Dom Phillips, correspondente britânico de 57 anos para meios como o The Guardian e o The New York Times, e o renomado especialista em questões indígenas Bruno Pereira Araújo continuam desaparecidos depois de iniciarem uma viagem a uma zona remota da floresta da Amazónia.
Phillips e Pereira Araújo desapareceram enquanto o primeiro realizava uma investigação para um livro no Vale do Javari, no estado do Amazonas. Os dois viajaram de barco para o lago Jaburu, no oeste do Amazonas, e deveriam ter retornado à cidade de Atalaia do Norte por volta das 9h00 de domingo.
Ambos rumaram para entrevistar os habitantes indígenas junto a uma base de monitoramento da Funai e chegaram ao lago Jaburu na sexta-feira à noite, informaram a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA) e o Observatório de Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI).
As duas organizações disseram em nota que os homens "receberam ameaças". Pereira, especialista da Fundação Nacional do Índio (Funai) e com profundo conhecimento da região, recebia regularmente ameaças de madeireiros e mineiros que tentam invadir ilegalmente as terras das comunidades indígenas.
Segundo o jornal "O Globo", dois pescadores foram detidos pela Polícia Federal na noite de segunda-feira no âmbito do caso, incluindo a pessoa com a qual se deveriam reunir.
Philips e Pereira Araújo começaram a viagem de regresso na madrugada de domingo, fazendo uma paragem na comunidade de São Rafael, onde Pereira tinha programado uma reunião com um líder local para discutir as "invasões" às suas terras, segundo o comunicado.
Como o líder da comunidade não apareceu, os dois homens decidiram seguir até Atalaia do Norte, uma viagem de aproximadamente duas horas, disseram. A última vez em que foram vistos foi na localidade de São Gabriel, perto de São Rafael. Viajavam num barco novo com 70 litros de gasolina, o que era "suficiente para a viagem", e usavam equipamentos de comunicação por satélite.
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou a abertura de um procedimento administrativo para apurar o desaparecimento, uma investigação que será conduzida pela Marinha, com participação de Polícia Federal, Polícia Civil, Força Nacional e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
As buscas até a tarde de segunda-feira não deram resultado. Fontes da Funai disseram à AFP que estão a colaborar com as autoridades locais nas buscas. E acrescentaram que Pereira tirou uma licença temporária para se dedicar a "assuntos pessoais".
"Cada segundo na floresta conta"
As famílias dos desaparecidos manifestaram preocupação, junto com organizações e personalidades, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Phillips, que também trabalhou para o Financial Times e o Washington Post, é casado e vive em Salvador, na Bahia. A mulher, Alessandra Sampaio, emitiu um comunicado direcionado às autoridades brasileiras. "As nossas famílias estão em desespero. Por favor, respondam à urgência do momento com ações urgentes", escreveu, na nota citada pelo The Guardian.
"No momento em que faço este apelo, eles estão desaparecidos há mais de 30 horas e cada segundo na floresta conta, cada um pode ser a diferença entre vida e morte. Tudo o que posso fazer é rezar para que Dom e Bruno estejam bem, algures, incapazes de continuar a viagem devido a um problema mecânico, e que tudo isto seja apenas mais uma história nestas vidas cheias delas", acrescentou.
"Apelamos às autoridades brasileiras" que façam o possível "para encontrar o nosso querido Dom", escreveu no Twitter Paul Sherwood, cunhado de Phillips. "O tempo é essencial", acrescentou.
O Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ) e a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE) pediram às autoridades que atuem "imediatamente".
"Espero que sejam encontrados logo, que estejam bem e em segurança", tuitou Lula, favorito nas sondagens para as eleições presidenciais de outubro contra o presidente Jair Bolsonaro, que, por sua vez, é acusado de incentivar as invasões de terras indígenas a favor de garimpeiros e do agronegócio.
O jornalista já tinha viajado com Pereira em 2018 ao Vale do Javari para escrever uma reportagem para o The Guardian. Trata-se de uma terra indígena de difícil acesso no extremo-oeste do Amazonas onde vivem cerca de 6.300 indígenas de 26 grupos diferentes, 19 deles isolados, segundo a ONG Instituto Socioambiental.
Nos últimos anos a violência armada aumentou na região perante a presença de garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais. A base local da Funai, instalada para proteger e prestar assistência aos indígenas, foi alvo de diversos ataques desde o fim de 2018, incluindo o assassinato a tiro em 2019 de um de seus funcionários.
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