A filha mais velha do homem que governou Angola durante 38 anos, José Eduardo dos Santos, foi hoje exonerada do cargo de presidente do conselho administração que detinha na petrolífera estatal angolana, a Sonangol, uma decisão de quem substituiu o seu pai nas eleições de agosto passado, João Lourenço.
Resta saber até que ponto este revés poderá afetar o percurso empresarial de Isabel dos Santos, que começou em 1996 – como dona de um restaurante e clube noturno em Luanda, o Miami Beach Club – e que hoje, 20 anos depois, inclui participações na banca em Angola (Banco de Fomento Angola) e em Portugal (BPI), na sociedade de cimentos angolana Cimangola, nas telecomunicações em Angola (Unitel) e em Portugal (Nos) e no ramo petrolífero em Portugal (Galp).
Em 2013, a revista norte-americana Forbes noticiava que Isabel dos Santos se tinha tornado na primeira mulher bilionária em África. Quatro anos depois estimava a sua fortuna pessoal em 3,4 mil milhões de dólares, mais do que qualquer outra mulher no continente africano.
Pelo meio, inúmeros “títulos” na imprensa internacional: o britânico Guardian chamava-lhe “Princesa”, o espanhol El País “Rainha de África e Imperatriz de Portugal”, o Le Monde comparava-a a uma “oligarca russa”.
Isabel dos Santos nasceu em Baku (antiga União Soviética, atual Azerbaijão) em 1973, filha de José Eduardos dos Santos, então um jovem militante do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em formação na URSS para combater o colonialismo português em Angola, e de Tatiana Kukanova, uma jogadora de xadrez russa que estudava geografia.
Com apenas seis anos, em 1979, Isabel vê o pai assumir o cargo de Presidente de Angola, sucedendo – de forma algo surpreendente – ao histórico Agostinho Neto, o homem que tinha declarado a independência angolana, em novembro de 1975.
No início dos anos 1980, Angola mergulha numa guerra civil – que opõe o MPLA à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA() – e Isabel dos Santos refugia-se em Londres com a mãe (agora já divorciada do Presidente José Eduardo). A jovem terá estudado dois anos na St. Paul's (uma escola pública em Londres) e mais tarde cursou engenharia e gestão de empresas no King's College, também em Londres.
Regressa a Angola aos 24 anos, lançando-se na aventura empresarial com o Miami Beach Club, que não corre particularmente bem.
Segundo o jornal Expresso, foi pouco depois do Miami Beach que, em 1999, Isabel dos Santos entrou no negócio dos diamantes em Angola. O governo angolano, contou o jornal num artigo de 2016, tinha atribuído à Ascorp o direito exclusivo de comercialização de diamantes angolanos, e Isabel assegurava uma percentagem de 24,5% da nova sociedade através da empresa TAIS, que detinha com a sua mãe, Tatiana Kukanova.
A Ascorp juntava ainda a empresa estatal de mineração de diamantes, a Endiama (com 51%), e a Welox (com outros 24,5%).
“A licença da Ascorp seria suspensa em 2004, quando também os 75% que Isabel dos Santos detinha na TAIS foram transferidos para a sua mãe. Nessa altura, a filha do Presidente já estava dedicada ao início da sua carreira de empresária de sucesso como acionista de 25% do capital da Unitel, a primeira operadora móvel de Angola, colando-se como sócia à Portugal Telecom”, escreveu na altura o Expresso.
A Unitel permitiu alargar a rede de Isabel a outros negócios e setores: através da empresa de telecomunicações entrou no Banco de Fomento Angola (BFA) e atualmente detém 51% do banco que tinha sido criado pelo português BPI (do qual chegou a deter 19%).
Isabel dos Santos também é a maior acionista do BIC Angola (com 42,5%) e da Zap (com 70%), uma parceria com a portuguesa NOS para produzir e distribuir conteúdos de televisão por cabo para Angola e Moçambique, e controla – com o seu marido, Sindika Dokolo, e com o Estado angolano – a cimenteira Cimangola.
Em Portugal, Isabel dos Santos controla indiretamente a NOS (com 52,14%), o BIC português (42,5%) e detém uma participação na petrolífera portuguesa Galp. No entanto, a empresária exercia um controle superior à sua participação acionista, através da parceria na Amorim Energia, detida em 45% pela Esperaza Holding, uma sociedade que a filha do ex-Presidente detém com a Sonangol.
A empresária angolana também detém, em Portugal, a totalidade da Santoro Financial Holdings, SGPS.
Mãe de cinco filhos, Isabel dos Santos fala seis idiomas (português, russo, inglês, espanhol, francês e italiano). Em abril último concedeu uma das raras entrevistas à BBC, na qual admitia ter construído “um percurso inesperado”, mas na qual se insurgia contra os “preconceitos” que enfrenta por ser filha de quem é.
“Não há dúvida que há muito preconceito [sobre quem sou]. Acho que tenho um trajeto inesperado (…) Há privilégio e preconceito. Há ambos. Sou privilegiada no sentido em que tive uma boa educação, em que pude ver o mundo, em que consegui dar-me com pessoas de todos os extratos. Mas acho que foi só isso. (…) Pensar que as vantagens [que obtive] foram injustas ou foram através de favores, ou favoritismo, acho que isso é preconceituoso”, disse na ocasião.
Sobre o apodo de “filha do Presidente”, Isabel dos Santos foi taxativa: "é um mito".
"Não há essa coisa da ‘filha do Presidente’. É um mito. (…) O trabalho do nosso pai, seja um Presidente ou um CEO, é uma relação profissional da vida dele. E são dois aspetos muito diferentes", realçou.
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