundo as descrições da época, duma maneira um bocado atabalhoada. Podia ter corrido mal, mas acabou por não correr. Outra expressão que entrou na linguagem comum, “ficar a ver navios”, foi o que aconteceu com a guarda avançada de Massena, que quando chegou a Lisboa a frota já tinha desfraldado as velas e estava fora do alcance deles.

A ida para o Brasil também pode ser explicada porque interessava aos ingleses abrir os portos brasileiros. Uma grande parte das hostilidades pré-invasão são marítimas, com o aprisionamento dos nossos barcos de transporte. Nós vivíamos do comércio com o Brasil, ao abrigo da doutrina do “mare nostrum”.

Exatamente. E deixaremos de ter o exclusivo da navegação de carga atlântica a partir do momento em que D. João VI chega ao Brasil. É o preço a pagar pelo apoio militar inglês. Primeiro, a liberdade de navegação britânica e, depois terrestre, a partir de 1808.

Os ingleses estavam interessadíssimos nessa abertura dos mares. Tanto que a nossa frota foi para o Brasil escoltada por navios de guerra ingleses.

Uma razão dessa escolta foi porque as naus portuguesas, que do ponto de vista tecnológico eram tão avançadas como quaisquer outras da época, tiveram de ser desarmadas, desartilhadas, para levar aquela susma de gente, e havia barcos que levavam mil e tal pessoas e não tinham sido obviamente sido concebidos para aquilo.

Esta ideia de cobardia também vem um pouco da personalidade do D. João VI, que se sabe ser extremamente hesitante. Há uma frase que lhe é atribuida: “Quando não se sabe o que fazer, o melhor é não fazer nada!” E depois, evidentemente, ele no Rio vivia numa grande tranquilidade, tanto que não queria voltar.

Teve de ocorrer a Revolução de 1820 para ele voltar. 

Mas, entretanto, a situação em Portugal devia ser horrível, porque ainda vivíamos numa época em que se respeitava as hierarquias. Mas a maioria dos senhores tinha fugido e deixado o reino à deriva. O rei nomeou uma junta de pessoas que não conseguiram fugir com ele e ordenou-lhes que recebessem bem os franceses.

De facto, há um tremendo vazio de poder - tudo o que é Corte e alta nobreza e clero desaparece e não se sabe quem vai ocupar esse poder. O Acúrcio das Neves é bastante claro no seu relato; cerca de um ano depois (Junot chega em novembro de 1807 e os problemas começam em maio, junho de 1808), muitos levantamentos são espontâneos. Há um ou outro em que um militar ou um nobre toma a dianteira, mas em geral os notáveis foram a reboque da massa popular nesta reacção aos franceses. E depois - o Vasco Pulido Valente explica isso muito bem no livro dele Ir pró Maneta” - isso vai coincidir com lutas sociais nunca vistas e com a explosão de antagonismos ancestrais em que o povo, os pobres, de facto vão tirar desforço daqueles que ao longo de séculos e gerações os oprimiam. E em alguns casos, como no Minho, chegam a ter um programa político esboçado que é mais radical do que tudo o que se fez depois com a revolução de 1820.

Quando Wellington desembarca com o Corpo Expedicionário britânico, três quartos do território, isto é, o Alentejo, Algarve, as Beiras e o norte de Portugal, já tinham sido libertados da presença francesa

Estas atitudes começam a desaparecer, a perder vapor, mas fica o entusiasmo popular, a formação de guerrilhas, o combate ao invasor, sem que ainda existisse uma elite liberal, avançada, que pudesse dirigir ou “surfar” este movimento. Acaba por ser a Igreja, os militares e a nobreza local que vai depois canalizar e dirigir este movimento, sendo que ele continua a ser espontâneo e tremendamente violento. É sobretudo uma guerrilha diferente da guerrilha espanhola porque, de maio a junho de 1808, não é aquela guerrilha clássica do revoltoso que aparece atrás de uma árvore, faz uma emboscada e desaparece, mas, efetivamente, eles tentam conquistar terreno aos franceses, efetivamente conquistam, à custa de sacrifícios inacreditáveis. Na verdade, quando Wellington - ainda não recebeu o título de duque, é só o general Arthur Wellesley - desembarca em agosto de 1808 com o Corpo Expedicionário britânico, três quartos do território, isto é, o Alentejo, Algarve, as Beiras e o norte de Portugal, já tinham sido libertados da presença francesa, o que é uma coisa absolutamente extraordinária.

