António Lacerda Sales pediu a palavra antes de começar a ser questionado, para afirmar que pediu o adiamento desta audição antes de ser constituído arguido.
“No dia 03 de junho fui convocado para ser ouvido em 17 de junho e no 04 de junho fui constituído arguido pelo Ministério Público. (…) Cai a tese de que pedi o adiamento por ter sido constituído arguido. Eu pedi o adiamento antes de ter sido constituído arguido” - afirmou o antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde.
A comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas em Lisboa, em 2020, com um medicamento de quatro milhões de euros já iniciou as audições, com o depoimento do ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde.
O antigo governante foi entretanto constituído arguido em processo judicial e remeteu-se ao silêncio.
Lacerda Sales disse que o seu estatuto de arguido o coíbe de fazer qualquer declaração, recordando que decorre um inquérito do Ministério Público que se encontra em segredo de justiça.
"Vou manter-me em silêncio em todas as questões", salientou.
Embora esteja a responder a todas as perguntas invocando o artigo 13 para se poder manter em silêncio, abre uma exceção para garantir ao deputado André Ventura que esta não era uma prática normal no Ministério da Saúde e para dizer que não falou nem com Marcelo Rebelo de Sousa, nem com a ministra sobre este tema. "Olhe-me bem nos olhos: nunca chegou nenhum email ao meu gabinete."
"O senhor Presidente da República nunca falou comigo sobre este caso", afirmou, recusando também ter falado com António Costa ou Marta Temido sobre a situação destas crianças.
O ex-secretário de Estado disse ainda que "nunca chegou nenhum e-mail nem nenhum processo formalizado" ao seu gabinete.
Questionado quanto a processos informais, António Lacerda Sales invocou o direito ao silêncio, tal como fez para várias outras questões que lhe foram colocadas, justificando com o facto de ser arguido e não querer "interferir na investigação" judicial.
"Eu nunca lhe disse que marquei a consulta", indicou o antigo governante, afirmando também que "nunca disse que não tinha reunido com o filho do Presidente da República".
António Lacerda Sales salientou que "ninguém passou à frente de ninguém, nem sequer há lista de espera", reiterando que "foram tratadas até hoje 36 crianças" com o mesmo tratamento.
E disse estar orgulhoso de Portugal e do Serviço Nacional de Saúde por "nunca ter abandonado ou esquecido estas crianças".
André Ventura questionou ainda o antigo secretário de Estado se é comum haver favores na área da saúde, e Lacerda Sales respondeu que não.
Ventura manifestou estranheza e considerou que “alguma coisa aqui não está muito certa”, questionando se “o e-mail circulou sozinho, sem que ninguém fale”, e salientou o custo do medicamento.
Perante a decisão de Lacerda Sales de se remeter ao silêncio, Ventura disse não ver "como a verdade pode interferir no processo" e defendeu que quando foi arguido foi "o primeiro a dizer tudo".
"Se o doutor Lacerda Sales visse da mesma forma, estaríamos a ter esclarecimentos seus", salientou.
Numa declaração inicial, o ex-secretário de Estado António Lacerda Sales disse não estar disponível para "servir de bode expiatório num processo político-mediático a qualquer custo" na comissão de inquérito ao caso das gémeas tratadas com medicamento Zolgensma.
“Não estou disponível para servir de bode expiatório num processo político-mediático a qualquer custo”, afirmou.
Lacerda Sales salientou que “nenhum membro do Ministério da Saúde pode ter interferência na marcação de consultas ou na administração de medicamentos”, criticando o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e a auditoria do Hospital de Santa Maria.
“Eu não posso aceitar o relatório da IGAS e a auditoria do Hospital de Santa Maria. No entanto, apesar das suas limitações, a auditoria [do Santa Maria] concluiu bem que não houve qualquer favorecimento nestas crianças. As regras clínicas foram respeitadas. Ninguém passou à frente”, disse o ex-governante na intervenção inicial de 15 minutos antes de se remeter ao silêncio.
“O relatório IGAS mais parece uma tentativa de responder à pressão mediática”, disse, acrescentado que a cronologia do caso começa antes de integrar o Governo.
O antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde recordou ainda que “tem um enorme orgulho em Portugal e no Serviço Nacional de Saúde”, depois de 36 crianças, das quais 11 no Hospital de Santa Maria, terem recebido o tratamento com o medicamento Zolgensma, que “evitou a morte prematura” e deu “qualidade de vida às famílias”.
As audições iniciam-se semana e meia depois de a Polícia Judiciária ter realizado buscas em duas unidades do Serviço Nacional de Saúde e em instalações da Segurança Social.
O Ministério Público explicou, na ocasião, que estavam em causa factos suscetíveis de configurar “crime de prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada”.
Constituída por 17 deputados, a comissão terá quatro meses para concluir o seu trabalho.
A comissão aprovou os pedidos de depoimento do Presidente da República e do seu filho Nuno Rebelo de Sousa, além do chefe da Casa Civil da Presidência da República, Fernando Frutuoso de Melo, e da assessora do chefe de Estado para os assuntos sociais, Maria João Ruela.
Em causa está o tratamento no Hospital de Santa Maria de duas crianças gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam em Portugal o medicamento Zolgensma. Com um custo de dois milhões de euros por pessoa, este fármaco tem como objetivo controlar a progressão da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.
*Com Lusa
Comentários