A atenção noticiosa do dia esteve focada em torno de toda a polémica com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que envolveu a morte de um cidadão ucraniano. Duas situações, dois locais. Uma decorria na justiça, naquele que foi o primeiro dia de um julgamento dos arguidos que o Ministério Público acredita serem os culpados pelo que aconteceu a 12 de março. A outra, fora do SEF, mas ainda dentro do seu Universo, numa polémica que envolve Cristina Gatões, ex-diretora do serviço na altura.
- No tribunal
Ihor Homenyuk, de 40 anos, morreu há mais de 10 meses no Centro de Instalação Temporária (CIT) do SEF do Aeroporto de Lisboa. Esteve fechado numa sala durante 15 horas e foi manietado por três inspetores, que o algemaram e colocaram os braços atrás do corpo. Seguiram-se socos, pontapés e pancadas com um bastão extensível, de acordo com o Ministério Público. Esta brutalidade iria resultar na sua morte por asfixia mecânica. Hoje, sensivelmente 327 dias depois, os arguidos começaram a ser julgados no campus de justiça, em Lisboa.
Apesar de estarem em prisão domiciliária, chegaram ao tribunal sem escolta e pelo próprio pé, segundo o Público, que adianta também que se chegavam a confundir com as pessoas com quem se cruzaram nas imediações do local. Já dentro do tribunal, no lado a lado possível numa situação de pandemia, falaram pela primeira vez desde o final de março.
Todos tiveram oportunidade de contar a sua versão dos factos. E, apesar de falarem à vez, o trio apresentou aos juízes a mesma argumentação: o cidadão ucraniano encontrava-se agitado, terá tentado pontapeá-los e evidenciou comportamentos violentos (um deles até foi descreveu que Homeniuk "gostava de morder").
No entanto, negaram que tivesse existido confronto físico. "Não foi preciso bater no homem porque ele já estava numa posição de fragilidade", explicou Bruno Sousa, um dos arguidos, ao coletivo de juízes.
A defesa, por sua vez, não tem dúvidas de que há falhas na retórica empregue. Um dos advogados alega que os arguidos "foram bodes expiatórios", sem direito à "presunção de inocência", ao passo que outro reitera que a morte do cidadão ucraniano se deveu "às condições deploráveis e inqualificáveis nas quais os cidadãos são colocados nos centros de detenção" temporários.
Dois problemas da acusação? Para a defesa dos arguidos, as "graves deficiências à autópsia" — sendo essencial perceber se as lesões infligidas a Homeniuk foram acidentais ou intencionais e quem as causou e se houve dolo — e a reconstituição do crime não ter tido a presença dos três inspetores. A defesa frisa também que houve uma espécie de linchamento na praça pública dos seus clientes.
- Fora do tribunal
O dia começou a raiar com a notícia do Diário de Notícias (DN) a marcar as primeiras horas da manhã. No olho do furacão estava a assunção de que o atual Diretor Nacional do SEF, Botelho Miguel, tinha nomeado Cristina Gatões, que se demitiu desse mesmo cargo a 9 de dezembro, para integrar um grupo de trabalho que vai fazer a remodelação dos ‘vistos gold’.
As reações não demoraram a surgir e vários foram os partidos a questionar o conteúdo daquilo que o DN avançava, sem resposta por parte do governo. Chega, BE e IL questionam os motivos com perplexidade, tendo os bloquistas inclusivamente requerido uma audição de Eduardo Cabrita.
A resposta surgiria ao final da tarde quando chegou um comunicado oficial sobre a situação às redações, em que era possível saber que Cristina Gatões "não foi contratada ou nomeada para qualquer cargo". Mas se assim é, afinal, o que se passou?
Na versão do SEF, acontece simplesmente que a ex-diretora se mantém nos quadros daquele serviço e "integra um grupo de trabalho interno que analisa e vai propor medidas no âmbito do regime de autorização de residência para atividade de investimento". Mais, o grupo nem sequer é coordenado pela própria, mas sim "pela Técnica Superior do SEF Carla Costa".
Fora do Tribunal, é fácil deduzir que o tema que não se deverá esgotar por aqui. Dentro, sabemos que o julgamento continua na próxima quarta-feira, mas desta feita já com a possibilidade de ouvir as testemunhas da acusação. Aguardemos pelos próximos capítulos de ambas as situações, pois então.
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