Entretanto há imensos enganos porque, como o povo não entendia de estratégia militar, às vezes os nobres ou os militares que dirigiam mais ou menos os levantamentos queriam fazer um recuo estratégico, que seria mais conveniente, eram assassinados porque era uma cobardia fugir ao inimigo.

Isso aconte sobretudo na segunda invasão, em 1809.

Deve ter sido extremamente assustador, porque os que sabiam, tinham de fazer aquilo, e os que não sabiam, mataram muitos patriotas.

E sobretudo tinham alguma competência militar, como foi o caso do general Bernardim Freire de Andrade que é morto em maio de 1809 em Braga porque aquilo que ele queria fazer, que é uma coisa sensata do ponto de vista militar, não era legível pelas massas armadas. Para eles, tudo o que fosse perder terreno, mesmo para recuperar depois, era visto como uma traição e punido com a morte.

Então essa posse de território distingue a guerrilha portuguesa da espanhola?

Sem qualquer espécie de dúvida. Era mesmo recuperar o terreno e exterminar o inimigo, o que não era militarmente possível.

Entretanto o Wellington, com aquela política de terra queimada (para não proporcionar recursos ao invasor) acabou por ser pior do que os franceses.

Num certo sentido sim, embora seja uma morte fria e a conta-gotas versus uma morte rápida à espadeirada, fuzilados, à coronhada, como aconteceu na repressão dos primeiros levantamentos, nomeadamente em Évora, na Nazaré, em Rio Maior, Beja, Vila Viçosa, e em muitos outros sítios. A política de terra queimada é extremamente eficiente, como sempre que foi aplicada, mas as primeiras vítimas, no caso da terceira invasão, em 1810, com Massena, foram as pessoas das Beiras, do Ribatejo, do Oeste, que foram forçados a sair de suas casas, queimar colheitas, para passar para a protecção relativa das Linhas de Torres Vedras.

Eles foram foi obrigados a construir as Linhas, numa espécie de trabalhos forçados.

Sim, as Linhas não se fizeram sozinhas.

No que ainda existe, e que pode ser visitado, dá para ver que foi um trabalho hercúleo, considerando que era todo manual. Não havia guindastes nem escavadoras.

Umas juntas de bois, mas pouco mais. Foi tudo à unha, de facto.

Os ingleses acabaram por ser tão maus para nós como os franceses. 

Eu diria isso no sentido mais político, porque a partir do momento em que os franceses são definitivamente expulsos - em 1811 ainda há combates na zona do Sabugal e da Guarda - a presença e a interferência britânica vai criar raízes muito inconvenientes. Beresford vai quase ser um vice-rei britânico em Portugal, muito controverso, sobretudo depois do suplício do Gomes Freire de Andrade e dos outros liberais, que levará à Revolução de 1820. Que irradia do Porto, o que é interessante.

'O Antigo Regime, ao ter de depender da guerra popular para enfrentar o invasor e ao ter que delegar a reorganização do exército a uma potência estrangeira, mesmo ganhando militarmente, estava a cavar a sua própria sepultura, ainda que na altura não se tenha apercebido'

Os ingleses  achavam que eram melhores do que toda a gente e achavam-nos uns cafres. Há uma afirmação do Weslelley, precisamente, em que diz que não queriam impor o regime parlamentar inglês  em nenhum outro país, porque achava que esse regime lhes dava superioridade. Isto é interessante porque é o oposto da política norte-americana de querer impor a democracia em toda a parte, porque acham que o regime deles é bom para todos.

Embora isso depois tenha um lado perverso que os ingleses não controlam e que é que algumas ideias modernizadoras que vão corroer o absolutismo vêem dos franceses, do Código Civil do Napoleão, da própria Revolução Frances. Contudo, a própria monarquia britânica é uma monarquia liberal e todos os nobres oficiais (portugueses) recrutados pelos ingleses vão ser formados por eles na matriz militar britânica - estou a falar de Saldanha, Palmela, Sá da Bandeira e muitos outros - esses oficiais acabam por absorver por osmose a ideia de uma monarquia constitucional (versus a monarquia absoluta). Há uma frase que eu cito no livro: “O Antigo Regime, ao ter de depender da guerra popular para enfrentar o invasor e ao ter que delegar a reorganização do exército a uma potência estrangeira, mesmo ganhando militarmente, estava a cavar a sua própria sepultura, ainda que na altura não se tenha apercebido.”

Essa parte é que é extremamente interessante: as ideias liberais acabaram por entrar em Portugal exactamente ao contrário do que seria natural. Ou seja: o que devia ser os franceses virem libertar-nos do “trono e altar” e serem recebidos com alívio e alegria, e o que aconteceu foi o oposto: os franceses vieram brutalizar-nos e os ingleses, que praticavam uma “democracia” das elites, é que nos abriram a possibilidade do povo ter opinião.

Embora do ponto de vista cultural o legado seja diferente. Podemos falar dum domínio inglês económico, mas a matriz cultural vai continuar francesa por todo o século XIX. O Camilo, o Eça…

Até hoje. Pelo menos até ao Eduardo Prado Coelho! Os intelectuais da minha geração, escritores, cineastas, artistas plásticos, são todos francófonos. Só as gerações pós-25 de Abril, talvez pela abertura ao mundo, talvez pela perda de influência da cultura francesa, é que não são.

No final da Primeira Invasão, em 1808, os ingleses e os franceses fizeram um acordo, sem a presença de um oficial português sequer, em que o general Darlymple deixou os franceses partir com todo o saque que tinham feito. O acordo foi tão escandaloso, mesmo em Inglaterra, que Darlymple teve de enfrentar um julgamento.

Sim, foi na chamada Convenção de Sintra. Foi assinada pelos generais Darlymple e Burrard, que eram superiores hierárquicos do Wesleley, curiosamente. E é verdade que os portugueses não estiveram presentes, uma coisa absolutamente inenarrável.

Os portugueses eram os indígenas. A guerra era entre ingleses e franceses, por acaso num território remoto sem poderes, como uma colónia africana. Os liberais surgem depois, não é?

E há aqui uma coisa de que não nos podemos esquecer, que é o papel da imprensa nessa altura - panfletos, mas também jornais - um produção extraordinária que veio para ficar e, em alguns casos, é completamente irreverente, impensável numa monarquia absoluta. Como, por exemplo, um jornal que se começa a publicar em Lisboa a seguir à derrota da Primeira Invasão, que se chama “O Lagarde Português” - Lagarde era o prefeito francês da polícia - e que tinha no cabeçalho uma águia napoleónica de pernas para o ar e uma epígrafe que dizia qualquer coisa como “Publicado com o privilégio do Desgoverno”. Não ia a censura nenhuma. E, como essa, muitas outras. Alguns eram variantes de panfletos espanhóis, com um texto muito beato, do género “Napoleão é a besta dos mil cornos”, “Napoleão veio do Inferno”, mas outros não. Vão passando, eu diria, quase subliminarmente, a ideia de que não vamos só discutir a guerra contra os franceses, vamos discutir que país é que queremos quando o invasor for expulso e que papel nós, pessoas comuns vamos desempenhar.

Portanto há a vertente conservadora, digamos, que via os franceses como as bestas revolucionárias…

Os anti-Cristo.

E há a vertente liberal que, apesar dos franceses serem como eram, via a possibilidade do país por fim seguir outros rumos. E o facto de o D. João VI não querer voltar, manteve esse vácuo de poder que proporcionou a Revolução de 1820.

Antes disso, quando se dá o regresso do Bernardim Gomes Freire de Andrade e começa a reunir um grupo de conspiradores liberais, são completamente liquidados pelo Beresford e pelo primo do próprio Gomes Freire de Andrade, o Pereira Forjaz que era de facto Primeiro Ministro. Eles vão ser condenados sumariamente e vão ser executados ainda mais sumariamente, pois, sendo Gomes Freire um oficial superior, tinha direito a ser passado pelas armas por um pelotão de fuzilamento e não enforcado. Do ponto de vista dos códigos militares da época é uma indignidade.

Aliás os dois primos são bons exemplos de como as fidelidades e as traições se cruzavam numa confusão indiscritível. O Gomes Freire tinha servido os franceses na Europa, e os primos chegaram a trabalhar juntos na revolta do Porto contra Junot. 

Ao contrário do Marquês de Alorna, que veio como uma espécie de assessor de Massena na Terceira Invasão. O Gomes Freire tinha combatido pelos franceses lá longe, na Rússia. Tanto que, quando regressa não é alvo de qualquer processo porque nunca tinha combatido contra o seu país.

Pode dizer-se que a falta pensadores e de uma robusta classe intelectual que nós temos atualmente ainda vem desse tempo? Porque temos andado muito afastados dos debates culturais que vão ocorrendo na Europa. Depois das Invasões Francesas tivemos as Guerras Liberais, que foram tão ou mais violentas que as invasões. E a divisão entre absolutistas e liberais, ou seja, entre reacionários e progressistas monopolizou todo o século XIX e, de certo modo, estravasou para o século XX. Dando um salto no tempo, por exemplo, o Salazar foi apoiado pelo Integralismo Lusitano

É curioso que nós não possamos saber que caminhos teria seguido o Integralismo Lusitano se o António Sardinha não se tem cortado a abrir uma carta e não tem morrido com uma septicémia. Do ponto de vista da capacidade intelectual e da pujança de ideias, o António Sardinha dava de cinco a zero ao Salazar. Se bem que ele era monárquico e o Salazar não era assim tão monárquico.

Nunca se percebeu porque é que o Salazar não era monárquico.

Como era o Franco, aqui ao lado!

Há um romance do Hugo Gonçalves, “Deus Pátria e Família”, em que o Rolão Preto, já exilado, faz um acordo com os judeus, oferecendo-lhes terra em Angola para fazer um estado israelita, a troco de matarem o Salazar. Eles conseguem e Rolão Preto desobriga-se do acordo, tornar-se Primeiro Ministro, e Portugal passa a alinhar com a Alemanha contra a Grã-Bretanha.

Eu adoro exercícios de História Alternativa. Os franceses e os belgas têm uma coleção de banda desenhada, que já vai em três ou quatro dezenas de álbuns, que se chama Le Jour J com histórias do género “e se o Dia D tem falhado?”, “e se os soviéticos têm chegado primeiro à Lua?”, “e se Kennedy tem sobrevivido ao atentado de Dallas?” e por aí fora. Criam cenários completamente delirantes. Aliás, já que estamos a falar nisso, entre a Guerra Civil de Espanha e a II Guerra Mundial outro cenário alternativo que efetivamente podia ter acontecido era a invasão de Portugal por tropas franquistas e hitlerianas.

Pois, isso podia ter acontecido. Era o que queria a Falange Espanhola.

Podemos imaginar uma coisa delirante, realmente alternativa, que é Salazar refugiado em Nova Lisboa a emitir pela Emissora Nacional, no género do De Gaulle em Londres!

Para terminar tenho uma pergunta a fazer, que não tem nada a ver com isto, mas é dentro da tua especialidade: o que é que achas que vai acontecer na Ucrânia?

Tudo indica, nomeadamente os sinais que vêm do campo de batalha, que são os mais importantes a ter em conta, é que dum lado e do outro se estão a preparar para uma guerra de longa duração, a entrincheirarem-se numa situação do tipo da I Guerra Mundial, com a diferença dos olhos no céu, por causa dos drones. Curiosamente, a Rússia neste momento já está a tentar arranjar alternativas rodoviárias e ferroviárias à ponte de Kersh, porque mais dia menos dia será bombardeada pelos ucranianos e ficará imprestável. Também, neste momento, está a ser construida uma auto-estrada na Roménia, de Bucareste à fronteira ucraniana, por um lado para facilitar a exportação de cereais por via terrestre, por outro para enviar armamento, porque pela fronteira da Hungria não passa nada. Eu apostaria numa guerra de longa duração, porventura de intensidade imediata mais baixa, portanto uma I Guerra Mundial com menos confrontos.

Há dois tipos no mundo que, se pudessem votar, votavam no Trump, e que se chamam Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu

E se o Trump ganhar as eleições norte-americanas?

Bem, há dois tipos no mundo que, se pudessem votar, votavam no Trump, e que se chamam Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu. Tanto a um como ao outro interessaria que Trump ganhasse, porque isso alteraria completamente o posicionamento externo dos Estados Unidos e permitiria levar água aos moinhos deles. Agora, também não está escrito nos céus que Trump ganhe. Tem possibilidades fortes, mas também tem uma série de pontos fracos que o podem levar a perder.